Um blog do Ministério Fiel
As mulheres devem ensinar? Reflexões sobre função, ofício e 1 Timóteo 2.12
O movimento #MeToo se espalhou em várias direções. Como consequência, muitos evangélicos conservadores, mesmo aqueles simpáticos ao complementarismo, reavivaram a questão sobre quais palestras e papéis de liderança estão abertos para as mulheres em nossas igrejas. Claro, em muitos aspectos, essas são perguntas comuns há anos. Ainda assim, essas perguntas são feitas hoje com uma nova urgência, e alguns, mesmo dentro de nossos círculos, estão perguntando se temos sido muito restritivos. Novas situações levantam novas questões, velhas questões reaparecem em novos ambientes, e devemos estar abertos para reexaminar as Escrituras.
Os complementaristas não querem estabelecer restrições arbitrárias às mulheres. Queremos seguir as Escrituras e, portanto, encorajar as mulheres nos muitos ministérios em que podem se engajar. Queremos traçar limites onde a Bíblia os traça. Visto que nossa cultura e até mesmo nossas igrejas frequentemente proclamam que não existem limites, frequentemente precisamos conversar sobre onde estão esses limites (um assunto que abordarei em breve).
Mas também é importante dizer, desde já, que existem muitos contextos para as mulheres aprenderem, estudar e ensinar e, portanto, também devemos ser proativos ao encorajar e falar sobre os contextos nos quais as mulheres podem e devem ministrar. O elogio de Paulo a muitas mulheres por servir ao Senhor em Romanos 16 destaca este ponto, mostrando que ele valorizava muito a contribuição das mulheres no ministério.
Não devemos ser conhecidos apenas por traçarmos limites para as mulheres no ministério, mas também por incentivar as mulheres a ministrar, aprender e ensinar em contextos apropriados. Podemos perder a batalha por sermos muito frouxos e rígidos e, portanto, precisamos do Espírito Santo e das Escrituras em todas as épocas de nossas vidas. Não chegamos a um entendimento perfeito e precisamos estar abertos para remodelar nosso pensamento e prática de acordo com as Escrituras.
Machadinhas, cutelos e bisturis
Quando enfrentamos questões sobre o que é permitido e o que é proibido, imediatamente enfrentamos o perigo de escrever uma nova Mishná – estabelecendo regras para cada situação concebível que possa surgir em nossas igrejas. Todos nós reconhecemos que existem áreas cinzentas e que aqueles que concordam com a interpretação do texto bíblico podem divergir sobre como aplicar o texto a uma situação em particular.
Em nosso zelo, podemos excluir de nosso círculo alguém com quem temos um acordo substancial. Ao fazer isso, podemos ser culpados de nos tornarmos excessivamente duros, rigidamente dogmáticos e até divisivos na maneira como aplicamos certos textos à nossa situação. Lembro-me do que Roger Nicole me disse uma vez sobre outro assunto. Podemos pensar que somos Calvino ou Lutero liderando a acusação pela ortodoxia, quando na verdade a situação exige um Bucer que faça a paz em vez da guerra. Em qualquer caso, precisamos vigiar nosso espírito na controvérsia e abster-nos de sermos duros e de atacar os outros, mesmo que os do outro lado não mostrem a mesma temperança.
Deixe-me colocar de outra forma, e talvez mais diretamente, dadas as nossas atuais controvérsias complementaristas. Nossa cultura hoje é propensa aos extremos, às denúncias com trovões e relâmpagos que vêm do Monte Sinai. Às vezes parece – pelo menos nas redes sociais – que existem demônios e anjos e nada entre eles. Achei que acreditávamos em simul iustus et peccator, mas parece que, para muitos, é iustus ou peccator.
Mas a vida é muito mais complicada do que isso. Podemos ser gratos pelo ministério de uma pessoa e, ainda assim, manter reservas significativas sobre algumas coisas que ela ensina e algumas coisas que se sente à vontade para fazer. Simplificando, precisamos ser mais caridosos, termos mais discernimento e sermos mais sutis. Alguns discutem com um machadinhas ou cutelos quando precisamos de um bisturi. Caridade e desacordo não se opõem um ao outro, e uma área que provavelmente todos podemos melhorar é o tom de nossas discussões. Não estou me dirigindo a nenhum grupo em particular ao dizer isso, pois essas palavras precisam ser atendidas por todos os envolvidos na conversa.
O que a Escritura proíbe? Examinando ofício e função em 1 Timóteo 2.12
Ainda assim, as igrejas precisam responder às perguntas feitas hoje. Não devemos escrever uma nova Mishná, mas temos que tomar decisões sobre o que é permitido quando nos reunimos como povo de Deus. Mesmo as igrejas que se abstêm de enunciar quaisquer regras – igrejas que dizem que são guiadas apenas pelo Espírito – descobrirão que o Espírito as guia de uma maneira particular quando elas se reúnem. Temos que tomar decisões sobre o que é permitido ou proibido, e por isso é certo refletir sobre este assunto.
Muitos complementaristas hoje argumentam que as palavras de Paulo em 1 Timóteo 2.12 – “E não permito que a mulher ensine, nem exerça autoridade de homem” – referem-se exclusivamente ao cargo, mas não à função. A noção de que Paulo se refere exclusivamente ao cargo tem alguns pontos fortes. Em primeiro lugar, Paulo imediatamente passa a discutir o ofício de presbíteros/superintendentes (que eu acho que é o mesmo ofício) e diáconos no próximo texto (1Tm 3.1-13). Portanto, faria sentido dizer que, em 1 Timóteo 2.12, ele tem um cargo em vista. Em segundo lugar, dois requisitos distinguem presbíteros de diáconos. Os presbíteros devem ter a habilidade de ensinar e corrigir aqueles que estão em erro, e eles têm a responsabilidade particular de guiar e liderar a igreja (At 20.28-32; 1Tm 3.2, 4-5; 5.17; Tt 1.9). Os dois requisitos para presbíteros (ensino e liderança) combinam muito bem com o que é proibido para as mulheres.
Podemos adicionar um terceiro argumento que poderia apoiar a ideia de que Paulo só pensa em ofício em 1 Timóteo 2.12. Temos vários textos nas Escrituras em que as mulheres têm o ministério da fala. Por exemplo, Paulo nos diz, em 1 Coríntios 11: 5, que as mulheres podem profetizar e orar se estiverem devidamente adornadas, e esse tipo de profecia quase certamente ocorria na assembleia. Hulda proclamou a palavra do Senhor aos líderes de Israel (2Rs 22.14-20). Visto que as mulheres eram profetas, presumivelmente havia contextos em que encorajavam homens e mulheres com algum tipo de mensagem. Além disso, Priscila e Áquila instruíram Apolo com mais precisão na verdade (At 18.26). Além disso, Paulo incentiva as mulheres a ensinarem outras mulheres e crianças (Tt 2.4). Assim, a maioria dos complementaristas concordaria que existem alguns contextos nos quais as mulheres podem se dirigir a homens e mulheres, embora seja discutível chegar a um acordo sobre quais contextos são adequados.
Mas vamos voltar a 1 Timóteo 2.12. É verdade que as duas coisas proibidas para as mulheres correspondem ao que distingue os presbíteros dos diáconos. Juntar os versículos com o que Paulo diz sobre os presbíteros significa que as mulheres não devem ocupar o cargo de presbíteras, que não devem servir como pastoras.
Ainda assim, quero fazer a pergunta sobre a maneira como Paulo formulou sua proibição de mulheres ensinarem e exercerem autoridade sobre um homem. A forma e a maneira pela qual o mandamento é dado são significativas? Muitos dizem que não, argumentando que o versículo é apenas outra maneira de dizer que as mulheres não podem exercer o cargo pastoral. Mas não tenho tanta certeza. Paulo poderia facilmente ter escrito: “Não permito que uma mulher sirva como pastora, superintendente e presbítera”. Os intérpretes bíblicos reconhecem que a forma em que algo está escrito é significativa. Quando lemos 1 Timóteo 2.12, ali não fala diretamente sobre a questão do cargo; trata da questão da função, proibindo as mulheres de ensinar e exercer autoridade sobre um homem. Eu deduzo deste ponto que o cargo não é a única coisa na mente de Paulo; a função também é importante para ele. Na verdade, o versículo fala diretamente sobre a questão da função e não diz nada sobre o cargo em si. É interessante, portanto, que muitos parecem inverter o versículo permitindo as funções, mas negando o cargo.
É quase certo que Paulo está pensando no contexto da igreja reunida e, portanto, entendo que o versículo significa que uma mulher não deve exercer a função de pregar e ensinar os homens na congregação reunida.[i] [1]
As mulheres podem pregar sob a autoridade dos presbíteros?
Alguns defensores da posição de “ofício”, não “função” dizem que as mulheres podem pregar, desde que o façam “sob a autoridade dos presbíteros”. Aqui, vemos uma manifestação de limitação da proibição de cargos. A noção de que as mulheres podem pregar se os presbíteros permitirem é interessante. Aqueles que endossam esta posição pensam que estão seguindo 1 Timóteo 2.12 porque as mulheres somente pregam e ensinam sob a autoridade dos presbíteros. Parece-me, porém, que vamos acabar, ou pelo menos poderíamos, acabar em um lugar muito estranho com essa linha de lógica.
Por exemplo, se os presbíteros permitem que uma mulher pregue às vezes – em outras palavras, se a função em si é permitida – então não vejo nenhuma razão lógica para que os presbíteros não possam conceder tal permissão todas as semanas. Para aqueles que apoiam tal prática, 1 Timóteo 2.12 não seria violado, visto que a pregação da mulher é feita sob a autoridade dos presbíteros. Essa linha de raciocínio convence alguns, mas anula a admoestação paulina. Paulo diz que uma mulher não pode ensinar ou exercer autoridade sobre um homem, mas alguns acabam dizendo que uma mulher pode fazer isso sempre que os presbíteros acharem apropriado. Paulo diz que as mulheres não podem ensinar ou exercer autoridade sobre um homem, mas nesta leitura a admoestação paulina é abafada e derrubada por um movimento hermenêutico inteligente.
Considere este assunto ainda mais. Imagine que os presbíteros de uma igreja permitem que uma mulher pregue em algumas ocasiões. Um dos presbíteros desta igreja então se envolve em uma discussão com uma feminista evangélica sobre a prática de sua igreja. Talvez o complementarista acredite que ele tem a mente aberta e progressista porque permite que mulheres preguem ocasionalmente em sua igreja. Ainda assim, ele não acha que as mulheres deveriam pregar regularmente ou todas as semanas, porque isso violaria 1 Timóteo 2.12. Como a feminista evangélica responderia?
As feministas evangélicas que conheço provavelmente achariam essa convicção inconsistente e um movimento de poder – apenas mais um exemplo de homens se recusando a liberar as rédeas da pregação inteiramente para mulheres por medo de perder o poder na igreja. Eu acho que o argumento feminista evangélico está certo neste ponto. Alguns complementaristas que permitem que as mulheres preguem podem acreditar que eles são abertos, generosos, tolerantes e de mente aberta, mas eles estão, na verdade – dada a sua posição – restringindo arbitrariamente as mulheres de pregar todas as semanas. Muitas feministas verão isso como homens segurando as rédeas da autoridade enquanto simplesmente tentam parecer generosos. Essa posição intermediária – em que as mulheres podem pregar ocasionalmente, mas não na maioria das vezes – é instável, e prevejo que as gerações seguintes descobrirão a contradição.
Somos lembrados, mais uma vez, por que é importante ver que 1 Timóteo 2.12 não fala apenas de ofício, mas também de função. A única posição consistente é permitir, ou rejeitar, que as mulheres preguem, e Paulo diz que não devemos permitir.
Complementarismo nominalista
Mas há outra dimensão para o argumento. A interpretação exclusiva do ofício corre o risco de ser vítima de uma leitura nominalista.
Deixe-me explicar. Em uma leitura nominalista, Paulo proíbe as mulheres de servir no cargo de presbítero/pastor. Mas aqueles que permitem que uma mulher pregue situam o fundamento para as mulheres não servirem como presbíteras somente na vontade divina. Por que Deus deu a ordem de que as mulheres não deveriam servir como presbíteras? Eles podem dizer que o motivo do mandamento remonta à criação, mas no final das contas, o motivo pelo qual as mulheres não podem servir no cargo é por causa da vontade divina. Eles não veem uma razão correspondente ou mais profunda para o decreto na natureza de homens e mulheres. A leitura apenas do ofício explica por que as mulheres pregando ocasionalmente não são problema, pois não há nada intrinsecamente errado em mulheres exercerem seus dons. Essa visão é possível, claro. O Senhor pode proibir as mulheres de ensinar e exercer autoridade com base somente em sua vontade. A autoridade de Deus como Criador deve ser suficiente para nós. Se Deus dá uma ordem, somos responsáveis por obedecê-la, mesmo que não entendamos a razão da ordem, e mesmo que não haja uma razão mais profunda para a determinação.
Ainda assim, a maioria dos intérpretes ao longo da história da igreja e a maioria dos observadores da natureza humana discerniram uma correspondência entre o mandato e as diferenças entre homens e mulheres. Infelizmente, alguns às vezes foram longe demais ao enunciar as diferenças entre homens e mulheres, e devemos rejeitar aqueles que enfatizam demais as distinções entre nós. Ainda assim, o principal problema é que nossa cultura está destruindo as diferenças entre homens e mulheres, mostrando que muitos estão extremamente confusos sobre o que significa ser homem e o que significa ser mulher.
Visto que a recuperação teológica é popular hoje, sugiro que recuperemos a visão histórica da igreja sobre os papéis de homens e mulheres (sem aceitar tudo o que nossos ancestrais disseram). Sugiro que reconheçamos que há correspondência e coerência entre o mandamento e o que significa ser homem e o que significa ser mulher.
No caso de o ponto principal do que estou dizendo se perder, estou argumentando que, na congregação reunida, uma mulher não deve ensinar ou exercer autoridade sobre um homem. Portanto, pregar, para as mulheres, é proibido.
O mesmo princípio se aplica às reuniões de presbíteros. Quando os presbíteros se reúnem, a reunião deve consistir exclusivamente de homens. Nessas reuniões, os presbíteros tomam decisões a respeito do governo da igreja. Os presbíteros exercem sua autoridade tanto no ensino quanto no estabelecimento da direção da igreja. Limitar essas reuniões aos homens não é chauvinismo ou patriarcalismo; é obedecer à palavra bíblica de que ensinar e exercer autoridade são reservados aos homens.
Não faz sentido, então, ter um conselho de presbíteros de homens e depois ter mulheres presentes regularmente para consulta durante as reuniões. Pode haver ocasiões em que as mulheres sejam levadas a uma reunião para consulta e discussão. O propósito não seria fazer com que liderassem, mas que os homens pedissem conselhos para que pudessem liderar sabiamente. No entanto, incluir as mulheres como uma característica regular das reuniões viola o que Paulo ordena, pois as mulheres, junto com os homens, tomariam decisões como líderes sobre a direção futura da igreja. Mais uma vez, isso é complementarismo nominalista, e é semelhante ao que acontece quando as mulheres têm permissão para pregar. É uma maneira inteligente de contornar o que Paulo ensina incluindo mulheres nas reuniões de presbíteros, mas não as chamando de presbíteras. Essas mulheres são de fato presbíteras, então não devemos presumir que estamos obedecendo às Escrituras se não as chamarmos de presbíteras.
Um encorajamento final
Como eu disse, meu objetivo neste artigo não é escrever a Mishná. Portanto, este artigo não discute se as mulheres devem ensinar em seminários ou em uma classe da Escola Dominical composta por homens e mulheres, embora seja importante, mesmo nessas situações, manter o padrão bíblico de liderança masculina no povo de Deus. Os cristãos também divergem sobre se uma mulher deve intermediar ou liderar estudos bíblicos em grupo ou liderar a adoração.
Se uma mulher deve ensinar no seminário, normalmente está reservado para denominações ou para conselhos que administram um seminário. Os outros assuntos listados são assuntos para igrejas locais. Como sou batista, fico feliz em dizer que os presbíteros e a congregação de várias igrejas têm a palavra final. Não queremos que o movimento complementarista seja reservado para aqueles que têm a visão mais conservadora sobre todos os assuntos. Reconhecemos que as pessoas de boa vontade, em nosso movimento, discordam sobre como aplicar o texto bíblico a várias situações. Uma vez que existem alguns contextos em que as mulheres podem se dirigir a homens e mulheres, percebemos que nem sempre é fácil discernir quais contextos são adequados.
Ainda assim, espero que os complementaristas cheguem a um acordo sobre o que deve ser feito quando a congregação se reúne para a adoração, e que não capitulemos às forças culturais que estão batendo em nosso navio. Paulo não diz apenas que as mulheres não devem servir como presbíteras. Ele também diz que eles não devem pregar e ensinar quando a igreja se reúne.
[i] Não temos tempo para fornecer uma análise completa de 1 Timóteo 2.11-15. Andreas Kostenberger e eu agora editamos três edições de um livro sobre 1 Timóteo 2.9-15 (Women in the Church: An Interpretation and Application of 1 Timothy 2:9–15) que torna este caso exaustivo, talvez exaustivo, em detalhes.