COVID-19: O que podemos aprender?

Em meio a esta pandemia, muitas vozes disputam por nossa confiança. Médicos e políticos, economistas e pastores, amigos e familiares oferecem uma variedade de estatísticas e predições, aconselhando coragem ou cautela. Boletins de notícias incessantes trazem ao nossos lares a mensagem de que a situação está instável, “práticas melhores” precisam ser revisadas e os “do conhecimento” admitem prontamente quão pouco sabem nesta crise global sem precedentes durante o tempo de nossa vida. Então, o que pode ser dito que ainda não foi dito ou que não terá sido dito amanhã?

Em artigos online da revista Tabletalk, outros já apresentaram perspectivas bíblicas corretas quanto à nossa reação à Covid-19 como pessoas redimidas por Cristo e sustentadas em seu inquebrantável vínculo de graça. Fui convidado a fazer um relato sobre os efeitos da Covid-19 em nosso contexto local e em meu ministério atual. Isso é tudo que tenho a oferecer, reconhecendo que a experiência de outros em relação a este tempo estranho e solene difere da minha.

Visto que me aposentei dois anos atrás, e minha esposa e eu mudamos para uma cidade pequena no Tennessee, a Covid-19 não tem atrapalhado tanto a nossa vida quanto à vida de outros. Nosso condado tem menos de dez casos de infecção confirmados (isso está sujeito a mudança, é claro). Estou me dedicando a meu principal “trabalho” — ler e escrever — em casa. Nossa família e nossa congregação foram poupados da infecção (até agora). Nosso congregação adotou os cultos online no final de março, mas mantemos comunhão virtualmente. Nossa experiência com a Covid-19 é muito diferente daqueles que estão (ou, infelizmente, estavam) empregados, que vivem numa comunidade com uma taxa crescente de infecção, que estão cuidando de crianças cheias de vigor e confinadas no lar ou que têm preocupação com um pai idoso que está num residencial de aposentados.

Então, outra vez, as nossas experiências talvez não sejam assim tão diferentes. As estatísticas que ouvimos nos noticiários da noite têm faces humanas para minha esposa e eu. Temos orado por meus ex-alunos e suas esposas que estão hospitalizados com casos de coronavírus que ameaçam a vida. Um desses amigos perdeu sua mãe para a Covid-19. Um pastor de meu presbitério entregou ao descanso seu pai e sua mãe no espaço de uma semana um do outro. Nosso filho trabalha agora mais por menos, mas ele é grato por ter um trabalho. Os detalhes na vida de vocês são diferentes, mas o enredo geral de nossas histórias são semelhantes.

O que os cristãos devem aprender deste capítulo doloroso na providência de nosso Pai?

Logo depois que nossos cultos de tornaram online, preguei sobre o Salmo 46, como muitos outros pastores devem ter pregado nestas semanas (ver a meditação Deus Nosso Abrigo na Tempestade, de Neil Stweart). Este foi o Salmo sobre o qual preguei para o povo de Deus na Califórnia, depois de 11 de setembro de 2001, quando ficamos espantados com imagens das torres do World Trade ruindo em chamas. É a fonte bíblica do hino “Castelo Forte É Nosso Deus”, de Martinho Lutero. É, sem dúvida, um texto ao qual podemos recorrer para achar coragem em tempos conturbados, quando desolações surgem ou epidemias propagam miséria e morte, pobreza e fome. Não quero explorar o Salmo 46; o pastor Stewart fez isso muito bem. Quero apenas citar um único versículo para estruturar sugestões sobre o que os discípulos de Jesus devem aprender neste tempo de epidemia: “Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus; sou exaltado entre as nações, sou exaltado na terra” (Sl 46.10).

Aquietai-vos

Por meio da Covid-19, o nosso Criador todo-poderoso nos lembra francamente os limites de nossa vitalidade. Esta infecção contagiosa e as vigorosas reações dos líderes mundiais — confinamentos ou recomendações de que permanecer em casa é mais seguro, distanciamento social, etc. — têm colocado os frenéticos negócios da sociedade quase em paralisação. O exemplar impresso da revista Tabletalk de junho de 2020 continha artigos escritos muito antes da Covid-19 desencadear o confinamento social dos Estados Unidos. Quando li as palavras do pastor Christopher Gordon, eu pensei: “Que diferença um mês faz!”

Quase universalmente, pessoas se queixam da agitação de sua vida. Famílias se esquivam da mesa de jantar para praticar esportes, lições de música e várias outras atividades. Temos o melhor das conveniências modernas e, apesar disso, ficamos exaustos de “compromissos” que nunca acabam.[1]

Quem teria imaginado que nosso Deus soberano ordenaria uma epidemia global e que nosso estilo de vida estressado mudaria tão drasticamente? Nenhuma prática de esportes, nem aulas de música que impedem a nossa demora na mesa de jantar, permitindo aos membros de família conhecerem melhor uns aos outros. Reconhecidamente, trabalhar de casa produz um desafio para mães e pais, e a educação domiciliar pode frustrar os filhos. Os nervos ficam desgastados de competição por acesso à internet do laptop, interrupções desagradáveis e “irritabilidade de clausura”. Mas o nosso Pai sabe quando precisamos diminuir o ritmo e, às vezes, tem maneiras surpreendentes de fazer isso acontecer. Se nosso estilo natural é idêntico ao de Marta, agitada “de um lado para outro, ocupada em muitos serviços”, este intervalo em nossas atividades pode ser uma estratégia sábia do Senhor para limpar nossas agendas a fim de que possamos sentar e, à semelhança de Maria, como um discípulo aos pés de Jesus, ouçamos sua Palavra, a “boa parte” de que realmente necessitamos (Lc 10.38-42).

A nossa quietude imposta por Deus pode também liberar a nossa atenção para nos engajarmos com outras pessoas individualmente, ainda que “de maneira virtual”. Em nossa congregação, cada oficial (pastor, presbítero, diácono) está com um grupo de membros com os quais entramos em contato regularmente por telefone, mensagem de texto ou e-mail. Visto que minha esposa e eu ainda somos novos na igreja, meu próprio “compromisso” com meu grupo me motivou a conhecer melhor irmãos e irmãs que eu costumava saudar apenas de passagem: pais jovens, um solteirão, casais de meia idade e pessoas mais velhas. A Covid-19 foi um instrumento de Deus para nos colocar mais perto uns dos outros, ao mesmo tempo que estamos separados fisicamente. A crise me proporcionou até uma desculpa para alcançar (enquanto mantinha “distanciamento” seguro) cada família de nossa vizinhança. Quando lhes dei a nossa informação de contato “apenas para o caso” de precisarem de nós, cada vizinho agiu de maneira recíproca — um pequeno passo em direção a conhecermos melhor uns aos outros.

Para muitas pessoas, esta crise não tem significado “quietude”. Prestadores de serviços de saúde, socorristas, agentes de aplicação da lei e outros trabalham até mais do que antes, protegendo e confortando pessoas vulneráveis e sofredoras. Pais trabalham de casa ou esperam em longas filas de doação de alimentos, enquanto aprendem uma nova profissão — educação domiciliar. Para o restante de nós, porém, o tempo liberado pelo cancelamento de compromissos pode ser investido não somente em sábados espirituais para o nosso próprio coração inquieto, mas também em oração por graça sustentadora para aqueles que trabalham  além da jornada normal.

Sabei que eu sou Deus

Por meio da Covid-19, o nosso Criador nos confronta com os limites de nosso conhecimento e controle. Compreender que o Senhor é Deus nos abaixa e nos eleva. Destrói a nossa ilusão de competência, humilhando-nos. E neutraliza o nosso desespero fomentado por confusão, elevando-nos em esperança.

Saber que ele é Deus nos humilha. Um anúncio de TV garante aos telespectadores que, em meio às incertezas desta pandemia, há uma coisa em que podem confiar totalmente: a ciência. A companhia farmacêutica que patrocina o anúncio promete pesquisa científica incansável até que vacinas e curas sejam achada. Somos corretamente gratos pelos labores de pesquisas médicas, mas este comercial reivindica para a ciência mais do que ela pode dar. Percebemos isso quando ouvimos epidemiologistas famosos reconhecerem repetidas vezes quão pouco eles sabem a respeito do comportamento estranho deste inimigo invisível. Suas admissões nos imunizam contra a ilusão de que “a ciência” merece confiança inquestionável. Por outro lado, podemos confiar no Criador de todas as coisas, sempre e completamente.

Saber que ele é Deus (e nós não somos) também nos humilha de outra maneira: ele é Juiz, e nós não somos. Os meios de comunicação nos bombardeiam com sinais conflitantes e experts competidores. Alguns dos conselhos vêm com limites e variações. Outros falam com confiança ousada. Nesta atmosfera de discurso público inflamado, o povo de Cristo e seus líderes podem sucumbir facilmente à polarização na batalha de liderança contraditória e competidora.

A humildade e a graça do evangelho devem tornar o povo de Deus diferente de seus vizinhos ansiosos e irritados. As igrejas em Corinto e Roma eram divididas no que diz respeito a decisões sobre alimentos. Alguns membros condenavam o exercício de liberdade de outros, enquanto estes desprezavam as inibições de juízes autodesignados (Rm 14; 1Co 8-9). Acerca deste turbilhão de julgamentos e superioridade arrogante, Paulo escreveu: “Quem és tu que julgas o servo alheio? Para o seu próprio senhor está em pé ou cai” (Rm 14.4). As contradições que giram em torno da Covid-19 e obscurecem o caminho para uma reação prudente oferece ao povo de Cristo uma oportunidade extraordinária de aprender humildade, respeito pelas opiniões dos outros e bondade simples.

Saber que ele é Deus nos dá esperança. Saber que o Senhor é Deus, “nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente nas tribulações” (Sl 46.1-2), nos dá esperança para termos confiança para o futuro. Quando notícias de última hora nos abalam, podemos nos voltar para a Palavra segura do Senhor imutável: “Jesus Cristo, ontem e hoje, é o mesmo e o será para sempre” (Hb 13.8). Jesus, nosso irmão, morreu para nos libertar da escravidão ao pavor da morte (Hb 2.14-15). Nossa vida está ancorada no santuário celestial de Deus (Hb 6.19-20). Estamos “recebendo… um reino inabalável” (Hb 12.28). Esta esperança nos liberta, em face de ameaças à vida e à subsistência, para nos arriscarmos a alcançar, com compaixão, outros que estão em necessidade (Hb 10.32-35; 13.1-3).

Conclusão: quem será exaltado?

Quando a nossa mente frenética se aquieta e sabemos que nosso Senhor é Deus, concordamos que somente ele pode dizer: “Sou exaltado entre as nações, sou exaltado na terra” (Sl 46.10). Cercados por um mundo impelido por autoproteção e autopromoção, nós, que experimentamos o amor de Deus em seu Filho, temos uma aspiração que transcende o ego: exaltar o nosso Redentor, venha o que vier.

Esperando um veredito de um imperador cheio de caprichos, Paulo contemplava, com tranquilidade, resultados totalmente opostos: “Porquanto, para mim, o viver é Cristo, e o morrer é lucro” (Fp 1.21). Independentemente do que estava adiante, a “ardente expectativa” de Paulo era que o Espírito de Deus lhe daria graça, para que, “com toda a ousadia, como sempre, também agora” Cristo fosse “engrandecido no meu corpo, quer pela vida, quer pela morte” (Fp 1.20). Não podemos prever resultados de curto prazo para a nossa saúde, nossos negócios, nossa subsistência e igrejas que sustentam a nossa peregrinação de fé. Mas a graça indelével de Deus liberta nosso coração de autopreocupação e autoproteção, para que o anseio de Paulo se torne nosso: ver Cristo exaltado por meio de nosso corpo, em toda a terra.


[1] Christopher J. Gordon, “Prayer as a Means of Grace”, Tabletalk 44.6 (June 2020), 10.

Por: Dennis E. Johnson. © Ligonier Ministries.Website: ligonier.org. Traduzido com permissão. Fonte: COVID-19: What Should We learn?

Original: COVID-19: O que podemos aprender? © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados. Tradução: Francisco Wellington Ferreira. Revisão: Filipe Castelo Branco.