Um blog do Ministério Fiel
Discernindo e administrando o chamado de Deus para minha vida
Todos nós queremos que nossas vidas tenham significado. Queremos nos certificar que estamos seguindo um curso na vida que esteja de acordo com a vontade de Deus – e podemos até ter medo de que coisas ruins nos aconteçam se estivermos fora da vontade dele. Não é errado desejar estar conforme a vontade de Deus; afinal, o próprio Jesus orou: “Não se faça a minha vontade, e sim a tua” (Lc 22.42). A verdadeira dificuldade surge quando tentamos discernir qual é a vontade de Deus para nossas vidas. Seria tão simples se o Senhor escrevesse uma mensagem do céu ou desse a cada crente algum sinal sobrenatural. Não haveria dúvida se eu acordasse em uma manhã e as nuvens formassem, no céu, a frase “Seja um engenheiro”! Ou melhor ainda, “Seja um engenheiro elétrico na empresa XYZ”. Mas o Senhor, em sua infinita sabedoria, determinou não revelar sua vontade particular para todo crente dessa maneira. Receio que mesmo se ele fizesse isso, ainda teríamos dúvidas sobre sua vontade. Há uma história antiga sobre o homem que viu “GPC” no céu e concluiu que Deus estava dizendo a ele: “Vá pregar a Cristo” (Go Preach Christ)! A dificuldade, no entanto, era que o homem não tinha praticamente nenhuma capacidade de se comunicar e muito pouco conhecimento da Bíblia. Quando ele foi a um amigo e contou a ele seus planos, o amigo lhe respondeu: “Talvez a mensagem seja: ‘Vá plantar milho’” (Go Plant Corn)!
No entanto, ao mesmo tempo, não é sensato pensar que todas as pessoas são igualmente talentosas para todas as vocações. A própria palavra vocação vem da palavra latina para “chamar”, implicando que cada um de nós foi chamado por Deus para usar os dons que recebemos. Os cristãos não devem negar que têm habilidades, talentos e interesses, porque a Bíblia nos diz que o Senhor dá essas coisas aos cristãos. Cada um de nós é diferente do outro, porque Deus determinou que é assim que ele edificará sua igreja e a sociedade. O apóstolo Paulo nos diz que “os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis” (Rm 11.29) e que esses dons são diferentes (12. 6). Vemos isso todos os dias naqueles que nos rodeiam – alguns se destacam em matemática e números, enquanto outros brilham em idiomas; alguns são atraídos por vocações que exigem colaboração com outras pessoas, enquanto outros preferem trabalhar em solidão; alguns estão sempre iniciando novos projetos e empresas, enquanto outros gostam de trabalhar em áreas estabelecidas. Diferenças não são ruins. Mas é crucial entender que essas diferenças não são o resultado de nossos próprios esforços, mas são recebidas do Senhor (1Co 4.7).
Como posso discernir meu chamado?
Se cada um de nós tem dons e interesses diferentes, a próxima pergunta óbvia é: Como sei qual é o meu chamado? Essa questão é essencial para aqueles que podem ser chamados ao ministério vocacional, mas também é aplicável para aqueles que estão em vocações seculares. Desejamos sucesso e realização em nosso trabalho e, portanto, faz sentido pensar sobre qual é o nosso chamado. A primeira coisa que devemos entender é que não há diferença substantiva entre um chamado para o ministério e um chamado para outra vocação. O que quero dizer é que não é menos cristão ser mecânico de automóveis, médico ou arquiteto do que ser pastor ou missionário. Existem diferentes dons e habilidades necessárias para cada um, mas um crente não deve considerar que seja um fracasso trabalhar em empregos “seculares” em vez de em uma igreja ou ministério. Esse foi um dos grandes princípios da Reforma, muito bem expresso por Martinho Lutero. Lutero ensinou que o trabalho, ou a sua vocação (chamado), é agradável ao Senhor, independentemente de seu caráter religioso. Isso foi revolucionário nos dias de Lutero, porque as pessoas haviam aprendido que ser monge ou sacerdote era a forma mais alta de vocação e que todas as outras ocupações eram menores. Estava implícito que Deus não estava realmente satisfeito com fazendeiros, padeiros e sapateiros. Estar envolvido em algo menos do que ministério vocacional era perder oportunidades para completar a fé por meio de boas obras e perder a garantia da salvação que advém de tal chamado. Lutero ensinou que todos os cristãos têm uma posição dada por Deus para suas vidas, uma vocação que serve aos outros ao nosso redor. Até a humilde criada, segundo Lutero, era, através de sua vocação, instrumento para “Deus ordenhar as vacas”.
Por causa desse importante princípio, quando examinamos nosso chamado, não devemos procurar uma hierarquia de vocações potenciais e escolher a “melhor”; deveríamos examinar nossos dons e interesses para discernir para qual profissão somos mais adequados. Novamente, se Deus é o doador de dons e talentos, e se Deus normalmente não dá sinais sobrenaturais para direcionar seu povo à sua vocação, a melhor direção que podemos ter para a nossa vocação é buscar naquilo que Deus melhor nos equipou. Dessa forma, o ministério vocacional não é diferente de outros chamados – olhamos para nós mesmos, para nossas habilidades e procuramos a confirmação e o conselho de outras pessoas ao nosso redor para nos ajudar a determinar se um chamado corresponde a esse contexto. Essas duas avaliações foram historicamente descritas como “chamado interno” e “chamado externo” quando aplicadas a um chamado para o ministério do evangelho. Ao analisar os chamados internos e externos, é importante reconhecer que eles também se aplicam ao contexto secular, apenas com circunstâncias diferentes.
O chamado interno
A primeira avaliação relacionada à vocação é a avaliação de um indivíduo quanto aos seus próprios dons, talentos e interesses. Isso foi denominado chamado interno. Isso não significa, no entanto, que consiste inteiramente de sentimentos e desejos internos. Tais desejos são um componente do chamado interno, mas há mais a considerar. O chamado interno também envolve autoavaliação. É certo e bom que os indivíduos reflitam sobre as habilidades que têm, os dons que receberam e os desejos que têm por determinadas vocações. Cada uma dessas áreas é importante para uma autorreflexão adequada. Não é bom para uma pessoa ignorar seus dons ou habilidades. Em nossos dias, muito foi feito da ideia de que uma pessoa deve seguir apenas uma vocação pela qual é apaixonada, que nunca deve “se contentar” com outra vocação e que sempre deve “seguir seu coração”. o desejo de abraçar uma vocação é importante, mas não é suficiente. Se fosse, eu estaria jogando Baseball na Major League.
No contexto de um chamado ao ministério do evangelho, por exemplo, é necessário muito mais do que um desejo de ajudar os outros ou de tentar encontrar um significado na vocação de alguém. Se um chamado vier do Senhor, ele o equipará para florescer nesse chamado. Isso começa com o cumprimento dos requisitos para o ministério do evangelho. O chamado de Cristo não chega hoje, ao ministro em potencial, como aconteceu com Mateus, na pessoa de Cristo dizendo diretamente a ele: “Siga-me”. Mas o chamado para o ministério começa com o chamado de Cristo para levar seu nome e segui-lo. Com muita frequência, os homens buscam o ministério como um meio de acalmar a voz do descontentamento em seus próprios corações. É fácil ser vítima do pensamento de que, se eu dedicar minha vida ao serviço do evangelho, Deus me aceitará e recompensará esse compromisso com a vida eterna. O pré-requisito absoluto para o ministério do evangelho é ser chamado pessoalmente por Deus e estar reconciliado com ele através da obra consumada de Cristo, para que seja por meio do nome dele que Deus te chame. Horatius Bonar fez a mesma observação há mais de um século: “O verdadeiro ministro deve ser um verdadeiro cristão. Ele deve ser chamado por Deus antes de poder chamar outros a Deus”.
O potencial ministro do evangelho deve tomar cuidado para não se deixar levar pelas tendências perfeccionistas, e nem deve ser excessivamente autoconfiante em sua própria capacidade. A própria natureza do ministério deve fazer com que o homem faça uma pausa antes de embarcar nesse caminho que deve fazer com que ele veja a grandeza da obra e clame, como Paulo, que ele não é suficientemente capaz para essas coisas (2Co 3.5). Ao olhar para si mesmo, ele deve olhar para aquele que dá dons aos homens. É Deus que torna o homem suficiente, fornecendo-lhe as habilidades, a destreza e o comportamento que ele precisa para ter sucesso no ministério vocacional. Nem todos esses dons precisam existir me sua plenitude antes que um homem busque o ministério do evangelho, mas uma autoavaliação humilde deve mostrar a presença dos dons necessários (por exemplo, o entendimento das Escrituras e a capacidade de ensinar). O potencial ministro do evangelho também deve se fazer as perguntas difíceis sobre as qualificações de caráter estabelecidas em 1 Timóteo 3 e Tito 1. Ele deve saber que as qualificações de caráter não são apenas obstáculos a serem esclarecidos, mas o comportamento e as características necessárias para ter sucesso no ministério vocacional. Finalmente, um homem deve observar a si mesmo de forma a determinar se está comprometido com o ministério vocacional. O comprometimento é vital para o ministério, comprometimento da fé com o crescimento espiritual, humildade, conhecimento, disciplina, sabedoria e liderança, entre outras coisas. Quando um homem coloca a mão no arado, ele não pode olhar para trás (Lc 9.62). Paulo dá uma excelente orientação para a autoavaliação: ele sabia que não era perfeito, sabia que ainda não havia se tornado o que seria, mas também sabia que tinha que seguir em direção à meta (Fp 3.12). Uma visão adequada do chamado interno leva isso a sério.
O chamado externo
Por mais importante que seja o chamado interno, não é a única parte do discernimento do chamado de Deus. Mesmo uma autoavaliação cuidadosa tem pontos cegos. Por esse motivo, o senso de chamado subjetivo de alguém é melhor confirmado por uma afirmação externa. No caso do ministério evangélico, isso seria uma confirmação do chamado de um homem pelo corpo de Cristo. Como Cristo não dá dons a um homem sem lhe dar a oportunidade de exercitá-los, os dons de um homem podem ser avaliados e incentivados pela igreja. A melhor assistência para determinar se você tem o chamado para o ministério é servir a Deus no presente e, pela provação de tal serviço, testar seus dons. De fato, é normalmente ao servir a igreja que o chamado ao ministério vem. A presença de dons para o ministério em um homem o distinguirá, para o povo de Deus, como alguém chamado ao ministério, porque quaisquer dons que ele tenha são para uso no corpo de Cristo, e esses dons são dignos de honra pela igreja.
Não devemos pensar em coisas como a necessidade de recomendações pessoais, exames de ordenação ou eleição de uma congregação como necessidades burocráticas. Em vez disso, são manifestações da importante validação do chamado externo. Uma pessoa não é completamente soberana sobre seu chamado, especialmente um chamado para o ministério do evangelho. A afirmação dos dons de alguém por outros é vital para determinar se deve seguir uma vocação. Quanto mais um homem recebe oportunidades de exercitar e testar dons para o ministério, e se essas provações são recebidas com o incentivo e a aprovação de outras pessoas na igreja, mais confiante o homem estará em relação ao chamado? Se, adicionalmente, um homem foi examinado por aqueles que já foram encarregados do ministério do evangelho, e os exames mostram que ele é qualificado em caráter e dons, isso é uma bênção. Ao mesmo tempo, se um homem recebe alertas de seus companheiros cristãos de que ele não parece bem adequado ao ministério, e ele é incapaz de concluir os exames de maneira satisfatória, deve parar e fazer um balanço de seu desejo de ministério vocacional. Pode muito bem ser a misericórdia de Deus que o esteja protegendo de possíveis dores, mágoas e fracassos.
Esse chamado externo se estende, além do ministério, para outras vocações. Está bem estabelecido que, para exercer muitas ocupações, uma pessoa deve receber aprovação externa, os médicos devem passar nos exames do conselho de medicina, os advogados devem concluir os exames da ordem e os arquitetos, engenheiros e técnicos todos têm requisitos de licenciamento e certificação. Esses exames e certificações realmente servem para barrar aqueles que não são qualificados em tais profissões, mas também ajudam a ratificar as habilidades e os talentos das pessoas. Lembro-me de quando, há muitos anos, passei com êxito em um exame estadual, tive o incentivo de que realmente poderia ser advogado. Essa garantia foi muito útil nos meses e anos que se seguiram, durante longos dias e em projetos exigentes. Não era apenas uma ideia na minha cabeça a de que eu deveria seguir essa vocação – especialistas na área acreditavam que eu tinha as habilidades necessárias para ter sucesso. Portanto, mesmo que não exista nenhum teste formal ou certificação exigida para uma vocação que você deseja seguir, eu o aconselharia a buscar, fora de si mesmo, alguma noção de que você é realmente talentoso para essa vocação. A sabedoria e o apoio que você obtém dos outros são inestimáveis.
Como posso administrar meu chamado?
A última coisa que devemos considerar é como devemos administrar bem nossos chamados. As pessoas podem examinar seu próprio senso de vocação, seus dons, habilidades e interesses e depois se submeter a uma avaliação externa do mesmo sem chegar a uma conclusão infalível. Às vezes, percebemos que não tomamos a melhor decisão e precisamos mudar de rumo. A coisa mais tola seria insistir diante das evidências de que escolhemos a vocação errada. Também existe o fato de que as pessoas mudam com o tempo – à medida que nos casamos, temos filhos, nos mudamos para novos locais ou mesmo vivemos novas experiências, nossos interesses podem mudar. Podemos desenvolver novos dons e habilidades que nem sabíamos que tínhamos. Se for esse o caso, a providência de Deus pode trazer novas oportunidades para novas vocações. Mais uma vez, sujeito a todos os parâmetros mencionados anteriormente, não há nada e errado em encontrar uma vocação diferente. Deus frequentemente muda as circunstâncias e a vida de seu povo, a fim de ajudá-lo a crescer em Cristo.
O importante, quando se pensa em chamado, é procurar usar os dons que Deus nos deu e glorificá-lo no exercício desses dons. Se isso significa escolher uma nova vocação, que assim seja. Acredito que Deus me direcionou a pelo menos três chamados: comecei convencido de que seria um acadêmico e procurei confirmar essa vocação através da educação. Fiquei convencido de que a academia não era a melhor opção para mim e, em vez disso, segui a lei, trabalhando como advogado por quase uma década. Foi enquanto eu estava nessa vocação que senti o chamado para entrar no ministério do evangelho (chamado interno), e fui encorajado pelos que estavam na igreja a seguir esse curso (chamado externo). Espero servir ao Senhor dessa maneira até o fim dos meus dias, mas devo sempre permanecer aberto à liderança do Senhor. Que o Senhor o leve a uma confiança semelhante nele, para saber que ele mantém todos os seus dias e todas as suas vocações em suas mãos.