O perigo do entretenimento

“Aqui estamos nós agora! Divirta-nos!” Quando Kurt Cobain gritou essas letras durante a gravação de “Smells Like Teen Spirit” do álbum Nevermind do Nirvana, de 1991, ele podia não saber que estava declarando o lema de toda uma cultura. Se ele não sabia disso na época, provavelmente ficou mais claro quando o álbum vendeu mais de trinta milhões de cópias em todo o mundo e a própria música se tornou um hino para uma geração inteira de jovens entediados e cínicos.

Quando digo que essas letras são o mote de toda uma cultura, quero dizer que vivemos em meio a uma cultura que exige entretenimento constante, diversão constante. É o mundo em que vivemos como cristãos. Dada essa realidade, há alguns perigos dos quais devemos estar cientes se quisermos ser seguidores fiéis de Cristo – no mundo, mas não do mundo?

Outros artigos nesta edição do Tabletalk indicam que devemos ter cuidado para evitar condenações generalizadas legalistas. Não há nenhum capítulo ou versículo na Bíblia que nos diga se temos permissão, como cristãos, de jogar damas, assistir a uma sinfonia, assistir a um jogo de beisebol ou jogar Madden NFL 17 no Xbox ou PlayStation. Não há nada na lei de Moisés, nos Profetas, nos Salmos ou no Novo Testamento que relacione os perigos das formas específicas de entretenimento que encontramos diariamente no século XXI. Nem Moisés nem Jesus disseram nada sobre Pokémon Go. (Não acredita em mim? Vá olhar.) Ao considerar os perigos do entretenimento, portanto, devemos usar a sabedoria. Isso significa que devemos entender alguns princípios bíblicos básicos e aprender como aplicá-los às questões não tratadas especificamente nas Escrituras.

Existem numerosas passagens das Escrituras que nos fornecem alguns princípios gerais que podemos considerar ao pensar sobre os perigos potenciais associados ao entretenimento. Um dos mais básicos desses princípios é encontrado na primeira epístola de Paulo aos Coríntios. Paulo escreve: “Portanto, quer comais quer bebais, ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para glória de Deus” (1Co 10.31). “façais outra coisa qualquer” inclui entretenimento. A bem conhecida primeira pergunta e resposta do Breve Catecismo de Westminster expressa esse mesmo princípio básico de uma maneira memorável: “P: Qual é o objetivo principal do homem? R: O objetivo principal do homem é glorificar a Deus e desfrutá-lo para sempre.” Uma das primeiras perguntas que devemos fazer honestamente sobre qualquer forma potencial de entretenimento é se podemos desfrutá-lo para a glória de Deus.

Paulo também nos fornece um segundo princípio fundamental em 1 Coríntios 8, quando nos exorta a não fazer nada que sabemos que fará com que um irmão ou irmã tropece (vv. 7-13). Existem atividades que, embora não sejam pecaminosas por si mesmas, podem se tornar pecaminosas se as abordamos de uma forma que não demonstre amor por nossos irmãos e irmãs em Cristo. O amor a Deus e ao próximo deve ter prioridade sobre o amor ao entretenimento. Isso significa que uma segunda pergunta, que devemos fazer, é se o envolvimento em uma determinada forma de entretenimento fará com que um irmão ou irmã tropece.

Se mantivermos esses dois princípios básicos em mente, várias perguntas serão respondidas antes de serem feitas. Se uma forma de entretenimento é definida como pecado pelas Escrituras, obviamente, não podemos nos envolver nela para a glória de Deus. Os pecados sexuais, por exemplo, não glorificam a Deus, quer estejamos nós próprios envolvidos neles, quer os assistamos ou leiamos na forma de pornografia. Envolver-se em pecados como uma forma de “entretenimento” mostra falta de amor a Deus e às outras pessoas.

O amor a Deus e o amor ao próximo fornecem dois princípios amplos e gerais que nos permitem ver as principais zonas de perigo. No entanto, existem perigos específicos dos quais devemos estar cientes? Em geral, é bom saber se você está viajando por uma área onde existem criaturas perigosas. Também é bom saber mais especificamente que há uma cascavel atrás do tronco que você está prestes a pisar. Para nos prepararmos para navegar neste terreno, vejamos quatro perigos específicos associados ao entretenimento.

O perigo da idolatria

O perigo mais sério representado pelas várias formas de entretenimento é a possibilidade de permitirmos que se tornem ídolos em nossas vidas. Nosso objetivo principal é glorificar a Deus. Quando qualquer forma de entretenimento se torna o objetivo principal em nossa vida, ela se torna um ídolo. Nossa cultura idolatra os artistas. (Tínhamos até um programa de televisão chamado American Idol.) Idolatramos times e jogadores esportivos. Idolatramos nossas estrelas de cinema e músicos favoritos. Existem muitos cristãos professos que podem lhe dizer mais sobre seus times favoritos de beisebol, futebol ou basquete do que sobre a Bíblia ou teologia cristã básica. Idolatrar nossa forma favorita de entretenimento, seja ela qual for, é um sério perigo contra o qual devemos nos proteger.

O perigo do mundo

Outro perigo sério associado a muitas formas de entretenimento é o perigo do mundanismo. Tiago nos diz: “Infiéis, não compreendeis que a amizade do mundo é inimiga de Deus? Aquele, pois, que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus.” (Tg 4.4). Como cristãos, devemos estar cientes de que muito do que é produzido para nos entreter é produzido por pessoas com visões de mundo que são opostas ao cristianismo.

Além disso, aqueles que o produzem desejam incutir seus valores e, até agora, têm tido muito sucesso em fazê-lo. Muito do que é produzido para exibição na televisão e no cinema e muito do que é produzido liricamente em formas populares de música é claramente depravado. Cada forma de pensamento e comportamento que odeia a Deus, da blasfêmia à perversão sexual, é glorificada, e nós, como cristãos, assistimos ou ouvimos isso hora após hora após hora. E então nos perguntamos por que há tão pouca diferença perceptível entre o pensamento e o comportamento de cristãos e não-cristãos.

Não apenas permitimos que a indústria do entretenimento capturasse nossos pensamentos, mas também a pagamos para isso. Em vez de pagar aos que odeiam a Deus para moldar nossa mente, precisamos ponderar as palavras de Davi: “Portas adentro, em minha casa, terei coração sincero. Não porei coisa injusta diante dos meus olhos” (Sl 101.2-3). Precisamos também meditar sobre estas palavras de Paulo: “Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento.” (Fp 4.8). As coisas que colocamos diante de nossos olhos (e ouvidos) são verdadeiras, puras e dignas de louvor? Ou são inúteis?

O perigo da adoração como entretenimento

Em seu livro Amusing Ourselves to Death (Divertindo-nos até à morte), Neil Postman explorou as formas pelas quais a televisão afetou tudo, da política à educação, do jornalismo ao culto. A mudança de uma cultura baseada na palavra para uma cultura baseada na imagem transformou tudo em entretenimento. Infelizmente, testemunhamos as consequências da constante demanda por entretenimento na forma como muitas igrejas tentaram fazer com que a adoração se conformasse com essa mudança. Isso resultou na troca da adoração centrada em Deus pela adoração centrada no homem. O perigo aqui é real. Nem todas as igrejas chegaram ao extremo de ter clérigos e leigos vestidos de palhaços para a celebração da Ceia do Senhor (alguns realmente fizeram isso), mas muitas igrejas, às vezes, capitularam à demanda por entretenimento de outras maneiras, e tudo, desde as orações e música aos sacramentos e sermões, foi afetado. Alguns cultos de adoração têm mais em comum com shows da Broadway ou concertos de rock do que com qualquer coisa encontrada nas Escrituras.

Se nossa adoração é bíblica, entretanto, não deve ser centrada no homem, mas em Deus. Jesus disse: “Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade.” (Jo 4.24). Isso não pode ocorrer se a principal preocupação for divertir aqueles cujas células cerebrais e períodos de atenção foram aniquilados por uma dieta constante de Keeping Up with the Kardashians. Quando tentamos tornar a adoração divertida ou entretenimento, estamos mostrando ao mundo inteiro que nosso Deus não deve ser levado a sério. Isso é blasfêmia ou algo muito próximo disso.

O perigo de distração

Um quarto perigo associado ao entretenimento é a maneira como ele pode causar impacto prejudicial em outras áreas de nossas vidas. Nossa demanda por entretenimento incessante pode facilmente nos distrair de coisas mais importantes. Você já esteve no meio de um culto de adoração e se pegou jogando um jogo no seu smartphone? Você já foi um aluno que falhou em uma tarefa importante ou perdeu uma aula porque você e seus amigos ficaram acordados até as quatro horas da manhã jogando Halo em vez de estudar ou dormir? Você já foi um funcionário que foi repreendido por seu chefe, ou demitido, porque estava verificando as estatísticas esportivas do seu time de futebol, em vez de fazer seu trabalho? Isso é um perigo real.

Como cristãos, podemos desfrutar os bons dons de Deus, até mesmo os bons dons musicais, de narração de histórias e de esportes que ele deu a outros, mas esses bons dons não são o maior dom e nunca devem se tornar o nosso principal objetivo na vida. Se quisermos ser seguidores fiéis e sábios de Jesus Cristo, devemos estar constantemente em guarda contra as maneiras pelas quais os inimigos de Cristo (o mundo, a carne e o diabo) procuram nos causar danos.

Em “A guerra dos espetáculos”, Tony Reinke abordará os diferentes espetáculos aos quais estamos expostos diariamente, orientando-nos a como direcionar nossa atenção ao Espetáculo Supremo.

Confira

 

 

 

Por: Keith A. Mathison. © Ligonier Ministries. Website: ligonier.org. Traduzido com permissão. Fonte: The Danger of Entertainment.

Original: O perigo do entretenimento. © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados. Tradução: Paulo Reiss Junior. Revisão: Filipe Castelo Branco.