Não terceirize a sua fé

Você se considera uma pessoa influenciadora? Veja, não estou me referindo à quantidade de pessoas te seguem nas redes sociais, curtem suas postagens ou comentam em suas fotos. Embora o número de pessoas que te acompanham possa indicar o alcance de sua influência, ela não pode ser definida e nem limitada por esse aspecto. Desde que o mundo é mundo as pessoas influenciam umas às outras. Em alguma medida todos somos influenciadores, influenciamos aqueles que moram, trabalham, estudam e convivem conosco. Nossa influência pode ser direta ou indireta, ela pode ocorrer de modo intencional ou não, pode ser por meio das palavras que proferimos ou ações que executamos – se você é mãe, certamente, não tem a menor dúvida disso.

Agora, deixe-me fazer outra pergunta: você se considera uma pessoa influenciável? Bem, talvez esse termo não soe muito positivo, sempre que o ouço lembro de minha mãe me dando broncas quando criança para que eu não fosse tão facilmente influenciada. Acho que, no fundo, gostamos muito mais da ideia de influenciar do que de ser influenciadas. Ser influenciadora parece expressar um aspecto mais positivo, de poder e ação, ao passo que, ser influenciável parece transmitir um aspecto negativo, de fraqueza e passividade. Mas, quer gostemos disso ou não, é fato: todos somos influenciáveis.

Talvez você nem se dê conta, mas, boa parte daquilo que consome é resultado de alguma influência que recebeu, seja por meio de propagandas, indicações, avaliações – é bem provável que antes de assistir a algum filme ou baixar um aplicativo você cheque as avaliações para saber o que as pessoas estão dizendo sobre ele. Do vestuário aos livros, das músicas às receitas, todas somos influenciadas em alguma medida e reproduzimos aquilo que recebemos – quem não fez pão nesta quarentena que atire a primeira pedra!

A influência não é algo ruim, Deus a projetou, Ele foi o primeiro a exercer influência sobre a Criação e como portadores de sua imagem nós reproduzimos essa característica em nosso mundo. A influência, enquanto dádiva do Criador, visa a promoção do bem nas mais diversas esferas. Assim, ser influenciável não é algo ruim, pois fomos criados não somente para influenciar, mas, para receber boas influências, tendo em vista o propósito de Deus para a construção deste mundo.

Contudo, não podemos negar os efeitos do pecado sobre nossa capacidade de influenciar e ser influenciadas, por causa do pecado, mesmo aquilo que deveria ser benéfico para nós, se torna potencialmente maléfico. A Bíblia e a História geral são relatos vivos de como os homens são capazes de usar sua influência para fins que não glorificam a Deus. Não é diferente ao olharmos para o nosso próprio tempo, é evidente, a influência pode se tornar algo ruim quando não usado com sabedoria. Como cristãs, precisamos ser cautelosas com o tipo de influência que recebemos e, também, exercemos sobre outras pessoas.

Nas próximas linhas quero me ater especialmente ao tipo de influência que temos recebido por meio da internet e das redes sociais.

Numa era de tantos influenciadores, precisamos ter cautela para saber até onde pessoas e opiniões devem influenciar as nossas vidas. Falando de mulher para mulher: há muitas mulheres que eu admiro e acompanho nas redes sociais, elas me inspiram e influenciam como cristãs, como mulheres, como esposas, mães, profissionais, comunicadoras da Palavra; seja por seus atributos pessoais, seus dons, sua beleza, sua graça, suas leituras, seus dotes culinários, e tantos outros aspectos. Contudo, por mais que eu as admire, para que essa relação seja salutar, e não incorra em idolatria, eu preciso me lembrar de que elas são feitas de barro. Elas não podem ser meus ídolos.

Distinguindo admiração de idolatria

A idolatria inicia quando as pessoas que admiramos se tornam intocáveis, quando as colocamos acima de erros e correções, e não toleramos que seus ensinamentos e opiniões sejam contestados. Isso pode ocorrer nas mais diversas esferas: familiar, social, política, teológica, entre outros. O fato é que quando não toleramos que nossos partidos, “ismos”, ideias e argumentos sejam tocados, sempre que fazemos vistas grossas a erros e injustiças para preservar a imagem, o amor e a admiração que nutrimos por algo ou alguém, nós criamos um ídolo.

A terceirização da fé

Terceirização da fé é um termo que tomei emprestado do pastor e teólogo Tomás Camba, autor do livro homônimo, tal termo aponta para uma tendência crescente em nosso tempo, a de construirmos nossa fé e espiritualidade com base naquilo que ouvimos e aprendemos de terceiros. É claro que na dinâmica do Corpo de Cristo aprendemos uns com os outros, e sabemos que Deus concedeu mestres e pastores para ensinarem e orientarem o seu povo, essa edificação mútua é vital para que haja maturidade e crescimento na fé. Mas, a terceirização da fé não diz respeito a isso, ela ocorre quando passamos a substituir nosso relacionamento direto e pessoal com Deus e sua Palavra pelos ensinamentos que recebemos de terceiros. Terceirizar a fé é eleger para nós sacerdotes que sejam a resposta a todos os nossos anseios e questionamentos. Terceirizar a fé é levantar representantes que falem por nós – e para nós – enquanto nos calamos, ou nos omitimos.

Sim, existe uma tendência em nosso coração de colocar pastores, teólogos e influenciadores em pedestais, acima de qualquer erro, crítica ou discordância. Sem perceber, por vezes, acabamos usando a sabedoria e as opiniões dessas pessoas como evidência final e parâmetro para aquilo que é correto e aceitável. Quando a voz de outrem se torna a nossa voz, estamos terceirizando a nossa fé.

Qual é o perigo disso? Bem, o que aconteceria se alguma dessas pessoas, em algum ponto, dissesse algo que vai contra as Escrituras? Eu estaria pronta a discordar ou minha lealdade às Escrituras entraria em conflito? Será que eu saberia discernir o erro da verdade, e distinguir entre opiniões humanas e a própria Escritura?

No que você crê e por que você crê?

Muitas vezes, nos tornamos meras reprodutoras de discursos que ouvimos, textos que lemos e pregações que assistimos. Nas redes sociais podemos encontrar diversos temas em pauta, é importante que nos posicionemos em relação a eles, sim, mas, a grande questão que devemos nos fazer é: por que nos posicionamos como nos posicionamos? É por que compreendemos isso a partir das Escrituras, ou, simplesmente, por que lemos e assistimos algo aqui e ali?

Vemos nas redes sociais que as pessoas estão ávidas por respostas prontas, vozes que as representem, que lhes digam o que devem ser e como devem agir. Com frequência vemos mensagens do tipo: como devo agir diante dessa situação? Lamentavelmente, quando orientadas a ir à Bíblia e buscar acompanhamento pastoral as pessoas geralmente não o fazem. Sabe por quê? Porque muitas delas não querem ter esse “trabalho”, elas não querem um contato pessoal e verdadeiro com a Palavra de Deus, elas querem apenas um mediador, alguém que faça o “trabalho sujo” para elas. Elas querem um Moisés para entrar na tenda, receber a revelação e passar o resumo do que foi dito, elas estão em busca de um intérprete, e não da Lei.

Infelizmente, as pessoas ainda acreditam que existe algum tipo de conhecimento especial restrito a um seleto grupo de pessoas, e que essas pessoas são “gurus” da Teologia, detentoras do bem e da verdade. Isso é totalmente contrário às bênçãos espirituais que Deus nos concedeu gratuitamente em Cristo (Efésios 1.3-15). Por meio da obra de Cristo, todo aquele que crê tem livre acesso ao trono de Deus e à sua Palavra. Deus fala conosco por intermédio do seu Espírito e ilumina nossas mentes e corações para que possamos conhecer esta verdade que está acessível, a todos.

Pastores, teólogos, e influenciadores cristãos sãos bênçãos, sem dúvidas, mas eles não são sumo sacerdotes, só há um sumo sacerdote que é Cristo. Minhas irmãs, é preciso cautela para não idolatrarmos pessoas. Tão logo surja uma dúvida, a Bíblia deve ser nossa fonte primária e não os seus intérpretes. Por mais amados e servos de Deus que sejam nossos irmãos, eles são pó como nós, são falíveis. Se a sua fé é baseada ou condicionada àquilo que terceiros dizem, tenha cuidado, não terceirize sua fé.

Em 2012 eu passei por uma crise de fé na qual me perguntei por que eu cria. Ao longo do processo eu me questionava se cria simplesmente porque fui ensinada assim ou se cria porque havia uma convicção bíblica e genuína em meu coração. Essa crise me abalou, precisei ir em busca das respostas, e graças a Deus encontrei. Esse tipo de crise é algo profundamente necessário na vida cristã, em algum momento da trajetória precisamos responder à estas perguntas: Por que cremos no que cremos? Por que defendemos o que defendemos? Nossas convicções são fruto daquilo que lemos nas Escrituras ou, simplesmente, daquilo que recebemos de alguém? Temos sido zelosas como os bereanos ou apenas reproduzido aquilo que chega até nós sem reflexão? Em que nossas opiniões se fundamentam? Estas questões exigem respostas honestas.

Nossa geração está muito mal acostumada a consumir resumos aqui e ali sem nunca buscar o todo. Não queremos ler a Bíblia, não queremos ler livros inteiros, não queremos estudar e nos aprofundar nos temas que insistimos em debater na internet. Só queremos comida mastigada, esperamos que alguém faça o trabalho por nós. Nos tornamos meros “compartilhadores” e somos influenciados sem qualquer reflexão ou crítica diante daquilo que consumimos.

Visite bons teólogos e influenciadores, mas more na Bíblia

Gostaria de deixar dois conselhos que podem nos ajudar a ser mais cautelosas diante das influências que recebemos. Foi Charles Spurgeon quem disse: “visite muitos bons livros, mas more na Bíblia”, para fins didáticos, vou dividir esse sábio conselho em duas partes:

  • More na Bíblia. Bíblia, Bíblia, Bíblia, por mais repetitivo que isso soe, a Bíblia é a única âncora nesse tempestuoso mar que é o mundo. Cuidado, se você se dispõe a relativizar as Escrituras por amor e devoção a quem, ou, o que quer que seja, você se tornou idólatra. Precisamos avaliar o nosso íntimo com diligência a fim de constatar se não temos levantado alguma imagem de ouro em nosso coração. Cuidemos para que a nossa admiração não se torne idolatria e que as palavras daqueles a quem admiramos não se tornem a nossa Bíblia.
  • Visite vários livros. Sim, como cristãs, nós não desprezamos a sabedoria que Deus concede a homens e mulheres para ensinar, pesquisar e transmitir verdades. Ainda que tais verdades não estejam acima da Palavra de Deus, sendo verdadeiras, são as verdades de Deus. Portanto, leia. Leia vários livros e leia autores diferentes. O pastor, o teólogo a figura que você acompanha, certamente possuem uma biblioteca com um bom número de livros, a partir dos quais têm sido beneficiados. Não apenas ouça o que eles têm a dizer, seja também uma boa leitora.

Através dos livros percebemos aquilo que o sábio disse em Eclesiastes 1:9: não há nada novo debaixo do sol, todas as nossas visões, opiniões e percepções são resultado de coisas que já foram ditas e escritas por alguém, não há nada exclusivamente novo. Todo conteúdo que lemos e assistimos possui fontes, ao invés de apenas ler e assistir “em resumo”, precisamos criar o hábito de buscar fontes externas a esses conteúdos. Não podemos nos contentar apenas com a síntese, como se fôssemos incapazes de ingerir algo mais.

Nós precisamos sair um pouco do universo das redes sociais e beber de outras fontes, tornar nosso pensamento mais crítico, nossas leituras mais maduras. Não devemos nos limitar a ouvir análises suscintas sobre temas como racismo, política e feminilidade, por exemplo, somente na internet, precisamos ler livros, pesquisar fontes confiáveis e pedir indicações para que nossas opiniões não sejam formadas somente por aquilo que é postado nas redes sociais.

Ninguém é detentor de toda a verdade e conhecimento, se queremos crescer de maneira saudável precisamos de pontos de vistas diferentes, nossas próprias convicções precisam ser questionadas para que sejam firmadas. Se nos acostumamos a ouvir somente aquilo que é fácil e agradável aos nossos ouvidos, não saberemos lidar com discordâncias, identificar erros, tampouco, corrigi-los.

Mulheres, precisamos parar de levantar novos Moisés para que busquem a revelação por nós, ou sejam nossa voz. Não precisamos de representatividade, nós já temos um representante: Cristo. Ao invés de ficar buscando pessoas que nos representem, sejamos nós representantes fiéis de Cristo. Assuma sua fé, assuma sua responsabilidade, não a terceirize. Se você não consegue responder ou se posicionar por meio das Escrituras, e precisa sempre de terceiros para isso, então, você precisa ler mais a Bíblia. Você precisa gastar mais tempo estudando a Palavra do que curtindo, comentando e compartilhando o que os outros dizem.

Precisamos ser criteriosas quanto à forma como influenciamos e nos deixamos influenciar, seja ao comer, beber, assistir a um filme, abraçar um pensamento ou uma mensagem, precisamos, antes de tudo, ser fiéis ao que as Escrituras nos dizem, sejamos “bereanas” nas ações e na consciência.

Não terceirize sua fé, não terceirize suas opiniões.

“Julgai todas as coisas, retende o que é bom” (1 Ts 5:21)