Nas Apple Stores e no DMV: dois tipos de igrejas que criam o caos complementarista

Entrar em uma Apple Store é, em parte, deslumbrante e estonteante. O espaço é imaculado, minimalista, branco como dentes de leite. Parece que foi esculpida em uma barra de sabão.

A experiência é fascinante. Mas também é extremamente desorientadora.

Por que eu digo isso? Porque em uma Apple Store a estética obstrui a clareza e os indicadores de uma “loja tradicional” desaparecem. Não há caixas registradoras, nem números piscando para mostrar um caixa aberto e nem sinais claros apontando para “Atendimento ao cliente” ou “Checkout”.

Muitas vezes, entrei em uma Apple Store e fiquei ali parado, sem jeito, olhando para as pessoas enquanto tentava intuir a identidade de alguém com capacidade e autoridade para ajudar.

Tudo parecia bonito, mas era o caos.

Andar pelo DMV – Department of Motor Vehicles (Orgão similar ao DETRAN brasileiro.), por outro lado, é uma afronta tanto aos sentidos humanos quanto à decência humana. O espaço é sombrio e úmido – inundado por uma luz fluorescente bruxuleante. Parece um banheiro por onde uma barra de sabão deveria passar.

Parece que você está cercado por pessoas com capacidade e autoridade para ajudar, mas todos os funcionários parecem ter deixado sua disposição em casa.

Não obstante, você pega um número, mas no fundo sabe que perderá sua vez porque aquela coisa estúpida na parede parece que está mostrando um “3”, mas na verdade é um “8”

– alguém se esqueceu de trocar as lâmpadas.

Seu número finalmente é chamado, e você se enche de ansiedade e incerteza. Afinal, cada decisão do DMV passa por um zoológico de corpos deliberativos ad hoc, cada um com seus próprios arcanos patetas. Sinto muito, o que você tem aqui é o Formulário A4-33. Você devia ter preenchido o Formulário 33-A4. Desculpe, esta fila é para Licenças Registradas; você precisa ir ao prédio ao lado, onde há uma fila para registrar sua Licença.

A coisa toda é uma bagunça.

Nossa confusão complementarista

Por que estou falando sobre Apple Stores e o DMV? O que, cargas d’água, isso tem a ver com complementarismo?

Resumindo, estive em igrejas cujas estruturas de autoridade são como as da Apple Store e estive em igrejas cujas estruturas de autoridade são como as do DMV. Em ambos os casos – mas de maneiras diferentes – o caos borbulha à superfície.

Deixe-me explicar.

Igrejas DMV

Por que o DMV é tão ruim? Quem – ou o quê – podemos culpar pela ineficiência desenfreada? Suspeito que há muitas maneiras de responder a essa pergunta. Orçamentos reduzidos! Pessoal sobrecarregado e mal pago! Organogramas complicados! Burocracia desumana!

Claro, tudo bem. Mas se eu pudesse reduzir todas essas explicações a uma única causa, se eu pudesse chegar ao problema por trás dos problemas listados acima, seria algo assim: O DMV é o que é devido à sua adesão irrefletida à tradição. Os orçamentos são reduzidos porque sempre foram, o mesmo vale para a equipe mal paga, os organogramas bagunçados e a desumanidade dos burocratas.

Algumas igrejas são assim. Seus órgãos deliberativos ad hoc são chamados… você pode adivinhar? Isso mesmo – departamentos. Alguns pastores que estão lendo isso sentiram um arrepio na espinha.

Eu conheço igrejas que possuem departamentos suficientes para afundar o Titanic. O Departamento das Flores. Departamento do Gramado. O Departamento de Doações. A Sociedade de Hospitalidade. O Departamento de Sociedades – espere, não importa, essa é a SBC.

Muitos desses são corpos benignos que fazem um trabalho genuinamente útil e necessário. Alguém precisa cortar a grama e podar as tulipas, contar o dinheiro e chegar até aos visitantes.

Mas, infelizmente, os departamentos não param por aí: há também o Departamento de Missões, o Departamento de Música, o Departamento de Extensão e Evangelismo, o Departamento de Pessoal (responsável por encontrar, entrevistar e recomendar contratações pastorais), o Departamento de Orçamento, Comissão de Estatuto Social. Eu poderia continuar, mas você entendeu o ponto.

Essa segunda lista de departamentos pode ser constituída por órgãos benignos que realizam trabalhos úteis e necessários. Mas eles também podem ser malignos; podem funcionar como arquipélagos de autoridade, autônomos e desconectados da missão e visão mais amplas da igreja e contra as normas bíblicas.

É difícil imaginar como isso importaria para o Departamento de Cuidados com o gramado. Mas para os Departamento de Missões, Orçamentos, Música e Pessoal, as desvantagens ficam claras.

Os presbíteros querem mover-se para um lado quando se trata de evangelismo; o departamento para outro. Como o último grupo tem autoridade formal para tomar decisões, adivinhe quem ganha?

Ou os presbíteros querem contratar certo tipo de homem para uma nova oportunidade pastoral. Mas no departamento de pessoal – planejado para refletir vários subgrupos minoritários da congregação – todos têm suas próprias opiniões. Alguns concordam com os presbíteros; outros não. O resultado é um candidato de compromisso, à la James Garfield. Todos estão satisfeitos, mas ninguém está satisfeito.

Por que as igrejas DMV são assim? Bem, novamente, suponho que haja muitas respostas possíveis para essa pergunta. Mas eu suspeito que a resposta mais clara é aquela que você já ouviu antes: bem, pastor, sempre foi assim! É a mesma adesão irrefletida à tradição – não tradição bíblica, veja bem, mas (geralmente) tradição batista.

Igrejas DMV e Complementarismo

Como as igrejas do DMV fazem o complementarismo parecer caótico? De algumas maneiras.

Em algumas igrejas, ele dispensa injustamente as mulheres de lugares onde elas poderiam fazer muito bem. Por exemplo, certa vez tive uma longa conversa sobre se uma mulher poderia ser ou não a “chefe” de um Departamento de Hospitalidade, se isso violava ou não a proibição de Paulo, inspirada pelo Espírito, em 1 Timóteo 2.12. Alguns disseram, claro que sim! Paulo diz que as mulheres não devem ensinar ou ter autoridade sobre um homem, e os departamento exercem autoridade – ipso facto, uma mulher não pode ser o chefe de um departamento.

Em outras igrejas, essa mesma estrutura permite o erro oposto. Imprudentemente, impele as mulheres a lugares que não deveriam estar, a papéis e funções que podem acabar violando a ordem de Paulo. Por exemplo, uma mulher atua como chefe de um Departamento de Orçamento e, portanto, ela segura o volante durante todo o processo, que deveria ser dirigido pelos presbíteros. Ou ela é responsável pelo Departamento de Pessoal e, portanto, lidera o caminho para encontrar o próximo pastor. Ou ela escolhe todas as músicas e planeja todos os serviços como parte do Departamento de Música. Nenhuma dessas estruturas necessariamente viola 1 Timóteo 2.12, mas podem violar.

O erro é colocar as mulheres em funções pastorais com deveres pastorais sob o disfarce de “departamentos”. Quero ser claro: nada, isso é um negócio nefasto. Não é um engano secreto. É apenas, novamente, como sempre foi – cristãos felizes oferecendo-se para fazer o que fizeram com alegria no Senhor e com amor pelos santos.

Mas às vezes, como sempre foi, não é como deveria ser. Todos nós precisamos ser lembrados disso.

Depois de ler isso, você não deveria se perguntar: “Bem, espere, a Bíblia diz que as mulheres podem servir como chefes de um departamento?” É uma pergunta sem sentido. É como perguntar: “A Bíblia diz que as mulheres podem servir como o segundo vice-presidente da Convenção Batista de Kentucky?” É um papel inventado com qualificações inventadas.

Em vez disso, a pergunta que você deveria fazer é a seguinte: “Nossa adesão à tomada de decisão tradicional prejudicou a oportunidade das mulheres? Ou talvez tenha empurrado as mulheres para posições que se aproximam das funções pastorais e, portanto, devam ser reservadas para os homens?”

Em ambas as situações – mas de maneiras diferentes e, dependendo das intuições dos tomadores de decisão, o caos vem à tona.

Igrejas Apple Store

Nessas igrejas, as linhas de autoridade parecem caóticas porque, como as Apple Stores, não são claras e nem exatas. Dito de outra forma, elas foram destituídas de escritórios “tradicionais” e “modelos tradicionais” e, portanto, as marcas de uma “igreja” desapareceram – ou pelo menos desfocadas para o segundo plano. “Equipes de liderança” são mais enfatizadas do que os presbíteros; cargos de equipe como “diretor de ministério” são confiados aos que não são pastores, diáconos ou membros regulares da igreja.

O que explica isso? Muitas coisas, eu suspeito. Mas talvez o mais proeminente seja que, nessas igrejas, não é a tradição que está no controle, mas as intuições orientadas pelo mercado. Enquanto as igrejas do DMV olham para o passado em busca de sabedoria e direção, as igrejas Apple Store tendem a olhar para a frente, guiadas e estimuladas pela oportunidade e inovação e pelo espectro constante de crescimento.

Igrejas Apple Store e Complementarismo

Por fora, muitas dessas igrejas parecem imaculadas e bem ajustadas. Na verdade, elas nem mesmo se parecem com uma igreja – e suas estruturas de autoridade também não. Mas uma vez que você entra e vasculha um pouco, você percebe que em muitos casos a clareza bíblica foi borrada.

Não há departamentos, mas sim uma série de empregos e posições igualmente extra-bíblicas. Muitos – talvez a maioria – estejam perfeitamente sincronizados com as Escrituras. Por exemplo, uma igreja é totalmente livre para contratar uma mulher para dedicar seu tempo à liderança de seu ministério de mulheres. Além disso, tal decisão do pessoal pode não apenas ser aceitável, mas ótima – uma maneira de sustentar uma deficiência de longa data na formação de discípulos. Isso foi repetido várias vezes ao longo desta série porque é verdadeiro.

Mas alguns papéis parecem menos claros. Algumas igrejas chamam as mulheres de “pastoras” e não aos “presbíteros”. Algumas podem colocar mulheres em equipes de liderança ou executivas que ocupam o topo do organograma de todos os funcionários; algumas dessas equipes trabalham ao lado dos presbíteros, criando uma espécie de estrutura bicameral de tomada de decisões concorrentes na igreja. Alguns podem contratar mulheres como “diretoras” de vários ministérios que, como na situação do departamento acima, imprudentemente interferem em papéis e funções que deveriam ser reservados aos pastores.

Mais uma vez, o erro é colocar as mulheres em funções pastorais com deveres pastorais. Não há capa e espada aqui também. São apenas igrejas que estão dando o melhor de si para administrar as oportunidades crescentes que o Senhor oferece, e por isso contrataram cristãos felizes e talentosos para trabalhar. (Leia o artigo “A conversa por trás da conversa “de Sam Emadi para mais informações.)

Eu sei eu sei. A imprecisão é muita. Mas isso ocorre porque as igrejas Apple Store são muito diferentes e, mesmo com a melhor das intenções, existem inúmeras maneiras de se afastar dos mandamentos da Bíblia sobre a função de homens e mulheres na igreja.

O que você quer que eu faça sobre isso?

Ok, então qual é a solução? Bem, o objetivo deste artigo é identificar dois contextos eclesiásticos de aparências diferentes, mas igualmente comprometidos, que resultam em caos complementarista. A solução é simples, mas lenta. A solução é, da melhor maneira possível, localizar as estruturas de tomada de decisão da sua igreja nos escritórios bíblicos e ter cuidado para que suas práticas não acabem, acidentalmente, com o que a Bíblia ensina sobre o papel de homens e mulheres na igreja.

Em um nível mais detalhado, aqui estão algumas recomendações.

  1. Descubra o que você pensa que a Bíblia ensina sobre a identidade e a descrição do trabalho dos pastores / presbíteros.

Sim, eles tem o mesmo ofício. Não os divida – fazer isso é dar o primeiro passo em um lago congelado no final do inverno.

Quer seja um trabalho em tempo integral, assalariado ou uma posição de “departamento” voluntário, se algo requer a função e a descrição do trabalho de um presbítero – isto é, liderar a igreja e ensinar a Palavra – então, quase certamente, é melhor reservar isso para um homem, seja lá como você chama a posição.

  1. Descubra o que você acha que a Bíblia ensina sobre a descrição do trabalho dos diáconos.

O que os diáconos fazem? As mulheres podem ser diaconisas? (Alguns dizem que sim; outros dizem que não). Como eles atuam em relação aos presbíteros? Em relação a cada um? Todas essas são perguntas necessárias.

Estou convencido de que muito desse caos complementarista poderia ser aliviado por um entendimento bíblico mais amplo, profundo e francamente mais rigoroso do ministério diaconal. Em vez de departamentos com tarefas específicas, talvez devesse considerar diáconos com tarefas específicas. Isso pode ajudar muito a esclarecer as funções e evitar conversas desnecessárias sobre quem pode fazer o quê.

  1. Falando em departamentos, mate-os – ou pelo menos esclareça seus papéis.

O problema com os departamentos não é que eles existam, mas que sua existência, às vezes, se torna essencial para a vida e a saúde de uma igreja. Como resultado, essa coisa extra-bíblica sobe ao nível de mandato bíblico.

Mas, ao contrário do presbítero e do diácono, podemos folhear o Antigo Testamento, os apócrifos e o Novo Testamento o dia todo, e nunca encontraremos uma única palavra de conselho inspirada pelo Espírito – nem uma qualificação, nem uma descrição implícita de trabalho, nem mesmo um aceno sancionado para sua existência. E então inventamos tudo, o que não é necessariamente ruim. Nós inventamos coisas o tempo todo, mas não devemos colocar um adesivo de “Obviamente, bom” em todas as coisas que inventamos.

Se você decidir manter os departamentos, mantenha-os com alguma flexibilidade e certifique-se de que seu trabalho não se desvie para o trabalho pastoral.

Conclusão

O objetivo desta série é ajudar os cristãos a lidar com o que chamamos de um momento de ajuste de contas para os complementaristas. Estamos convencidos de que este momento chegou não porque estejamos principalmente confusos sobre o complementarismo (embora alguns de fato estejam), mas porque estamos confusos sobre a eclesiologia. Como resultado, intuições eclesiológicas confusas e conflitantes empurram os autoproclamados complementaristas em determinadas direções – direções que encalham certas práticas complementaristas.

Resolvemos esse problema não fazendo perguntas como “As mulheres podem pregar?” mas refazendo as ligações de nossas intuições e reconstruindo nossas estruturas de tomada de decisão a partir do zero.

Por: Alex Duke. © 9Marks. Website: 9marks.org. Traduzido com permissão. Fonte: On Apple Stores and the DMV: Two Kinds of Churches that Create Complementarian Chaos.

Original: Nas Apple Stores e no DMV: dois tipos de igrejas que criam o caos complementarista. © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados. Tradução: Paulo Reiss Junior. Revisão: Filipe Castelo Branco.