Glorificando a Deus na provação: não desperdiçando o sofrimento

Quem nunca passou por sofrimento e provação? Em algum momento da vida, mais cedo ou mais tarde somos atingidos pelo sofrimento. Em maior ou menor grau. Pastor Gilson Santos escreveu em um artigo:

“A Palavra de Deus nos revela que o sofrimento é uma realidade conseqüente da queda do homem, isto é, do pecado que nos atinge (…) Devemos, pois, esperar o sofrimento como um fato natural desta vida.″

Em outra ocasião falando sobre o sofrimento em John Bunyan, abordei que “o sofrimento por causa de seguir e testemunhar de Cristo tem atingido a vida dos discípulos de Cristo em todas as épocas e em todos os lugares. O sofrimento é algo que faz parte da vida e é compatível com o novo testamento.”[1] No Antigo Testamento, José e Jó foram exemplos e modelos para nós de perseverança face ao sofrimento. O texto lido foi extremamente confrontador e ao mesmo tempo consolador. Tem falado poderosamente ao meu coração.

Há irmãos dentre nós que já perderam ente querido próximo. Há irmãos que estão lutando com problemas de saúde ou então com enfermidades de entes queridos bastante próximos. Há irmãos que estão passando por muitas lutas em seus ministérios e provavelmente há irmãos que lutam com dificuldades impostas pelo campo missionário. Há irmãos que foram e/ou são perseguidos pelas crenças nas doutrinas da graça. Eu também compartilhei na lista algumas lutas meses atrás. Algo importante é que a igreja não está preparada para sofrer. Ela não é preparada para sofrer por intermédio da pregação. Vivemos numa cultura que foge da dor. Esse é o motivo porque igrejas que pregam a teologia da prosperidade estão lotadas de pessoas.

Por outro lado é óbvio que, devido a nossa fragilidade humana, não suportamos o sofrimento e nem devemos faze-lo por meio de filosofia estóica ensinando que o indivíduo deve suportar o sofrimento através da moral sendo indiferente e impassível. Mas estamos dominados pelo epicurismo, pois somos ensinados a fazer de tudo pela nossa tranquilidade e bem estar, a felicidade e a dor é o que devemos procurar e evitar respectivamente[2]. O evangelho nos chama ao equilíbrio. Somos atingidos ao sofrer, mas sofremos para a glória de Deus. Somos atingidos ao sofrer, mas sabemos que Deus tem um propósito no nosso sofrimento. O título da mensagem é: Glorificando a Deus na provação: não desperdiçando o seu sofrimento. O ensinamento principal do texto é que:

Devemos glorificar a Deus no meio da provação não desperdiçando o nosso sofrimento. Devemos usar o sofrimento para glorificar o Senhor.

Ainda que o ponto principal do texto seja o sofrimento vindo por parte das perseguições aos cristãos, os princípios salientados pelo texto podem servir e serem aplicados em qualquer situação de sofrimento.

Esta carta foi escrita pelo Apóstolo Pedro, que após andar três anos com o Senhor Jesus Cristo, agora então é o líder da igreja primitiva. Na ocasião, uma perseguição generalizada estava prestes a acontecer por ordem do Imperador Nero. A história e a tradição da igreja apontam que nessa perseguição ocorreu o martírio de Pedro e Paulo. O primeiro crucificado de cabeça para baixo, pois argumentou que não era digno de morrer igual seu mestre e o segundo por ser cidadão romano sofreu uma morte menos dolorosa, a saber, ter a cabeça decapitada provavelmente na guilhotina.

Escrevendo para os eleitos de Deus na dispersão, judeus de fala grega na diáspora espalhados fora da Palestina, instalados na Ásia menor, Pedro tem como objetivo encorajar cristãos perseguidos que estavam sofrendo por causa de sua fé. Como um pastor de almas zelando pelo rebanho do Senhor, Pedro usa o termo dispersos como uma metáfora salientando que o povo de Deus é forasteiro e peregrino, rumo à pátria celestial assim como a trajetória de cristão no O Peregrino, escrito por John Bunyan, que estava sofrendo na prisão pela pregação do Evangelho. Um segundo objetivo na carta é exortar cristãos a aproveitarem a oportunidade frente à perseguição e sofrimento e manifestarem uma vida de santidade ao Senhor.

Após abordar a santificação aplicada a diversas esferas, Pedro então, mostra na transição entre o capítulo 4 e 5, o privilégio glorioso de passar pelo sofrimento por causa de Cristo. Extrairemos os princípios do texto especificamente lido:

1. Em primeiro lugar, glorificamos a Deus na provação não desperdiçando o sofrimento ao sermos purificado pelo fogo (vs. 12)

O versículo orienta os cristãos perseguidos a não estranharem o fogo ardente surgido entre eles pois eles estavam surpresos com a perseguição que estava acontecendo. A metáfora do fogo é usada porque purifica o ouro. O ouro precisa ser queimado para ser mais puro. Assim o fogo ardente advindo da perseguição seria para purificar a vida dos crentes. O evangelista puritano inglês George Whitefield ao pregar neste versículo narra que ao visitar uma fabrica de vidro no norte da Inglaterra pode observar que o operário passa o vidro três vezes na fornalha para ficar mais transparente. Ele diz: “O Deus todo-poderoso sabe: frequentemente somos mais purificados, em determinado momento, por intermédio de uma saudável provação do que por milhares de demostrações do seu amor.” [3]

O Apóstolo diz que não se deve estranhar o fogo ardente como algo extraordinário. Jesus Cristo sofreu. Seus discípulos também sofrerão. O mundo como sistema é nosso inimigo. Falando sobre o travar uma guerra com este mundo hostil, Joel Beeke em seu livro Vencendo o mundo publicado recentemente pela Editora fiel, vai dizer que “é uma guerra árdua, pois o mundo não luta com justiça e clareza, não aceita cessar fogo e não assina tratado de paz”[4]. Ainda sobre a guerra contra o mundanismo ele escreve que “o caminho da benção é o caminho da dor. A dor é um ingrediente essencial ao crescimento. Essa é a razão por que falamos em dores de crescimento e repetimos a expressão “Sem dor, sem ganho” (no pain, no gain)”.[5]

Sobre essa afirmação, escrevi em meu antigo blog:

“Uma máxima dos praticantes de musculação diz que não há ganho sem dor (no pain, no gain). A medida em que o atleta ou cliente da acadêmia vai ganhando resistência muscular , sua série aumenta. De acordo com o objetivo pessoal, quanto mais peso o indivíduo levanta, mais dor ele sente. Quanto mais dor ele sente, mais massa muscular irá se desenvolver em seu corpo. Para manter um corpo atlético , ele deve malhar, praticar e assim irá sentir dor cada vez que o peso aumentar significando que mais massa muscular está sendo desenvolvida.

Essa mesma lógica pode ser usada na peregrinação espiritual do crente. Não está sendo afirmado que a dor é a única forma de fazer o cristão crescer em intimidade com Deus. Mas é uma das melhores formas, se não a melhor. Os textos citados acima afirmam que o sofrimento produz fé e perseverança tornando o crente mais maduro e íntegro. O sofrimento também faz com que o cristão se identifique com Cristo (participando de seu sofrimento na cruz para o perdão dos nossos pecados), para glória de Deus e aprendizado no exercício de sua alegria e contentamento em Deus. A dor e o sofrimento podem fazer com que o cristão cresça em Cristo e amadureça seu caráter desenvolvendo melhor sua intimidade com Deus.”

Portanto amados, devemos glorificar a Deus por intermédio da provação, não desperdiçando o sofrimento seguindo a exortação da carta de Tiago, capítulo 1 versículo 2, ao passar pela provação com alegria. Esse é o próximo ponto.

2. Em segundo lugar, glorificamos a Deus na provação não desperdiçando o sofrimento ao participarmos dos sofrimentos de Cristo com alegria (vs. 13)

Agora vem o outro lado da moeda (o paradoxo: sofrimento x júbilo/exultação). No verso anterior, o apóstolo Pedro exorta a não estranhar o fogo ardente (aspecto negativo) e aqui, a participar dos sofrimentos de Cristo com alegria (aspecto positivo) ao lermos “pelo contrário” no início do verso.

A alegria veio na medida em que co-participamos dos sofrimentos de Cristo. A palavra participante no original grego significa koinoneite que tem a mesma raiz de comunhão (koinonia), a saber, algo em comum. Quando sofremos, participamos dos sofrimentos de Cristo em comunhão com Ele, na nossa filiação e união mística com Ele.

A participação nos sofrimentos de Cristo por parte dos cristãos não é na sua obra expiatória, substitutiva penal e suficiente para o povo eleito de Deus, mas sim na identificação com o que Ele passou e sofreu por nós.

Essa temática também é abordada pelo Apóstolo Paulo em suas cartas. Preso, chicoteado, maltratado pela pregação do Evangelho, Paulo tem a convicção de que a sua vida está em plena comunhão com Cristo em seus sofrimentos. Vejamos o que ele diz em Colossenses 1.24:

“Agora, me regozijo nos meus sofrimentos por vós, e preencho o que resta das aflições de Cristo na minha carne, a favor do seu corpo, que é a igreja”

Aos crentes em Filipos, na sua carta mais afetuosa, encoraja-os a se alegrarem no Senhor diante das perseguições. “Alegrai-vos no Senhor, outra vez digo alegrai-vos” (Fl 4:4) é a chave para ler toda a carta. Ainda no capítulo 4, versos 11 e 12, ele vai expor as circunstâncias que o levaram a aprender a ter contentamento em toda e qualquer situação. O tema central dessa carta é a alegria e contentamento no Senhor diante das adversidades.

Cristo é formado em nós (como corpo/igreja e como indivíduos) quando temos comunhão com Ele nos seus sofrimentos.

Se a alegria veio à medida que participamos dos sofrimentos de Cristo no presente, será ainda maior e completa na revelação de sua glória. Em João 17, o Senhor Jesus Cristo diz que é glorificado junto ao Pai (versos 1,5, 10, 22, 24). Essa glória é celebrada com alegria e exultação mesmo no sofrimento.

Para interpretar esse ponto contamos com a ajuda do puritano Jonathan Edwards. Ele vai dizer que não há contradição entre a glória de Deus e o bem-estar das suas criaturas (há um texto sobre o tema no blog da Fiel). No seu sermão O fim para o qual Deus criou o mundo salienta que:

“a emanação ou comunicação da plenitude divina, que consiste do conhecimento de Deus, amor por ele e alegria nele, é, na verdade relacionada tanto a Deus quanto à criatura, mas é relacionada a Deus como a sua fonte (…). A água do ribeiro é proveniente da fonte e os raios solares são provenientes do Sol. (…) ambos são relacionados a Deus como seu objeto, pois o conhecimento transmitido é o conhecimento de Deus; e o amor transmitido é o amor por Deus; e a felicidade transmitida é alegria em Deus. Quando a criatura conhece, estima, ama, se regozija em Deus e o louva, a glória de Deus é, ao mesmo tempo, demonstrada e reconhecida; sua plenitude é recebida e refletida.”[6]

Analisando esse sermão, um de seus biógrafos mostra que “o fim maior e último do Ser Supremo, nas obras da criação e na providência, é a manifestação da sua glória na felicidade maior das suas criaturas.”[7] Daí que John Piper, que teve nesse sermão o modelo para sua devoção e ministério, tirou a sentença, o moto que rege a vida quando diz que “Deus é mais glorificado em nós, quando estamos mais satisfeitos Nele” concluindo que fomos criados para buscar a própria alegria e deleite na glória de Deus ou que glorificamos a Deus ao buscar nossa alegria e felicidade Nele.

Um personagem da história da Igreja que viveu essa tensão foi Agostinho de Hipona no século 4. Após um período de vazio interior transitando pela promiscuidade e maniqueísmo, depois o neo-platonismo, encontrou alegria em Deus em frente a sua própria miséria e a um mundo dominado pelo pecado cheio de mal e sofrimento. Em suas confissões, livro 10 capítulo 1, ao escrever sobre o propósito de ter escrito o livro, ele diz:

“Ó Deus, tu me conheces, faze com que eu te conheça como sou por ti conhecido. Ó virtude de minha alma, penetra na minha alma, faze que ela seja semelhante a ti, para que a possuas “sem mancha nem ruga”. Esta é a minha esperança, por ela falo e nessa esperança me alegro, quando experimento uma sã alegria. Tudo o mais nesta vida, quanto mais se chora, menos merece ser chorado e tanto mais serie de chorar quanto menos por ele se chora.”[8]

Portanto, ao participarmos dos sofrimentos de Cristo, devemos faze-lo com alegria e exultação sabendo que não há contradição entre a glória de Deus e a busca pela nossa alegria Nele. John Piper, em seu livro O sofrimento e a soberania de Deus escreve que: “a morte de Cristo em supremo sofrimento é a mais alta, mais clara e mais perfeita demostração da glória da graça de Deus” e continua “o sofrimento é uma parte essencial do universo criado no qual a grandeza da glória da graça de Deus pode ser perfeitamente revelada.”[9]

Voltando para o início, a filosofia estóica ensina passar pelo sofrimento pela moral como um dever. Obediência como dever sem deleite e alegria é legalismo. Aproveitemos, meus amados irmãos e irmãs que ao passarmos pelo sofrimento, com alegria e exultação, porque é benção de Deus para nós. Esse é o próximo ponto.

3. Em terceiro lugar, glorificamos a Deus na provação não desperdiçando o nosso sofrimento porque somos abençoados ao sofrermos por Cristo (vs. 14)

Conforme dito no início da mensagem, aqueles que pertencem ao Senhor estão em guerra com este mundo mal. Isso resulta de um modo ou de outro em perseguição, em oposição.

Sofrer pela causa de Cristo é benção de Deus: Paradoxalmente, se Ele é ofendido pelo nome de Cristo, ele é bem-aventurado, feliz e abençoado por isso.

O Senhor Jesus Cristo diz no sermão do monte em Mateus 5 versículos 10-12:

“Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus. Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós.”

O Apóstolo Paulo segue o mesmo caminho quando escreve, em Filipenses 1.29 “Porque vos foi concedido a graça de padecerdes por Cristo e não somente de crerdes nele,”.

Sofrer pela causa de Cristo significa que o Espírito de Deus está conosco. Assim como a glória de Deus, a presença de Deus enchia o tabernáculo conforme narrado em Êxodo 40.34-35, assim o crente perseguido e injuriado pelo nome de Cristo demonstra estar cheio e inflamado pela glória de Deus, o próximo ponto.

4. Em quarto lugar, glorificamos a Deus na provação não desperdiçando o nosso sofrimento quando entendemos que sofremos para glória de Deus (vs. 15 e 16)

Redundante mesmo o ponto! Nesses dois versos temos dois pólos: vergonha versus glorificar a Deus.

Para o versículo 15, vergonha seria ir de contra a sociedade e o bem comum. Ainda que um discípulo de Cristo seja chamado a sofrer, ele não deve sofrer por fazer coisas erradas e nem fazer coisas erradas. Uma coisa é sofrer pelo nome de Cristo e outra pelos ídolos do coração manifestos em assassinar, roubar, fazer mal a alguém ou prejudicar o negócio de outros. A vergonha ocorreu pelo roubo à glória de Deus dando vazão aos ídolos. O pecado, meus amados irmãos e irmãs, causa culpa e causa vergonha.

Lembro de uma triste ocasião no Rio de Janeiro quando era garoto e da para ver que não faz muito tempo.

Há um colégio conhecido que tem uma disciplina muito severa. Um jovem foi flagrado colando na prova aplicada pelo professor, teve que confessar publicamente o feito a toda escola e ainda foi expulso. Então ele se suicidou. Claro que tudo carece de uma analise mais profunda porque o ponto é mostrar a conseqüência, vergonha e culpa que o erro trás ao indivíduo.

A vergonha não existe quando buscamos glorificar a Deus em tudo. 1 Co 10.31 diz “quer comais, quer bebais, façais tudo para a glória de Deus” ; Romanos 11.36 “Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele pois a glória eternamente. Amém!” e assim ao sofrermos pelo nome de Jesus Cristo, não haverá vergonha, glorificaremos a Deus.

Um exemplo de quem viveu os dois lados foi o missionário entre os índios, David Brainerd. Seu diário está à venda aqui. Vale à pena adquiri-lo. Eu gosto muito desse livro. Pastor Franklin disse que é a minha cara. Com todas as nuances do que ele quis dizer com isso, me abençoou muito em indicar-me o livro. David foi expulso da universidade por falar mal do diretor especificamente da oração deste. Ele disse que o diretor orando parecia uma cadeira devido a sua frieza. Um outro aluno viu e comunicou ao diretor. Teve que se retratar em público e foi expulso. Passou vergonha.

Por outro lado, Deus tinha um plano. O jovem devotou a sua vida a evangelização dos índios. Passou fome, frio, lutas com saúde, solidão e dificuldades para evangelizar o campo. Deus o honrou sobremaneira usando-o com graça e poder para ganhar aquelas vidas para Cristo vendo a sua vida se gastar morrendo aos 29 anos, minha idade. Um exemplo de uma vida que glorificou a Deus na provação e não desperdiçou o seu sofrimento. Precisamos de Brainerds entre nós.

5. Em quinto lugar, glorificamos a Deus na provação e não desperdiçamos o nosso sofrimento quando antecipamos a plenitude do Reino (vs. 17 e 18)

Há uma diferença quando os cristãos passam pelo sofrimento. Nós sabemos o que nos espera. Vivemos o hoje na expectativa do amanhã, a sombra da volta de Cristo. Sabemos que ele morreu por nós na cruz, em nosso lugar. Sabemos que ressuscitou e ascendeu ao céu e prometeu voltar fisicamente em glória e majestade para julgar a todos, seja como cordeiro ou como leão da tribo de Judá. Assim vivemos o “já” e o “ainda não”. Cristo já foi crucificado. A obra expiatória é suficiente. Já fomos justificados. O Reino já foi inaugurado. Mas ainda esperamos o Reino em sua plenitude.

O salmo 1 salienta que o ímpio será como a palha que o vento dispersa (verso 4). A promessa de Deus faz o crente enxergar de forma diferente o sofrimento. O ímpio sente pena de si mesmo e se acha bom e inocente para não sofrer. Os versos 17 e 18 nos trazem o significado apocalíptico-escatológico do sofrimento.

O versículo 18 é uma citação de provérbios 11.31 na versão da Septuaginta, o AT em grego porém devidamente interpretado por Pedro dentro de seu contexto original. O texto diz “Se o justo é punido em terra, quanto mais o perverso e o pecador!”. O cristão não pode exigir melhorias pela sua piedade. Como disse no começo, o sofrimento faz parte da vida e atinge a todos. A teologia da prosperidade é falso evangelho por prometer que os da fé serão inatingíveis pelo sofrimento.

Vale dizer que a citação “se é com dificuldade que o justo é salvo” não está indo de contra a obra da graça de Deus e levantando uma possibilidade de salvação pelas obras. O que o verso quer dizer é que, uma vez que o indivíduo foi justificado pela fé através da graça de Deus, ele atravessará por dificuldades na caminhada. Podemos comparar com Mateus 7.14 quando diz que a porta é estreita. A salvação é pela graça, mas o discipulado e seguimento é custoso, vide Lucas 9.23.

6. Em sexto e ultimo lugar, glorificamos a Deus na provação e não desperdiçamos o sofrimento quando entendemos que sofremos pela vontade de Deus (vs. 19)

Deus não é pego de surpresa quando sofremos. O verso diz “segundo a vontade de Deus”. Não só não é pego de surpresa, mas Ele mesmo decreta o sofrimento (vide o livro de Jó) para cumprimento dos seus propósitos (Rm 8:28). O “deus” do teísmo aberto, corrente que abre mão da soberania de Deus para resolver o problema do mal, não é poderoso e não trás deleite para as nossas vidas. É uma idolatria do coração. O Deus da Bíblia, soberano, supremo, majestoso e criador, esse sim, trás regozijo, gozo, satisfação e alegria em graça a quem está passando pelo sofrimento porque é sabido que é por decreto dele.

O sofrimento não exime o cristão de sua vocação ética: ele é chamado para fazer o bem encomendando a sua alma ao fiel Criador (Aquele que cria, sustenta e é fiel na promessa para com o povo da aliança). Suportar o sofrimento com paciência é um excelente meio de testemunho. “Se Deus quiser que soframos por fazer o bem, nós sofreremos”. [14]

Algumas breves aplicações e conclusão

Breves Aplicações:

1. Para todos meus irmãos e irmãs presentes que já passaram por intenso sofrimento, estão passando ou passarão: “O sofrimento aprofunda a fé e a santidade”[15] sendo um meio de edificar compaixão na vida dos servos de Deus. Nos torna mais dependentes de Deus e mais humildes de coração. Cristo é formado em nosso caráter a medida em que sofremos por Ele. Não desperdice o seu sofrimento, glorifique a Deus em tudo.

2. O sofrimento quando recebido e atravessado com paciência nos faz experimentar mais a glória de Deus aqui e no céu. Quanto mais sofremos por Cristo, mais glória usufruída teremos. Aproveite o deserto para desfrutar da presença de Deus enquanto aguarda a promessa. No céu acaba! Lá está o nosso tesouro. Não haverá mais dor, não haverá mais choro. O sofrimento nos faz amar mais o céu. Suportemos o sofrimento com paciência no Senhor.

3. Aos que são perseguidos pelas crenças, especificamente nas doutrinas da graça ou a fé reformada, que escandaliza muita gente pelo antagonismo a visão libertária do ser humano tão ensinada de forma errônea no evangelicalismo brasileiro: fiquem firmes! Portem-se com humildade. Nossa crença hoje é muito mais transmitida pelo nosso caráter do que pelo nosso discurso.

4. Aos colegas pastores. A continuação do texto, 1 Pe 5, aponta que os presbíteros também participam do sofrimento de Cristo em seus ministérios. Quando pastores fiéis apanham e suportam com paciência as injustiças e ações indóceis por parte dos fiéis amando o rebanho, Cristo está sendo formado no caráter deles. Fiquemos firmes, meus irmãos e colegas. Só faltam alguns domingos e estaremos lá com Ele. Passa rápido. Nosso premio está no céu! Deus honrará toda a fadiga na batalha.

5. Quem milita em missões. Seja qual for a sua luta, dificuldade em evangelizar o campo, oposição demoníaca, desgaste familiar e pessoal, doenças e enfermidades, dificuldade de sustento e outros, Deus está zelando por você. Ele honrará. Ele não te abandonará! Saiba amado que quanto mais você sofrer por Ele, maior será seu prêmio. Fica firme, continua, não desista.

6. A você meu irmão e minha irmã que está passando hoje, agora por intenso sofrimento e está muito desgastado: Não deixe que Satanás roube, tome de assalto a alegria do seu coração. Se agarre nesse texto e lute com Deus. Ele sustentará você.

Recapitulação e Conclusão

Amados irmãos e irmãs, minha oração é que esses ensinamentos poderosos que foram extraídos do texto façam você a atravessar o deserto do sofrimento com paciência e perseverança no Senhor se deleitando na sua glória e se firmando na sua soberania. Encerro a mensagem com uma poesia de um cristão que muito sofreu chamado William Cowper.

“Deus se move de formas misteriosas para realizar suas maravilhas
Ele imprime suas pegadas no mar,
E cavalga sobre a tempestade.

Fundo, em minas imensuráveis
De habilidade que nunca falha,
Ele entesoura seus desígnios brilhantes
E opera sua vontade soberana.

Vós, santos medrosos, renovai a coragem!
As nuvens que tanto temeis,
São grandes em misericórdias, e irromperão
Em bênçãos sobre vossas cabeças.

Não julgue o Senhor com débil entendimento,
Mas confie nele para sua graça.
Por trás de uma providência carrancuda,
Ele oculta uma face sorridente.

Seus propósitos amadurecerão rapidamente,
Desvendo-se a cada hora;
O botão pode ter um gosto amargo,
Mas a flor será doce.

A incredulidade cega certamente errará
E esquadrinha sua obra em vão:
Deus é seu próprio intérprete
E ele o tornará claro.”[16]

Deus abençoe a todos! Amém!


[1] https://teologiabrasileira.com.br/o-sofrimento-em-john-bunyan

[2] JAPIASSU. Hilton. MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1996. Pp. 83-84; 91-92.

[3] WHITEFIELD, George. Glorificando a Deus no fogo. In. Fé para Hoje. São José dos Campos-SP: Editora Fiel. 1999. P. 115.

[4] BEEKE, Joel. Vencendo o Mundo: graça para vencer a batalha diária. Tradução: Francisco Wellington Ferreira. São José dos Campos-SP: Editora Fiel. 2008. P. 14.

[5] Ibid. P. 13.

[6] EDWARDS, Jonathan. O fim para o qual Deus criou o mundo. In. PIPER, John. A paixão de Deus por sua glória: vivendo a visão de Jonathan Edwards. Tradução de Susana Klassen. – São Paulo: Cultura Cristã, 2008. P. 1.

[7] Ibid. P. 25.

[8] AGOSTINHO, Santo, Bispo de Hipona. Confissões. Tradução Maria Luiza Jardim Amarante. São Paulo : Paulus, 1997. P. 269.

[9] PIPER, John. TAYLOR, Justin (Org.). O Sofrimento e a soberania de Deus. Tradução de Helosia Cavallari Martins. São Paulo: Cultura Cristã, 2008. P.68.

[10] EDWARDS, Jonathan. A vida de David Brainerd entre os índios. São José dos Campos-SP: Editora Fiel. 2005.

[11] PIPER, Op. Cit. 2008. P. 21.

[12] Ibid. P. 75.

[13] PIPER, Johh. O sorriso escondido de Deus: o fruto da aflição na vida de John Bunyan, William Cowper e David Brainerd. Tradução: Augustus Nicodemus. São Paulo: Shedd Publicações, 2002. P. 95-96.