Um blog do Ministério Fiel
As novas aventuras das antigas heresias trinitarianas
“O progresso não segue uma linha reta ascendente, mas uma espiral com ritmos de progresso e retrocesso, de evolução e dissolução”, essa foi uma astuta observação feita por Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832). Goethe refuta a ideia de que a marcha do tempo sempre traz progresso e avanço. Isso se aplica até à igreja. Tivemos momentos nos quais a Igreja avançou em sua compreensão da doutrina bíblica, e tivemos outras ocasiões onde sua compreensão diminuiu. Vemos isso ao longo da história quando se trata da doutrina de Deus e especialmente a doutrina da Trindade.
A igreja primitiva lutou contra os falsos professores e doutrinas para obter uma melhor compreensão do que a Bíblia ensina sobre quem é Deus e como o Pai, o Filho e o Espírito Santo se relacionam uns com os outros em termos de sua existência e obras. Eles pensaram profundamente e biblicamente em relação à afirmação das Escrituras de que adoramos um Deus que existe em três pessoas: pai, filho e Espírito Santo. Ao fazê-lo, a Igreja defendeu a verdade bíblica contra três erros: modalismo, arianismo e semiarianismo. No entanto, esses erros não se foram, mas reapareceram periodicamente ao longo da história da igreja.
Modalismo
O Modalismo[i] surgiu no final do segundo e início do terceiro séculos quando os teólogos promoveram a doutrina do monarquianismo. O monarquianismo (do grego mono, “um”, e arch, “governante”) é a doutrina herética que ensina que o único Deus é apenas uma pessoa que se manifesta de diferentes maneiras em diferentes tempos. Um teólogo do terceiro século chamado Sabellius (215 AD) não podia conciliar a ideia de um Deus e as três pessoas da Divindade mencionada na fórmula batismal dada por Cristo: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28.19). Em vez de acreditar que há um Deus em três pessoas, ele afirma que há um Deus em três modos. Isto é, Deus se revela sequencialmente como pessoas diferentes. Imagine um ator usando diferentes máscaras durante um drama para retratar personagens diferentes. Esta ilustração se aproxima da visão de Sabellius, a saber, que Deus vestiu a máscara do Pai e depois a do filho, e, finalmente, a do Espírito Santo. Deus operava de acordo com diferentes modos. Esta visão foi assim chamada monarquianismo modalista. O Pai da Igreja Tertuliano (155-240 d.C.) escreveu seu famoso tratado sobre a Trindade para demonstrar que a Bíblia ensina que adoramos um Deus em três pessoas distintas. Outros pais da igreja, como Athanasius (296-373 d.C.), ensinou a coeternidade e a coigualdade de todas as três pessoas da Divindade.
Arianismo
Outro teólogo do terceiro século que ensinou erros sobre a doutrina de Cristo e sua relação com a Divindade foi Arius (250-336 d.C.). A heresia associada a Arius é o Arianismo[ii], que é a falsa ideia de que Cristo não é totalmente divino, mas que houve um tempo em que o Filho de Deus (ou Logos) não existia. Arius embasou suas ideias apelando para passagens das Escrituras, como Provérbios 8.22: “O SENHOR me possuía no início de sua obra, antes de suas obras mais antigas”. Arius acreditava que o Filho de Deus não é igualmente Deus, mas uma criatura feita por Deus Pai antes da criação do mundo. O filho é, claro, a maior das criaturas de Deus. Ele se tornou divino e participou tanto da criação quanto da redenção dos seres humanos. Os teólogos arianos apelaram para uma seleção de passagens dos Evangelhos para argumentar que a divindade do Filho é menor do que a do pai, incluindo João 14.28: “O Pai é maior do que eu”.
Uma heresia relacionada ao arianismo é o semiarianismo. Os teólogos semiarianos modificaram o ensino de Arius, que acreditava que o filho é uma criatura e, portanto, não é verdadeiramente divino. Em vez disso, os semiarianos acreditavam que o Filho é de uma substância similar à do Pai, isto é, ele é homoiousios (grego para “substância similar”). Os teólogos ortodoxos mantiveram o ensinamento bíblico de que o Pai e o Filho são coiguais em seu ser e poder. Assim, o Filho não é meramente de uma substância similar (homoiousios), mas da mesma substância (homoousios).
A fórmula de Niceno
Enquanto todas as três heresias lidam principalmente com a pessoa do Filho, elas também se relacionam com a doutrina da Trindade, porque tocam no relacionamento do filho com o Pai. Elas tocam o vital ensino bíblico de como um Deus existe em três pessoas distintas. Essas questões não são especulações vazias. Em vez disso, elas tocam no próprio núcleo de nossas crenças cristãs sobre quem é Cristo.
Nós adoramos ao Deus encarnado, como João nos ensina em seu evangelho (Jo 1.1-18), aquele que é coeterno com o pai, ou nós adoramos uma mera criatura? A igreja levou esses ensinamentos extravagantes a sério e endereçou-os a vários concílios da igreja. O Concílio de Nicéia (325 d.C.) rejeitou o modalismo quando afirmou que Jesus, o Filho de Deus, é “luz de luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não feito, consubstancial ao Pai”.
O Concílio de Constantinopla (381 d.C.) explicitamente anatematizou o arianismo em seu primeiro cânon, e o Concílio da Calcedônia (451 d.C.) afirmou a plena divindade do Filho, “verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem. . . Consubstancial com o pai em sua Divindade”, que “encaixotaram” todas as formas de arianismo e semiarianismo. Esses concílios não são peculiares a um segmento específico da Igreja, mas são afirmados por igrejas ortodoxas em todos os lugares – são afirmações nos credos da igreja católica (universal).
Pode-se, portanto, pensar que, uma vez que essas heresias foram enterradas e que eram ensinamentos mortos há mais de um milênio, que a Igreja não precisaria mais se preocupar com eles. Mas isso está longe da verdade. Para emprestar uma linha de J.R.R. Tolkien em A Sociedade do Anel: “Sempre depois de uma derrota e uma pausa a sombra toma outra forma e cresce novamente”. Ou, nas palavras do pregador, “O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo debaixo do sol.” (Ec 1. 9). Em outras palavras, as antigas heresias nunca morrem; elas retornam com novos nomes, mas jorrando o mesmo falso ensino.
Encarnações modernas
Em nossos próprios dias, o modalismo e o arianismo reapareceram no ensino dos Apostólicos Pentecostais Unicistas e no ensino das Testemunhas de Jeová, respectivamente. O modalismo encontra defensores Apostólicos Pentecostais Unicistas, como é evidente a partir do nome do movimento. Os Pentecostais Unicistas acreditam que há apenas uma pessoa divina e que a doutrina da Trindade não é bíblica. Eles acreditam que Jesus é a única pessoa na Divindade. Jesus subsiste em dois modos: como o pai nos céus e depois, posteriormente, como Jesus, filho da terra. O Espírito Santo não é uma pessoa, mas apenas uma manifestação do poder de Jesus.
As Testemunhas de Jeová em muitos aspectos se parecem com cristãos e até professam adorar a Jesus. Mas como os arianos da igreja primitiva, eles acreditam que Jesus é uma mera criatura e não igualmente e eternamente Deus. Jesus é o primogênito sobre toda a criação, mas ele não é luz de luz, muito menos Deus verdadeiro de Deus verdadeiro- isto é, Deus encarnado. As Testemunhas de Jeová, portanto, rejeitam a doutrina da Trindade, bem como a total divindade do Filho.
Nos últimos anos, os ensinamentos semiarianos[iii] têm sido retomados à medida que vários teólogos evangélicos de alto nível surgiram defendendo a Eterna Subordinação do Filho. Os defensores dessa doutrina projetam a submissão redentora e voluntária do Filho na história de volta à eternidade e argumentam que o Filho eternamente se submete ao Pai e é, portanto, eternamente subordinado a ele. Tais alegações parecem estranhamente semelhantes às alegações semiarianas que o Filho é de uma substância semelhante ao Pai, mas não totalmente divino ou da mesma substância e, portanto, totalmente igual ao Pai. Ao contrário dos semiarianos históricos, os proponentes modernos da Eterna Subordinação do Filho afirmam que o Filho é da mesma essência (homoousios) do pai.
Contudo, ao colocar diferentes níveis de autoridade e submissão na Divindade, eles minam sua afirmação. Isso ocorre porque a autoridade divina é uma propriedade da essência divina, o que significa que diferentes níveis de autoridade sugerem que o Filho tem uma essência divina diferente – e menor – do que a do Pai. Embora nem todo advogado da Eterna Subordinação do Filho necessariamente promova a subordinação eterna do Filho da mesma maneira, e embora esses advogados não estejam necessariamente tentando negar a igualdade de essência entre o Pai e o Filho, eles, no entanto, flertam com heresia quando dizem que o Filho é eternamente subordinado ao Pai.
É desnecessário dizer que a igreja deve estar sempre vigilante na proteção contra o ensino herético. É verdade que muitos cristãos, sem saber, defendem erros doutrinários porque entendem mal a Bíblia. Erros podem marcar nossa doutrina, mas quando Deus nos ensina a verdade, alegremente deixamos de lado nossas crenças equivocadas. A heresia, por outro lado, é quando uma pessoa rejeita conscientemente um princípio central da fé cristã, tipicamente indexado pelas doutrinas enumeradas no Credo Niceno – a doutrina de Deus, a Trindade ou Cristo, por exemplo. Não se engane: modalismo, arianismo e semiarianismo são heresias. A igreja deve sempre estar em guarda contra elas e deve estar sempre preparada para ensinar a verdade das Escrituras e para arguir irmãos e irmãs heréticos através da disciplina da igreja.
[i] O modalismo é uma heresia trinitariana que diz que Deus é um em essência e um em pessoa. Ele afirma que Pai, Filho e Espírito não são três relações pessoais eternamente distintas, mas três maneiras diferentes pelas quais Deus se revela.
[ii] O arianismo é uma heresia trinitariana que diz que o Filho é a primeira e maior criação de Deus Pai, mas não é, ele mesmo, o eterno Deus criador. O Filho e o Pai não são homoousios (da mesma essência), pois o Filho é, em última análise, uma criatura – uma criatura altamente exaltada, mas, mesmo assim, uma criatura.
[iii] O semiarianismo é uma heresia trinitariana que afirma que o Filho é mais que uma mera criatura, mas diz que é menos que Deus, o Pai. Em vez de ser homoousios (da mesma essência) com o Pai, o Filho é homoiousios; (de essência semelhante) com o Pai. Historicamente, os semiarianos acreditam que o Filho, embora ainda seja divino, tem autoridade, poder, sabedoria e assim por diante menores que o Pai.