Sabedoria e o ordinário: como não ser consumido pelo tempo

*Este artigo é um resumo da palestra de Aender Borba proferida na Conferência Fiel para Pastores e Líderes 2020 Online.

Sabemos que vivemos em uma época em que nunca se produziu tanta informação e conteúdo, principalmente nas redes sociais. Existe uma indústria especializada em fazer com que as pessoas consumam e sejam consumidas pelo tempo. Essa é uma questão antiga, mas que vai tomando novos contornos. Qual de nós seria capaz de dizer que não sente que a vida está passando rápido demais ou que as coisas estão fora do lugar?

Em primeiro lugar, somos seres temporais: toda experiência é aprendida pela consciência, e esta é circunscrita pelo tempo e pelo espaço presente. Mas somos diferentes dos animais: conseguimos descrever o tempo em passado, presente e futuro. No passado moram as nossas memórias, e no futuro está nossa imaginação. A consciência não é formada apenas do imediato; se fosse, seríamos como os animais, como se tudo fosse o tempo presente.

Mas nós temos um sistema sensorial, percebemos detalhes, a estética e com isso lemos a realidade. Podemos dizer com certeza que a vivência do tempo não é subjetiva. O tempo, contudo, possui um componente de objetividade: é importante como e onde o investimos. O tempo é relativo a Deus; precisamos ter uma percepção dele que parte do nosso Criador. Não apenas o instante vivido, mas a presença do passado e do futuro na experiência presente. Então, definimos os tempos como sendo o presente do passado, o presente do futuro e o presente do presente.

Deus se manifesta diversas vezes ao seu povo e as expressões usadas tem relação com o tempo.Por exemplo, em Êxodo 3, o nome de Deus “Eu Sou o Que Sou” no original é pode ser lido como “Eu Serei o Que Serei”. Também encontramos algo semelhante em Ap 1.8 “Eu sou o Alfa e Ômega, diz o Senhor Deus, aquele que é, que era e que há de vir, o Todo-Poderoso.” Deus se apresenta no tempo e essa é uma dificuldade das pessoas com a divindade de Jesus, pois ele invade o tempo. Ele é o “novo”, que não pode ser explicado pelo que veio antes. Ele dá um reset na história. Ap 21 diz “Eis que faço novas todas as coisas. O fato de Deus entrar no tempo e vir a nós é extremamente importante para o conceito de que tempo não é mera subjetividade

Mas, ao mesmo tempo, quando nos afastamos de Deus, nossa relação com o tempo se distorce e temos que colocar outra coisa no lugar, ficando vulneráveis a idolatria. Pare um pouco e pense o quão terrível é não considerar um pecado ou a iminência dele. Talvez a idolatria seja o pecado mais condenado por todos os profetas, pois o pecado é, essencialmente, idolatria. Ele não diz respeito apenas à idolatria a um objeto, mas algo que está no coração de quem a pratica. Da mesma forma, a espiritualidade é mais que se filiar a uma religião. O problema: ídolos não funcionam pois não cumprem o que dizem. Muitos levam uma vida toda para descobrir isso. Não é possível atribuir valor absoluto a algo passageiro, a não ser ao Deus que criou todas as coisas.

O que a idolatria tem a ver com tempo? Ela faz romper nossa relação com a eternidade pois tenta achar no tempo algo equivalente à eternidade. Ficamos divididos entre querer agarrar o tempo presente ou controlar o futuro.

Tentamos agarrar a eternidade com coisas terrenas quando negamos o passado; quando nos fazemos de vítima e justificamos fracassos de forma determinista; ao crer em determinação e maldição genética ou hereditária. Tais pessoas não conseguem olhar pra realidade, pois negligenciam o prólogo do 1º mandamento: “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão” (Êx 20.2). Quantas vezes essa frase aparece nas Escrituras? A memória é muito importante, pois ela pode nos paralisar ou nos lembrar de que Deus agiu. Devemos lembrar bem dos atos de Deus na história.

O outro lado é a tentativa de controlar o futuro além do possível: quando temos muita confiança no passageiro, como sucesso profissional e terreno. Lá no fundo algo diz que tudo isso não garante nada. É nesse momento que os planos bons e necessários se transformam em ansiedade. É aí que se dá conta da finitude da vida e surge o vazio existencial. Começa-se a questionar Deus sobre o que não deu certo.

Fixar a vida em coisas passageiras gera uma experiência de vazio. Por isso Jesus disse que devemos buscar as coisas eternas. A principal distorção dos ídolos na mente e na fé é a ilusão e a mentira sobre nossa fragilidade temporal. O Senhor está fora do tempo mas invade o tempo para nos dar esperança. Quem funde sua identidade em algo temporal irá sofrer de ansiedade até se tornar um cínico: nada tem sentido, ninguém presta, tudo é busca por poder. É por isso que só se persevera mantendo os olhos em Deus, na eternidade.

Por que não temos tempo para nada? Por causa do atributo que recebemos na humanidade, a relação com o tempo e com o espaço e a consciência do passado e do futuro que trazem para o presente as expectativas. Tudo se integra de forma que nossa percepção do mundo deve ser baseada a partir de Deus que sustenta todas as coisas. A maior distorção da nossa capacidade de imaginar o futuro é a ansiedade excessiva para controlar tudo e governar a própria vida sem Deus. E, ao sermos consumidos por isso, esquecemos das coisas simples e ordinárias da vida (como ler a Bíblia e orar, ou passar tempo com a família). Há alguma área que lhe domina e que faz viver na correria?

Veja a seriedade: a ansiedade paralisa, de modo q se perde a esperança de q o futuro vale a pena. Procuramos o infinito em coisas finitas; buscamos contentamento em coisas passageiras, e isso é pecado. O único que pode nos completar é Cristo. Somente nele podemos olhar para o passado e entender o presente. Com o Evangelho entendemos nossa vergonha passada e não precisamos pautar nosso presente pelo passado, que ficou na cruz.

Se sua relação com o tempo está afetada, é no corpo que você sentirá isso. Somos uma unidade, alma e corpo juntos, e sobre ela vêm todos os transtornos e síndromes. Talvez a coisa mais difícil seja aprender a descansar em Deus. Falta percebermos que algumas decepções servem para nos levar a Jesus. Cristãos encaram o passado sem negá-lo e olham para o futuro com esperança, confiando na providência divina e achando nEle total alegria.

Assim voltamos a Eclesiastes 3.13. Tudo que fazemos e temos é dado por Deus. O sentido da vida é temer a Deus e obedecê-lo, aceitando a dádiva do presente com gratidão. Devemos entender que temos o que Deus quer nos dar e, se Ele não deu, é porque não precisamos. A ingratidão é a recompensa da idolatria (Rm 1.21). Devemos dar graças em todas as coisas; essa é a chave para viver no tempo presente, sabendo que isso é um vislumbre de algo que está além. Aceite o perdão de Cristo e assim você saberá perdoar as pessoas e seu passado.