Teologia das emoções

*Este artigo é um resumo da palestra de Valdeci dos Santos proferida na Conferência Fiel para Pastores e Líderes 2020 Online.

No passado, o aconselhamento bíblico foi acusado de ser uma “visão santificada” da terapia comportamental. Mas não é bem assim. Emoções é um assunto relevante para o aconselhamento bíblico pois nele tentamos aplicar a Palavra em um âmbito pessoal. Isso implica que o conselheiro procure compreender e atingir o coração do aconselhado. O coração é a sede das nossas emoções. Como podemos interpretar emoções? Esse assunto não é o mais favorito dos cristãos. Há uma polaridade dividida: alguns acreditam que emoções não são nada confiáveis, e por vezes tentam caricaturar um “deus estoico” que não possui emoções; já outro extremo endeusa as emoções a ponto de validar desejos e comportamentos. Como tratar esse assunto?

A Bíblia fala sobre emoções, fala às nossas emoções e nos fala até mesmo em uma linguagem emocional. Em primeiro lugar, considere os imperativos bíblicos que recomendam emoções (Rm 12.12, 1 Ts 5.16, etc.). Também temos expressões e exemplos de personagens bíblicos que expressaram emoções, como Davi no episódio em que a arca estava em Obede-Edom, ou Ana, que se derramou diante do Senhor, ou Jeremias, no capítulo 4. Estes exemplos nos mostram que esse é um assunto importante na perspectiva bíblica. Da mesma forma, nos Salmos encontramos a anatomia de todas as partes da alma humana: expressões de alegria, tristeza, ansiedade, arrependimento, desencorajamento. Todas essas expressões são convites para que eu e você expressemos nossas emoções diante do Senhor Deus. Até mesmo a maneira de Deus se revelar ocorre em termos de emoções, por exemplo: a ira, os ciúmes (ou o zelo), a tristeza, a compaixão e o amor de Deus. Deus se revela em termos de emoções. E por fim, a descrição dos elementos do fruto do Espírito: amor, paz, longanimidade, benignidade, etc., é feita em termos de emoções.

Qual a natureza das emoções? Há diferentes teorias. A visão bíblica é que emoções são atributos divinos comunicados ao ser humano criado à imagem de Deus. Nas palavras de Adão já se observava emoções que são parte da pessoa de Deus. Com relação ao aconselhamento, ao lidar com pessoas difíceis, frequentemente se diz para “matar” tais emoções e sentimentos. Mas como matar atributos comunicados ao homem pelo próprio Deus na sua criação? Talvez o melhor conselho seja “aprenda a expressar essa emoção ou sentimento da forma que Deus o expressa”. Bem, também podemos definir emoções como a linguagem do coração, aquilo que revela o que amamos, apreciamos e, por vezes,idolatramos. Se o aconselhamento visa atingir o coração, o conselheiro precisa atentar para as emoções e como elas são expressas, pois é isso que dirá o que o aconselhado ama, teme, etc. Ainda podemos pensar em emoções como meios de engajamento humano. É por meio delas que nos voltamos para Deus e confiamos em Deus com nossas emoções. Emoções são meios de nos relacionarmos com Deus e com o próximo amando e servindo.

Observamos então um terceiro aspecto. Qual seria o propósito das emoções? A raiz da palavra (motere) significa “mover”. Deus nos criou com emoções para que elas nos impulsionem a buscá-Lo. Nele encontramos nossa realização e descanso para nossa alma. Viver no mundo de Deus sem desfrutar da comunhão com Ele é um tormento. Quando lemos os Salmos, vemos como o Senhor nos convida a derramar o coração diante dele e sermos verdadeiros em nossas emoções (Sl 3, 13). Da mesma forma, Deus nos criou com emoções para que elas nos impulsionem a buscar comunhão com o próximo. Ninguém pode buscar ao Senhor isoladamente. É a razão dos imperativos bíblicos de amar os inimigos e orar pelos que perseguem, amar a esposa como Cristo amou a igreja, tratar os outros com honra e até orar pelos governantes.

Mas, se as emoções foram criadas com tais propósitos, o que aconteceu com elas? O fator queda tornou-se realidade. Quando o pecado entrou na humanidade, trouxe consigo distorções. Nossas emoções foram corrompidas. Estas nos movem não mais para Deus mas para longe de Deus (veja o exemplo de Adão que sentiu vergonha e medo após pecar e procurou se esconder de Deus). A emoção continua movendo o ser humano, mas agora para longe. Além disso, ela move o indivíduo para dentro de si mesmo. Usamos todos os dons de Deus e as oportunidades dadas por Ele em nosso benefício. Nos tornamos egoístas, egocêntricos; queremos que nossa vontade seja feita. Em resumo, nos curvamos diante de nós mesmos. E ainda, essas emoções corrompidas nos movem contra o nosso próximo. Surgem dissensões, lascívia, discórdias, etc.

Mas como seria a redenção dessas emoções? Talvez a melhor maneira de observar isso seja olhando para o Senhor Jesus Cristo. É importante observar a vida emocional de Jesus pois o objetivo da vida cristã é ser conformado à imagem de Jesus. Vejamos cinco emoções:

1. Compaixão. É a emoção mais comum encontrada em Cristo. Ele é alguém profundamente compadecido em relação a diferentes tipos de pessoas. Ela se fundamentava na compreensão do amor do Deus Pai. Essa compaixão dizia respeito a qual era a necessidade mais profunda do ser humano: ovelhas espiritualmente desorientadas e desamparadas. Essa compaixão não era vazia, mas levava Jesus a atos concretos.

2. Ira. O julgamento moral perfeito, tanto para aprovar quanto para desaprovar. Jesus se ira até mesmo com seus discípulos em certas ocasiões. Mas Jesus não explodia em ira, pois a própria compaixão o fazia restringir sua ira. A ira, em si, não é pecado, mas o pecado corrompe a expressão da nossa ira. Por isso, devemos restringi-la ao amor.

3. Tristeza. Jesus chorou em certas ocasiões. Jesus chorou ao ver os efeitos da morte. Chorou ao observar Jerusalém. Teve profunda tristeza ao contemplar o que o aguardava na cruz. Jesus autentica que a tristeza é legítima. Mas ao levá-la diante de Deus, Jesus nos mostrou como devemos tratá-la, derramando aos pés do Senhor.

4. Amor. Longe de ser apenas uma emoção, o aspecto emocional não pode ser dissociado do amor. Os atos amorosos de Jesus sempre foram precedidos da emoção de amor em seu interior. A expressão do amor de Jesus foi sacrificial e o cristão é chamado a expressar seu amor dando a vida por seus irmãos. 5. Alegria. Jesus exultou no Senhor em certas ocasiões.

A Bíblia nos revela a natureza, o propósito e o quadro das nossas emoções totalmente redimidas quando nos aponta para Cristo nosso Senhor. Eis algumas aplicações:

Para o conselheiro bíblico, é importante que você conheça bem a sua doutrina para que diante do tratamento das emoções dos aconselhados, não dê um conselho contrário às Sagradas Escrituras. Para os aconselhados, cuidado para não usar as emoções como fonte da sua identidade. Não diga “esse é meu jeito, eu sou assim”. A identidade do crente está em Cristo Jesus e devemos expressá-las como Cristo as expressa. Dê nome às suas emoções. Fale sobre suas emoções com Deus. Procure observar a maneira bíblica de lidar com suas emoções, conforme procuramos o padrão em Jesus Cristo, nosso Senhor e Redentor.

Neste livro, Jonathan Leeman nos direciona ao ensino bíblico sobre o amor, respondendo questões cruciais, tais como: “por que o amor é mal entendido?”, “como é o amor de Deus e como este amor se relaciona com a igreja?”. Em uma era marcada pelo consumismo, individualismo e tribalismo, Leeman mostra como amor e autoridade andam juntos – e como ambos se manifestam na vida comunitária do povo de Deus.

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