Meus top 10 livros lidos em 2020

O ano de 2020 foi um ano atípico para a maioria de nós, habitantes do planeta terra. Isso porque fomos afetados por um vírus que perturbou não apenas nós brasileiros, mas todos os seres humanos em níveis distintos. Uma das dificuldades que muitas pessoas demonstraram em meio à essa conjuntura foi a falta de concentração, sem falar nos sentimentos de medo, ansiedade e desespero gerados por uma conjuntura global que pegou a todos de surpresa.

Será que a crise atual afetou o hábito de leitura das pessoas? É difícil dizer. Na minha experiência pessoal, a reclusão compulsória inicial nos meses de março a maio me perturbou bastante e comprometeram significativamente minha concentração. Com o passar dos meses, entretanto, fui retomando o hábito de ler e posso dizer que, graças a Deus, estou curado e lendo até mais do que costumava antes.

Por sugestão de alguns colegas, decidi publicar os 10 livros que mais me marcaram neste ano tão disruptivo. A lista é aleatória – sem ordem de excelência – e reflete aquilo que considero as minhas melhores leituras do ano – todas na área da teologia, exceto a primeira.

1. The righteous mind: why good people are divided by politics and religion. New York: Pantheon Books, 2012. Autor: Jonathan Haidt

Uma das primeiras leituras do ano – e talvez uma das mais instigantes – foi a do psicólogo social estadunidense Jonathan Haidt. No livro ele investiga a história e desenvolvimento humano a fim de nos ajudar a entender as condições morais da cultura ocidental, especialmente condensadas na sua teoria dos fundamentos morais. Haidt observa que o ser humano é fundamentalmente intuitivo e não tão racional quanto assim. Consequentemente, se queremos persuadir pessoas politica e religiosamente a respeito das nossas ideias, precisamos entender melhor como funcionam seus sentimentos.

2. E Deus falou na língua dos homens: uma introdução à Bíblia. São Paulo: Editora Thomas Nelson Brasil, 2020. Autor: Paulo Won

Amigo pessoal e colega de docência, Paulo Won fez uma contribuição significativa para a literatura teológica brasileira em sua introdução à Bíblia. Tive o privilégio de ler o livro antes de ser publicado e escrever um endosso à obra. O leitor será grandemente enriquecido pela obra em pelo menos três maneiras: 1. Conhecerá mais sobre a natureza da Bíblia; 2. Mergulhará profundamente na formação do texto bíblico do Antigo e Novo Testamentos; e 3. Descobrirá quais são os princípios para interpretar a Bíblia. Sem dúvidas, um livro que condensa em um só volume os insights principais dos melhores livros de hermenêutica publicados em anos recentes. Destaque para o capítulo 8, onde Won faz um belíssimo trabalho de nos explicar o que foi o período intertestamentário e desmistificar algumas crenças infundadas do período.

3. Christian dogmatics: an Introduction. Grand Rapids: Eerdmans, 2017. Autores: Cornelis van der Kooi e Gijsbert van den Brink

Como doutorando na área de teologia sistemática, eu sempre procuro me atualizar a respeito das novas contribuições que vem sendo publicadas neste campo. Dentre as teologias sistemáticas que cruzaram meu caminho em 2020, sem dúvidas, Christian dogmatics foi a melhor descoberta. Quatro são os fatores mais marcantes da obra. Primeiro, sua linguagem clara, acessível e ao mesmo tempo técnica. Segundo, o profundo apreço dos autores pela tradição cristã e pela história da doutrina. Terceiro, os autores escrevem a partir de uma perspectiva reformada holandesa, mas dialogam com várias tradições cristãs, reconhecendo suas forças e fraquezas. Quarto, o livro é oferece uma introdução criteriosa das principais linhas teológicas na academia e onde e como os autores navegam por esses mares recentes.

4. The desire of the nations: rediscovering the roots of political theology. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. Autor: Oliver O’Donovan

Uma joia rara dessas não estar em língua portuguesa é um pecado! Nesta obra O’Donovan apresenta, talvez, a mais fina articulação já escrita sobre as raízes da teologia política cristã. O livro me convenceu da necessidade e viabilidade de construir uma robusta teologia política cristã baseada na ideia de que Deus reina, estruturada a partir de uma rica exegese do AT e NT. O livro também argumenta poderosamente em favor de uma recuperação crítica da cristandade para obtermos uma melhor compreensão do objetivo da teologia política em face da atual ignorância e desconexão entre teologia e política.

5. On Education. Bellingham: Lexham Press, 2019. Autor: Abraham Kuyper

Os estudiosos concordam que as conquistas mais notáveis da administração de Abraham Kuyper como político ocorreram na esfera educacional. Kuyper acreditava que as reformas educacionais eram necessárias para quebrar o monopólio educacional secular unilateral de sua época e para criar espaço para que aqueles com uma visão de mundo diferente ocupassem seus lugares na sociedade. Nesta coleção de escritos de Kuyper editada magistralmente por Wendy Naylor, nós podemos desfrutar um pouco da retórica kuyperiana e sua luta pela reestruturação radical do sistema escolar holandês com base no princípio da liberdade religiosa.

6. Reformed theology and evolutionary theory. Grand Rapids: Eerdmans, 2020. Autor: Gijsbert van den Brink

Já é a segunda vez que o Prof. G. van den Brink aparece na minha lista. Devido às suas recentes contribuições para o diálogo entre teologia e ciência, considero ele o autor que mais precisa ser conhecido no Brasil a respeito do tema. Como herdeiro da tradição kuyperiana da Vrije Universiteit Amsterdam, van den Brink continua o legado de seu fundador denunciando o potencial religioso e dogmático da pseudociência. Por outro lado, em linha com os principais teólogos e filósofos neo-calvinistas da VU, van den Brink acredita que a teoria evolucionária se sustenta epistemicamente “para além de dúvida razoável” como a melhor explicação para o aparecimento histórico de formas de vida complexas. Na minha opinião, Reformed theology and evolutionary theory é a melhor tentativa até o momento de harmonizar ou recontextualizar os fundamentos inegociáveis da ortodoxia cristã em uma estrutura criacionista-evolucionária.

7. Against God and Nature: The Doctrine of Sin. Wheaton: Crossway, 2019. Autor: Thomas McCall

A maioria dos intelectuais americanos – inclusive alguns teólogos – acredita que o conceito de pecado já deu o que tinha que dar. Mas não para o meu colega Thomas McCall (recebeu seu PhD em teologia no Calvin Theological Seminary há alguns anos atrás). Nesta obra ele faz algo inédito na história da doutrina do pecado: ele analisa a doutrina sob vários ângulos ao mesmo tempo, isto é, lançando mão da teologia bíblica, sistemática, teoria analítico e tudo isso num tom pastoral impressionante. A principal tese do livro é a de que pecado não é uma ideia abstrata, ou simplesmente uma quebra de regras, mas uma ruptura relacional com resultados desastrosos entre os seres humanos e Deus.

8. Calvin. New Haven: Yale University Press, 2009. Autor: Bruce Gordon

Não é atoa que a biografia de João Calvino escrita pelo historiador Bruce Gordon é considerada a melhor já escrita. Nela, Gordon captura a complexidade pessoal do próprio Calvino e a do mundo do século XVI de forma meticulosa. Diferente de outras biografias tão carregadas de ressentimento – e pouco compromisso historiográfico – pelas possíveis manchas na história do reformador francês, o trabalho de Gordon situa Calvino e suas batalhas pessoais e teológicas de forma cuidadosa e sem animosidade. Uma obra imprescindível para compreendermos as variadas faces de Calvino como exilado, reformador inspirador e a figura dominante da Reforma Protestante.

9. Calvin’s Political Theology and the Public Engagement of the Church: Christ’s Two Kingdoms. Cambridge: Cambridge University Press, 2017. Autor: Matthew J. Tuininga

Ainda sobre estudos impecáveis sobre o pensamento de João Calvino, destaco a obra exemplar do meu professor e amigo Matthew Tuininga. Matt é o atual professor de teologia moral do Calvin Seminary e este livro é a publicação de sua tese de doutorado, a qual trata de um dos tópicos mais polêmicos da atual pesquisa sobre a teologia política de Calvino: a doutrina dos dois reinos. Ele defende que a teoria dos dois reinos é melhor compreendida em Calvino à luz da noção temporal de “duas eras”, isto é, pela distinção entre o reino eterno de Cristo e o senhorio de Cristo sobre os assuntos temporais desta vida. Para ele, tal distinção levou Calvino a conceber a política não como um meio de transformar a sociedade no reino de Deus, mas como um esforço para garantir a ordem temporal e a justiça civil de acordo com a razão, a lei natural e as virtudes de caridade e prudência. Em outras palavras, embora a natureza última do reino eterno não permita nenhum acordo com o mal, o caráter penúltimo da política temporal exige padrões de justiça apropriados para seres humanos pecadores em um mundo decaído.

O valor dessa pesquisa é difícil condensar em poucas palavras; o leitor terá que relatar isso por conta própria. A obra desmonta o retrato revolucionário que tem sido construído em torno da pessoa e práxis de Calvino – como um ativista político, por exemplo – e apresenta de forma incontestável como a teologia dos dois reinos era o princípio organizador da teologia política do reformador de Genebra. Ninguém poderá mais falar sobre o pensamento político de Calvino sem consultar essa obra antes!

10. O problema da pobreza. São Paulo: Thomas Nelson Brasil, 2020. Autor: Abraham Kuyper

Abraham Kuyper mais uma vez! O último livro desta lista volta no tempo, especificamente à 1891, no primeiro Congresso Social Cristão na Holanda, onde Kuyper discursou longamente sobre “A Questão Social e a Religião Cristã”. Como característica de sua crítica cultural, Kuyper faz um diagnóstico da pobreza não apenas como uma questão social, mas também com raízes espirituais profundas relativas à pecaminosidade humana. A partir daí, Kuyper levanta brilhantemente às limitações tanto do socialismo quanto da atomização social como soluções para o problema. Conversamente, ele sugere que a solução da pobreza passa pelo reconhecimento da soberania de Deus e o consequente funcionamento orgânico das demais esferas soberanas dentro do tecido social, particularmente da cooperação entre as famílias, igrejas, estado e demais instituições civis. Parabéns à Thomas Nelson pelo esforço de trazer mais de Kuyper – neste caso específico direto do holandês! – para a língua portuguesa.