Ideologia de gênero e identidade em Cristo

*Este artigo é um resumo da palestra de Filipe Fontes proferida na Conferência Fiel Jovens Interativa 2020.

Antes de tratar sobre o tema, é importante frisar que o que será analisado será a ideologia de gênero em si e não a disforia de gênero (isto é, o desconforto com a própria condição biológica). É importante esclarecer isso para desfazer o equívoco de imaginar que as duas coisas se pressupõem mutuamente. Há pessoas que defendem um mas não o outro. Mas isso não muda o fato de que a ideologia de gênero é o ideário mais comum dos que lutam para justificar e naturalizar a prática homossexual. É preciso também deixar claro que esta análise possui natureza objetiva, com ideias e argumentos, que, ao contrário das sensações, podem ser analisados por critérios lógicos e empíricos. Nesse sentido, três perguntas fundamentais serão respondidas.

Primeiro, o que defende a ideologia de gênero? Para entendê-la, devemos saber que os estudiosos contemporâneos distinguem os conceitos de sexo e gênero, algo que não se faz comumente. Definem sexo como dimensão biológica (a natureza, existindo apenas dois sexos) e gênero como a dimensão psicológica e social, ou seja, a autocompreensão do indivíduo e como a sociedade espera que ele se comporte.

Essa tentativa de diferenciar os termos não é um problema. A constituição física, a autocompreensão e a expectativa social são diferentes entre si e podem ser analisadas separadamente. Os problemas dessa diferenciação são: 1. A nomenclatura utilizada na distinção. Palavras nunca são em vão, mas como expressamos e interagimos com a realidade. As palavras possuem história. “Gênero” não é o termo muito adequado, pois possui forte relação com o que é natural. 2. A maneira como a distinção é interpretada e os desdobramentos dela. Inconscientemente, essa distinção foi reconhecida ao longo da história, embora não seja muito percebida. Sempre se esperou que as pessoas se compreendessem e agissem como homem ou mulher, assim como nasceram. Se alguém tivesse um desconforto com sua biologia, o entendimento histórico era que encarar como uma disfunção psíquica. Qual seria a solução? Adequar a dimensão psicológica à dimensão biológica, a qual deveria reger a primeira. A ideologia de gênero nega a necessidade disso ao afirmar que gênero é uma construção pessoal ou social absolutamente livre. Mas como vivemos em um universo criado, no qual é impossível viver sem hierarquia, a ideologia de gênero se contradiz e defende que a dimensão psicológica reine sobre as demais. Ela diz que o problema é o corpo, então deseja que o corpo seja transformado para se adequar ao psicológico. Ela inverte o modo como a sociedade sempre entendeu a relação entre o plano biológico e o psicológico.

A segunda pergunta é: a ideologia de gênero se sustenta à luz da razão e da prática? Três problemas com a ideologia de gênero demonstram que não, sendo um de natureza teórica e dois de natureza prática. O problema teórico é a impossibilidade de justificar a questão de gênero em relação a outros estados subjetivos. É uma incoerência desejar colocar certas sensações acima de outras. Já com relação ao aspecto prático, o primeiro é o aumento do número de crianças e jovens com disforia de gênero onde a ideologia foi assimilada. A ideologia se apresenta como alívio para a confusão das pessoas, mas o que aconteceu em países como Inglaterra, Escócia, é justamente o contrário. O número de crianças e jovens com dificuldade para entender suas funções biológicas cresceu exacerbadamente, ampliando o sofrimento de muitas pessoas. O segundo aspecto prático é que a ideologia de gênero amplifica a desigualdade entre homens e mulheres e os coloca em situações desiguais de competição. Ora, a ideologia de gênero se apresenta como algo que luta por igualdade, mas não é o que acontece na prática, principalmente no mundo dos esportes. Os exemplos são inúmeros. A ideologia de gênero não e sustenta nem em termos teóricos nem práticos.  

Por fim, qual é o principal problema da ideologia de gênero a luz da perspectiva cristã? O principal é um problema de cosmovisão, isto é, da estrutura por meio da qual interpretamos a realidade. A ideologia de gênero é falha com relação a definir origem das coisas, a fonte das distorções da realidade e a propor soluções para tais problemas. A ideologia de gênero é um resultado de um misto de cosmovisões não cristãs: ela reúne o ateísmo materialista para tentar explicar a origem de tudo como sendo resultado de processos físico-químicos aleatórios, sendo o corpo algo causal e não podendo determinar o que somos; ela traz o sentimentalismo romântico tenta explicar as distorções, colocando o conforto final como alvo da nossa existência e concebendo o entorno como maior empecilho para nossa realização; e, para propor soluções, utiliza-se da perspectiva do conflito, a qual sugere a solução por meio do enfrentamento e da autoafirmação.

Essa crença de que nossa satisfação depende da aceitação das nossas escolhas e comportamentos leva os adeptos da ideologia de gênero a um forte engajamento social e político para torná-la aceita em nossa cultura. A lógica dela é que não há sentido previamente definido, que o problema é que os outros conspiram contra seus adeptos e a solução é a autoafirmação e a autoimposição.

Essa lógica é absolutamente contrária à lógica cristã: fomos criados pela Palavra de Deus (criação ex nihilo), então há sentido prévio e determinado para a vida; o grande problema da humanidade é a queda e o pecado, a ruptura da relação com o Criador, e daí vêm as distorções. O cristianismo assume a culpa e a necessidade de arrependimento; e a solução do cristianismo é que, por sermos colocados de volta nessa relação por meio de Cristo, é que as confusões são desfeitas. Uma proposta de conversão e crescimento em santidade.

É por isso que é impossível ser cristão e defender a ideologia de gênero, pois são duas coisas que possuem uma visão de mundo completamente diferente nas questões mais fundamentais da vida.