Um blog do Ministério Fiel
Oito princípios para uma pregação fiel entre os pobres
Sou um indivíduo de classe média que trabalha e prega em uma comunidade habitacional carente. Costumo ouvir o seguinte de outros pregadores de classe média: Como faço para me comunicar ou pregar em uma comunidade carente? Tenho que mudar as coisas para pregar em uma cultura não alfabetizada? Eu tenho que emburrecer as coisas? Eu tenho que encurtar meus sermões? Como alguém prepara um sermão quando está tentando entrar na comunidade e passar um tempo com os descrentes?
Deixe-me começar dando uma definição de pregação, para que estejamos todos na mesma página: Pregar é o ato de anunciar a verdade da Palavra de Deus. É trabalhar o que Deus está dizendo por meio de sua Palavra e comunicar isso ao seu povo como seu mensageiro autorizado. Dada essa definição, nós da Niddrie Community Church acreditamos na pregação expositiva. É aqui que tornamos o ponto principal da passagem da Bíblia o ponto principal do sermão. Simples assim. Temos a tendência de pregar através dos livros da Bíblia sistematicamente – indo versículo por versículo, passagem por passagem.
Isso significa que nossa pregação em Niddrie ocupa a maior parte do culto de domingo. Dependendo do texto, pregamos por cerca de 30 a 45 minutos. As pessoas às vezes ficam chocadas por pregarmos por tanto tempo em uma comunidade carente, mas, ao contrário da opinião popular, nosso povo ama isso. Eles ouvem atentamente. Afinal, esta é a única vez, durante a semana, em que temos pessoas – tanto a nossa congregação quanto os descrentes da comunidade – nos dão atenção total. Queremos preenchê-los com a Palavra de Deus e não com qualquer outra coisa.
O problema é o seguinte: não acho que o problema nas áreas mais pobres se refira à duração do sermão, mas sim a como lidamos e comunicamos a Palavra de Deus. Com isso em mente, aqui estão oito princípios para a pregação fiel em uma comunidade carente.
1. Linguagem
Um princípio fundamental que aprendi sobre a pregação em uma comunidade carente é usar uma linguagem que as pessoas possam entender. Essa é a arte da boa pregação. Às vezes, os pregadores/professores da Bíblia presumem que, porque alguém abandonou a escola, não consegue ler bem, ou até seja completamente analfabeto e consiga assimilar as grandes verdades da Bíblia. Mas isso simplesmente não é verdade.
Pessoas de comunidades carentes não são estúpidas. Elas simplesmente não conhecem a linguagem da Bíblia e não estão familiarizadas com a linguagem teológica usada por muitos cristãos. Isso não significa que, quando falamos de palavras como propiciação, justificação, glorificação, santificação ou mesmo Trindade, devemos ignorá-las ou encobri-las. Usamos essas palavras e devemos ensinar às pessoas essas grandes verdades definindo o que significam.
Por exemplo, se estou pregando sobre Romanos 3, explicarei a palavra justificação dizendo: “Justificação é provavelmente uma palavra que nunca ouvimos antes, mas significa simplesmente ser declarado justo aos olhos de Deus.” Depois de defini-la claramente, vou explicar o que ela significa e por que é importante. E quando se trata de justificação, na verdade é uma palavra simples de se ilustrar, porque podemos usar as imagens de um tribunal, com as quais muitos dos que moram nessas comunidades estão familiarizados.
O mesmo se aplica à linguagem que encontramos nos comentários. O problema com muitos sermões reformados é que os pregadores têm “vivido” em comentários e livros teológicos durante toda a semana, e então eles começam a soar como eles. Eles usam palavras ou frases teológicas muito longas que simplesmente passam por cima da cabeça de nosso povo. Ao pregar, precisamos usar a linguagem das pessoas que estão à nossa frente.
Por exemplo, aqui está uma linha de um comentário de Stott sobre Efésios: “A influência deles é generalizada. As pessoas tendem a não ter opinião própria, mas a se render à cultura pop da televisão e das revistas de luxo.” Um pregador de classe média pode entender o que isso significa e pode até ser capaz de citá-lo para sua congregação. Mas se você trouxer algo assim, no domingo, a uma comunidade carente, então você vai passar direto pelas pessoas.
Então, eu diria algo como: “Como humanos, pensamos que somos livres, mas não somos. A televisão e as redes sociais têm domínio sobre nós.” Eu disse a mesma coisa, mas sem a linguagem complexa. Isso se aplica a todos os ministérios. Devemos nos esforçar para usar uma linguagem que as pessoas em nosso contexto entendam. É possível dizer coisas simplesmente sem ser simplista. Devemos simplificar, não emburrecer. Isso é fundamental para qualquer bom ensino.
2. Ilustração
Uma área na qual, em geral, muitos pregadores lutam é a ilustração. Isso se deve em parte à experiência de vida, mas também ao fato de que não passamos muito tempo pensando intencionalmente sobre isso. Mas considere como Jesus se comunicou. Ele usou ilustrações e parábolas para ajudar a ensinar grandes verdades teológicas. Elas tiveram um impacto positivo porque ele usou a linguagem do dia a dia para ilustrar seus pontos de vista. Precisamos fazer o mesmo.
Thomas Guthrie disse que o uso de ilustrações transformou sua pregação. Ele relata que em seu primeiro pastorado ele pregou com o coração, mas descobriu que as pessoas simplesmente perdiam o fio da meada. Mas quando ele usava uma ilustração, seus ouvintes de repente se sintonizavam. Um recurso que me ajudou em minha pregação é um livro chamado Expository Preaching with Word Pictures, de Jack Hughes. Hughes ajuda os pregadores a desenvolver uma cultura de pensamento por meio de como ilustrar sermões.
O importante em comunidades carentes é usar imagens com as quais as pessoas possam se identificar. Lembro-me de quando comecei a pregar em Niddrie e queria ilustrar a graça de Efésios 2. Então, em minha ingenuidade de classe média, contei a história de Os miseráveis – onde o personagem principal Jean Val Jean rouba dois castiçais do padre. Jean Val Jean é preso, mas o padre diz à polícia que eles foram um presente para ele e que ele está livre para ir.
É uma bela história, mas nossos rapazes ficaram tipo: Os miseráveis? O que é isso? John Val quem? A ilustração foi completamente inútil para eles. Se eu tivesse contado uma história de Eastenders (uma novela popular do Reino Unido), eles poderiam ter entendido um pouco mais sobre o que eu estava tentando comunicar. Mas minha ingenuidade cultural me levou a usar uma ilustração pobre.
É por isso que é tão importante dedicar um tempo para entender a cultura para a qual estamos pregando. Precisamos saber de onde as pessoas estão vindo. Precisamos fazer perguntas como: O que as pessoas estão assistindo? O que eles estão lendo? O que eles temem? Do que eles riem? Quais são as principais influências em suas vidas? Se você vem de classe média e tem dificuldades com ilustrações, passe um tempo com alguém de sua área e examine as ilustrações com ele. Pergunte se eles se identificam com elas. Pergunte se eles as entendem.
Em Niddrie, uma das reuniões mais importantes que temos durante a semana é o “sermon feedforward”. Este é um momento em que repassamos nossos sermões [que ainda serão pregados] com nossa equipe pastoral/ministerial. Na sala estão pessoas das classes média e trabalhadora; conversamos durante o sermão e trocamos feedback.
O problema nesta reunião dificilmente está na compreensão do texto pelo pregador. Na maioria das vezes, eles precisam trabalhar em sua linguagem ou na falta de boas ilustrações contextuais. Ajudamos uns aos outros a pensar sobre essas coisas e compartilhar ideias para garantir que o sermão atinja a todos e que as ilustrações sejam contextualizadas.
3. Aplicação
A chave para qualquer bom sermão é a aplicação. Esta parte vital do sermão exige nuances, sabedoria e compreensão do seu público. Mas uma boa aplicação não depende de passar tempo com as pessoas. A preparação do sermão não deve ser feita apenas com o pregador sentado em um escritório sozinho durante toda a semana. A preparação do sermão inclui assistir ao noticiário, visitação pastoral, estar fora de casa na comunidade e passar tempo com não-cristãos. É nesses tempos que descobrimos onde as pessoas estão, com o que estão lutando e como a Palavra de Deus interage com suas vidas.
Uma das coisas que faço enquanto me preparo para pregar é perguntar, às pessoas que encontro ao longo da semana, sobre o assunto sobre o qual estou pregando. Pergunto a eles o que pensam sobre isso e como o aplicariam em suas vidas. Se alguma coisa importante aparecer, eu vou digitá-la em minhas anotações. Essas conversas importantes me ajudam a “pousar o avião” em vez de simplesmente girar pelo céu. Joel Beeke escreve: “O pregador da Palavra deve perguntar: “Minha pregação ajuda as pessoas a andarem perto de Deus na vida real? Ou simplesmente cria um belo mundo de ideias desconectadas de suas experiências?” Isso pode parecer óbvio, mas nossa pregação precisa se conectar com as experiências da vida real das pessoas.
Já ouvi pastores dizerem: “Bem, não tenho tempo para ficar com as pessoas. Tenho dois sermões e um estudo bíblico para preparar”. Se você é um destes, posso, humildemente, sugerir que você está fazendo coisas demais em sua semana? Talvez você possa passar um sermão noturno para um jovem na igreja (uma boa maneira de levantar jovens pregadores). Talvez você pudesse transformar o estudo Bíblico do meio da semana em uma reunião de oração, para não ficar tão preso aos estudos.
Você precisa entrar na comunidade que está servindo. Não há substituto para o passar tempo com as pessoas. É o seguinte: o Senhor sempre me abençoa quando priorizo as pessoas. Ele sempre me dá ideias importantes e me ajuda a aplicar sua Palavra.
4. Preto e Branco
Uma das sensibilidades culturais da classe média, que trazemos conosco, é ser educado. O cristão de classe média acha que é melhor ser educado sobre as coisas do que ofender alguém. Isso é levado para a nossa pregação. No entanto, na cultura das comunidades carentes, as pessoas apreciam a verdade. Eles se comunicam em preto e branco.
No início de meu tempo em Niddrie, alguém visitando nosso café me perguntou se eu achava que eles estavam indo para o inferno. Fiquei surpreso e não sabia o que dizer. Eu não estava acostumado a receber uma pergunta tão direta. E eu meio que falsifiquei a resposta. E então Mez simplesmente entrou e disse à pessoa: “Sim. Você vai para o inferno, a menos que se arrependa e confie em Jesus.” Para minha surpresa, a pessoa – longe de estar ofendida – ficou feliz por ter uma resposta direta. Nessas comunidades carentes, precisamos nos comunicar assim do púlpito. Precisamos colocar as coisas em termos de preto e branco. Pode parecer rude para algumas pessoas de classe média, mas é a maneira como as pessoas se comunicam nessas comunidades.
Agora, deixe-me ser claro, isso não significa que você deva tentar ser alguém que não é. Eu não sou o Mez. Mez não é eu. Pregamos de maneira diferente. Temos personalidades diferentes. Mas como vivi e ministrei aqui em Niddrie na última década, adaptei minha pregação. Eu digo as coisas diretamente em vez de rodeios. Em alguns aspectos, há menos nuances.
Precisamos pregar a verdade o mais claramente possível e devemos fazer isso com amor. Isso é algo que alguns pregadores de classe média precisam aprender com nossos rapazes da classe trabalhadora. As pessoas são pecadoras malucas. Eles estão indo para o inferno. A única maneira de ser perdoado é por meio de Cristo. As pessoas precisam se arrepender e acreditar. Pregue isso.
5. Senso de humor
O humor é uma grande parte da cultura das comunidades habitacionais carentes. As pessoas dessas comunidades gostam de rir. E isso, eu acho, pode ser incorporado em nossos sermões. Agora, eu não estou falando sobre levar o sermão levianamente ou conseguir uma risada barata para fazer as pessoas gostarem de nós. Eu não estou falando sobre piadas sujas ou ser irreverente. Mas, parte da Bíblia é engraçada e precisamos trazer isso para fora.
Às vezes, o humor pode nos ajudar a encontrar um ponto de aplicação. Uma risada pode iluminar o clima da sala e fazer com que as pessoas se concentrem no que está sendo dito. Alguns pregadores não têm senso de humor ou personalidade, o que torna difícil a conexão das pessoas com eles. Mas o Senhor fala por meio das pessoas e de suas diferentes personalidades. Se o humor pode ajudar a ampliar um ponto, devemos usá-lo.
6. Vulnerabilidade
Pessoas com autoridade (polícia, assistentes sociais, políticos, etc.) são frequentemente desprezadas nessas comunidades. Elas não são confiáveis. O mesmo pode ser verdade para um pastor. É importante, portanto, que o pregador seja transparente, fale sobre suas lutas e seja realista – tanto no dia a dia quanto no púlpito.
Se você é rígido e inacessível, então você terá dificuldade em se conectar com as pessoas nessas comunidades. Você vai colocar uma distância desnecessária entre você e eles. Isso não significa que você precise compartilhar tudo com aqueles a quem está ministrando, nem significa que você deva usar o púlpito como um festival de autopiedade. Em vez disso, significa que você deve ser humilde e compartilhar sua vida com as pessoas.
7. Estilo
Uma das maiores lutas dos pregadores de classe média é pregar narrativamente. Muitas vezes somos ensinados a pregar de forma forense e lógica. Descrevemos nossos três pontos e finalizamos com uma boa citação de Spurgeon. Isso funciona ao pregar uma epístola, mas nem sempre pode ser replicado ao pregar uma narrativa.
Em uma passagem narrativa, muitas vezes há um ponto e temos que percorrer a passagem e destacá-lo. Novamente, isso é importante porque nas comunidades carentes as pessoas contam histórias. É uma cultura narrativa. Então, quando pregamos uma narrativa, eles vão realmente prestar atenção. Precisamos percorrer a história e destacar o ponto principal. Mas isso se perderá se tentarmos impor três pontos ao texto. Vamos perder o impulso da história.
Precisamos ouvir homens como Mez McConnell e Ian Williamson, bem como outros pastores de origens mais pobres. Devemos prestar muita atenção à sua pregação, vendo como eles percorrem as passagens e destacam os pontos principais. Nem todos temos que pregar como os graduados de Cornhill, usando o mesmo modo e estilo.
8. Paixão
Ian Williamson diz que um dos fatores-chave para pregar em um contexto de classe trabalhadora é a paixão. Os ouvintes da classe trabalhadora querem sentir e ouvir paixão. Acho que isso é verdade para todos. Se o pregador não acredita no que está pregando ou não pregou o sermão para o seu próprio coração, isso ficará claro em sua entrega. Precisamos sentir o que pregamos.
Como escreve o puritano Robert Burns: “O cristianismo não deve apenas ser conhecido, compreendido e crido, mas também sentido, apreciado e aplicado na prática”. Precisamos ter paixão por Jesus. Nossa pregação diz respeito a questões de vida e morte, céu e inferno. Nossos sermões não devem ser entediantes. Eles devem vir de corações e mentes que encontraram o Deus vivo.
Pregue Cristo
Pregar em uma comunidade habitacional carente não é difícil, mas é preciso um pregador disposto a aprender humildemente como contextualizar seus sermões. Pessoas dessas comunidades habitacionais não são estrangeiros, mas precisamos entender que nós, pessoas de classe média, pensamos de forma diferente. Operamos a partir de uma visão de mundo (amplamente) diferente. Portanto, devemos procurar adaptar nossa linguagem e ilustrações a fim de pregar a Palavra de Deus fielmente nestes contextos.
Queremos valorizar Jesus. E para fazer isso, devemos conhecer as ovelhas para as quais pregamos. Deus será glorificado ao pregarmos sua Palavra fielmente em projetos nas comunidades habitacionais carentes por toda a Escócia e em comunidades pobres ao redor do mundo.