Um blog do Ministério Fiel
O dom do Entretenimento
Inúmeros livros foram escritos para alertar sobre os males que nos cercam em nossa cultura voltada para o entretenimento. O sociólogo francês Jacques Ellul fez a seguinte observação sobre um perigo que acompanha o cinema e a televisão: “As pessoas vão ao cinema para escapar e consequentemente ceder às pressões. Elas encontram o esquecimento, e no esquecimento a liberdade doce que não encontram no trabalho ou em casa. Elas vivem na tela uma vida que nunca viverão de fato” (The Technological Society). É bom prestarmos atenção a esse aviso. No entanto, é igualmente bom entender que Deus nos deu inúmeras formas de entretenimento pelas quais podemos glorificá-Lo e desfrutá-lo.
Um uso adequado do entretenimento certamente envolve a análise de cosmovisões, apreciando elementos de beleza e criatividade e reconhecendo reflexos da verdade. Também envolve a compreensão de que o entretenimento é parte do descanso de nosso trabalho, que Deus deseja que desfrutemos. Incorporar uma quantidade apropriada de entretenimento lícito em nosso descanso significa fazê-lo de acordo com as Escrituras a fim de trazer glória a Deus. Embora a Bíblia não nos dê muitas declarações explícitas sobre como os crentes devem ver o entretenimento, há muito que podemos extrair das Escrituras por meio de boas e necessárias consequências.
Antes de considerar o ensino bíblico sobre o dom do entretenimento, é imperativo que estabeleçamos uma definição prática com a qual possamos concordar. Podemos definir entretenimento como “uma atividade que proporciona alegrai, diversão ou prazer, especialmente uma atividade de algum tipo”. A palavra entretenimento é derivada de uma raiz latina que carrega a ideia de “manter íntegro”. O entretenimento lícito visa apoiar um indivíduo, dando-lhe alegria e prazer em algum tipo de atividade.
À ideia de apoio devemos emparelhar a ideia de descanso. O descanso é um componente vital de nossa condição de criaturas. Parar de trabalhar para descansar ajuda a nos manter estruturados. A preocupação da sociedade com o entretenimento é um indicador de que homens e mulheres buscam descanso do fardo de seu trabalho. Embora o uso excessivo de entretenimento seja idólatra (assim como o trabalho excessivo é idólatra), o entretenimento serve ao propósito de aliviar nossa mente e corpo do fardo do trabalho contínuo neste mundo decaído. É um dom da graça comum de Deus aos pecadores caídos. O princípio mais importante a lembrar, quando abordamos este assunto é o que o apóstolo Paulo expõe em 1 Coríntios 10.31: “Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus.” Se não podemos nos envolver em uma atividade divertida de maneira a glorificar a Deus, então isso é ilegal; e, por meio de contrastes, se pudermos, então estamos justificados em vê-lo como um dom da graça comum de Deus.
Isso, é claro, levanta a questão: “A Escritura tem algo a dizer especificamente sobre o dom do entretenimento?” Em uma carta sobre a relação entre o Cristianismo e a cultura, C.S. Lewis deu o que ele entendeu ser uma justificativa bíblica para o prazer do entretenimento:
“Encontrei algumas passagens [bíblicas] que poderiam ser interpretadas em um sentido mais favorável à cultura. . .. Os talentos da parábola poderiam incluir “talentos” no sentido moderno da palavra. . .. O milagre em Caná da Galileia pela santificação de um prazer inocente, sensual, poderia ser usado para santificar pelo menos um uso recreativo da cultura – mero “entretenimento”; e que o prazer estético da natureza era, certamente santificado pelo louvor de nosso Senhor aos lírios”.
Independentemente de saber se alguém está convencido pelas passagens às quais Lewis recorreu, a Escritura dá amplo apoio a uma série de formas de entretenimento. O papel que a música, a dança, a arte, os esportes e a literatura desempenham em nossa busca por alegria e descanso são encontrados nos detalhes sobre a vida de Davi e Salomão, bem como nas ilustrações apostólicas tiradas dos mundos atlético, artístico e literário.
Martinho Lutero disse a famosa frase: “A apresentação musical é o principal entretenimento que Deus graciosamente nos deu para desfrutar nesta vida.” Isso fica evidente ao se considerar a vida de Davi e Salomão. Em suas últimas palavras, Davi se referiu a si mesmo como “o doce salmista de Israel” (2Sm 23.1). Sem dúvida, enquanto Davi estava no campo cuidando de seu rebanho quando menino, ele compunha canções em sua harpa e lira – talvez até mesmo algumas das grandes canções das Escrituras (por exemplo, considere o Salmo 23). Quando um espírito maligno desceu sobre o rei Saul, os servos do rei chamaram Davi para tocar melodias suaves para o rei (1Sm 16.16). Quando a bênção de Deus repousou na apresentação musical de Davi, o espírito maligno se afastou de Saul (v.23). Quando Davi fugiu de Saul e morava entre os filisteus em Gate (cap. 27), ele ouviu e aprendeu a música dos filisteus. O título do Salmo 8 indica que ele comissionou os instrumentos de Gate para serem usados em Israel. O dom da música é ainda mais revelado quando as Escrituras dizem: “Deu também Deus a Salomão sabedoria, grandíssimo entendimento … e foram os seus cânticos mil e cinco.” (1Rs 4. 29,32). Associado ao dom da música está o dom da dança. Depois que Davi voltou a Israel com a arca da aliança, ele “dançava com todas as suas forças diante do SENHOR” (2Sm 6.14). Além disso, a Escritura alude à bênção da dança na literatura sapiencial de Salomão. Em Eclesiastes 3.4, lemos: “tempo de chorar e tempo de rir; tempo de prantear e tempo de saltar de alegria”.
Quando nos voltamos para o Novo Testamento, encontramos suporte bíblico para a legitimidade do desempenho atlético. Ao ilustrar a vida cristã, os escritores do Novo Testamento apelaram para a corrida (Hb 12.1), o boxe (1Co 9.26), luta livre (Ef 6.12) e corridas de carruagem. Eles admiravam a competitividade (1Co 9.24), o treinamento (v.25; 1Tm 4.7-8), a obstinação (1Co 9.26), abnegação (v.27), perseverança (Hb 12.1) e resistência (1Tm 4.8) dos atletas. Ao fazer isso, eles valorizaram o desempenho atlético, embora menos do que a busca pela santidade (1Tm 4.8).
O ensino bíblico sobre obras de arte é igualmente importante. Deus equipou e empregou artesãos habilidosos na construção do tabernáculo (Êx 35.1-5, 35) e do templo (1Rs 6.4). Além disso, Jeremias e Paulo utilizaram a ilustração do oleiro e do barro (Jr 18.1-19.11; Rm 9.21) para destacar a soberania de Deus na salvação e condenação dos pecadores. A beleza e a criatividade das obras de arte são um reflexo da beleza e da criatividade do próprio Deus. A partir disso, vemos que a mídia artística pertence à ordem mais alta do entretenimento cultural.
Além de música, dança e arte, Deus nos deu uma diversidade de gêneros literários para nos revelar Cristo – gêneros familiares aos autores humanos que ele escolheu para supervisionar na composição de sua Palavra. O emprego apostólico de poesia extrabíblica (At 17.28), filosofia (1Co 15.33) e narrativa ficcional / apocalíptica (Jd 1.9, 14) na escrita da Palavra de Deus nos ensina, por implicação, que a literatura tem um papel importante a desempenhar em nossas vidas. Lewis explicou que há um sentido apropriado no qual devemos ver a literatura como entretenimento. Ele escreveu:
“Grande parte (não toda) de nossa literatura foi feita para ser lida levemente, para entretenimento. Se não a lermos, em certo sentido, “por diversão” . . . não a estamos usando como deveríamos, e todas as nossas críticas a ela serão pura ilusão. Pois você não pode julgar qualquer artefato, exceto usando-o para o que ele foi planejado.
Quando voltamos nossa atenção para o cinema e a televisão, estamos lidando com um amálgama de arte e literatura. Amo ler não ficção, mas adoro assistir ficção. Acho imensamente mais repousante assistir a uma narrativa fictícia bem roteirizada do que ler a mesma em versão impressa. Qualquer que seja a preferência de alguém, devemos concluir que a cinematografia também é um dos bons dons de entretenimento de Deus.
Nosso Deus nos deu uma vasta gama de entretenimento, pelo qual podemos experimentar alegria e descanso. Embora seja possível nos envolvermos no uso imoral ou idólatra de entretenimento, não devemos descartar o fato de que o entretenimento em si não é pecaminoso. Cristo morreu para nos perdoar a culpa de nosso uso pecaminoso de entretenimento e para nos capacitar a desfrutá-lo para a glória de Deus. Como Lewis notou com propriedade, “Os homens devem glorificar a Deus fazendo para a sua glória algo que não é per se um ato de glorificação, mas que se torna em um por ser assim oferecido”.