Deus está falando ao coração que sofre

Portanto, eis que eu a atrairei, e a levarei para o deserto, e lhe falarei ao coração. Oseias 2.14

Se não sofremos não buscamos a Deus. Lendo um trecho dos irmãos Karamazov citado no livro de Elisabeth Elliot, percebo que somente clamamos a Deus em meio a um sofrimento intenso. Aquela dor na alma que nos aleija o espírito e nos torna incapazes de nos socorrermos a nós mesmas, ou tão pouco pedir algum auxílio humano que nos acuda. Há um tipo de sofrimento que somente nosso Senhor pode socorrer. É aquela dor solitária, que nos separa do universo das coisas perenes e nos transporta para o tempo além do tempo, o lugar eterno.

É aquele sofrimento que nos faz solitárias, únicas. Neste lugar de dor, angústia e medo ninguém pode entrar a não ser o Espírito de Deus que penetra todas as coisas, ele vai chegar no mais íntimo de nosso espírito. No lugar tenebroso de nossa alma, onde há dor, pânico, angústia, solidão, desamparo. Ali, acuadas nos escombros de nossa vida interior, Deus nos encontra, rendidas, humilhadas pela dor, ele nos estende a mão da clemência, então pobres e miseráveis de todo tipo de orgulho ou arrogância, nos arrastamos como um verme até podermos nos aproximar do calor de seu toque, a mão de Deus em nós, transpassada pelos cravos. Lá pregado nas dores do calvário ele mesmo, o Cristo, já fez por nós o que ninguém mais poderia fazer: ele se derramou inteiro, água e sangue, até se esgotar. Mas agora, ressurreto, ele é capaz de nos socorrer, ele sofreu a sua e a minha dor. Sofreu toda a angústia da separação do Pai.

Sem a dor lancinante, a angústia de alma, o medo paralisante, somos totalmente impermeáveis ao amor do Criador. Permanecemos autossuficientes no alto do pináculo de nosso orgulho, crendo que somos cheias de poder na força de nossos próprios recursos rotos, podres, mal cheirosos, cisternas vazias.

Mas não lá no lugar tenebroso de nossa alma onde somente nosso Senhor pode nos ver inteiramente, ele enxerga cada pedaço trincado, cada estilhaço de afeto rasgado pelo mal de nossa alma doente.

Então quando Deus chega, ele enfaixa nossas feridas. Em cada fenda aberta e purulenta da alma escarnecida pela dor, há o perfume de seu amor subindo como aroma medicinal. Pelas brechas da dor solitária brotam pequenos botões de rosas de seu amor em nós, brotos verdes de vida abundante, pétalas macias florescem, sua luz brilhante escapa pelos vãos dos escombros da angústia sendo desalojada.

Há luz, há consolo, há vida brotando e regenerando.

Eu vi a tua luz, Senhor, saindo pelas fendas abertas das minhas feridas.

Eu senti o teu perfume, Senhor, exalando das rachaduras da minha alma.

Eu te amo, meu Senhor e Rei, por me fazer permanecer bem perto da tua cruz.

Nosso sofrimento nos faz abrir a boca para buscarmos Deus. Você não clama a Deus enquanto acredita em sua eficácia para passar pelas tribulações, você clama a Deus quando, de fato, a situação parece te fazer tão infeliz que, por um fio de esperança, você clama, suplica, evoca o nome de Deus entre os dentes semicerrados.

É quando estamos no fogo da provação que finalmente podemos conhecer as profundezas de nosso coração. Então, como Jó, nossa boca revela a nossa confiança ou falta de confiança em Deus. Nossa boca revela se em nosso coração Deus está coroado como Senhor de nossas vidas ou se nos rebelamos contra Deus quando o mal chaga a nós.

Será que em tempos de grande tribulação nosso coração errante poderá perceber que o mal poderia ser pior do que o mal que nos está sendo revelado? Sim, pela bendita graça de Deus o mal é refreado, não somos tão corruptos como poderíamos ser, nem tão depravados como poderíamos ser, nem tão maus quanto poderíamos ser, porque a graça, a bendita graça que atua no mundo refreia o mal.

No deserto nada nos seduz, não há paixões disputando nossos afetos. No deserto há solidão, calor intenso de dia e frio a noite. Nesse lugar desolador, Deus pode apenas sussurrar e teremos prontidão para ouvir, para concedermos tempo para um encontro profundo com Deus.

Avante, Ovelha!