Glorificando a Deus e envolvendo-se no entretenimento

Se as gerações anteriores de cristãos voltassem e vivessem conosco por uma semana, eles poderiam se surpreender com duas coisas: com quão pouco oramos e com o quanto gostamos de ser entretidos pelo pecado. Eles ficariam chocados se um livro evangélico premiado, sobre piedade, contivesse uma discussão detalhada de uma cena sexualmente explícita de um filme censurado. O autor incluiu a história para alertar os leitores a evitarem os desejos mal colocados do personagem principal, mas sua longa referência também sugere implicitamente que a virtude cristã não é afetada por nossas escolhas de entretenimento. Seus alunos entenderam assim: eles podem assistir a filmes cheios de violência, palavrões e imoralidade sexual, desde que assistam com “discernimento” – o que geralmente é o código para “assista o que quiser, contanto que tente localizar a figura de Cristo ou a torturada alma ansiando por redenção.”

A questão do entretenimento é particularmente urgente para os pais que precisam nutrir os corações e mentes vulneráveis ​​de seus filhos. As formas de entretenimento vêm e vão, mas nossas preocupações permanecem as mesmas. Meus pais monitoravam o que meus irmãos e eu assistíamos na televisão. Agora monitoro o que meus filhos fazem online e se eles estão passando muito tempo lá. Não importa a forma de entretenimento que estamos consumindo, encontrar sabedoria bíblica para a nossa era do entretenimento deve envolver responder a duas perguntas: quando e como se envolver.

Quando se envolver

Regularmente: Nosso Pai celestial deseja que seus filhos aproveitem a vida. Mesmo quando Deus nos exorta a compartilhar com sacrifício nossas riquezas com outros, Ele nos lembra que Deus “tudo nos proporciona ricamente para nosso aprazimento” (1Tm 6.17). O prazer invariavelmente envolve entretenimento, e as Escrituras aprovam muitas de suas formas. Salmo 45 celebra a poesia requintada, perfumes fragrantes e música de harpa pairando por palácios de marfim. Os casamentos judaicos, incluindo o que Jesus compareceu, eram festas de uma semana com vinho e danças. O rei Salomão descobriu que esses prazeres terrenos não podem fornecer satisfação final, mas também atesta que eles são adequados em seu lugar (Ec 2.1-11, 24-25). E o apóstolo Paulo, cuja missão obstinada era levar o Evangelho aos confins da terra, assistiu a competições atléticas suficientes para usar a corrida e o boxe como metáforas para a vida cristã (1Co 9.24-27).

Cristãos não são masoquistas. Mesmo os cristãos pobres e perseguidos apreciam um encontro festivo, uma história bem contada e um jogo muito disputado que vai para a prorrogação. Não nos esquivamos do sofrimento, embora também não o busquemos. Todas as coisas sendo equivalentes, buscamos prazeres saudáveis ​​quando e onde quer que apareçam. Podemos consumir música, filmes e livros explicitamente cristãos, e também somos livres em Cristo para relaxar com músicas, romances ou filmes seculares ou menos explicitamente cristãos. Jesus é o Criador de todas as coisas, e sua graça comum permite que os incrédulos produzam – e os cristãos desfrutem – de formas não religiosas de bom entretenimento (Cl 1.15-20 ).

Seletivamente: mas devemos consumir com sabedoria. Como Paulo disse aos coríntios, nem tudo o que é lícito para mim é útil ou libertador (1Co 6.12). No fundo, a vida é essencialmente uma série de momentos. Podemos sonhar com o futuro, mas vivemos momento a momento. Se desperdiçarmos cada momento olhando para uma tela, estaremos pegando nossas vidas inestimáveis ​​e investindo-as no que é passageiro.

Um amigo passava todas as noites grudado na televisão por horas a fio. Quando soubemos que ele tinha leucemia, tememos por sua vida, mas esperamos que ele se despertasse para usar seu tempo de maneira mais produtiva. Deus respondeu às nossas orações e o curou, mas ele desperdiçou seu novo sopro de vida ao retomar prontamente à sua programação regular de programas. Que desperdício.

O lazer é uma maneira rápida de descobrir nossos valores mais elevados, pois o que fazemos à noite e nos fins de semana tendemos a fazer por si mesmo e não por outra coisa. O que fazemos quando não temos que fazer nada revela algo sobre pelo que realmente vivemos. Devemos investir algum tempo livre em entretenimento – porque a vida deve ser aproveitada – mas não devemos nos tornar meros consumidores passivos do trabalho de outras pessoas. Jesus não quer que sejamos preguiçosos (Mt 25.30).

Além da quantidade de tempo despendido com entretenimento, também devemos considerar sua ocasião. Salomão diz que “há tempo para todo propósito debaixo do céu: há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou” e assim por diante (Ec 3.1-8). Há um tempo para criar e um tempo para consumir o que foi criado. Não vamos entregar nossos momentos mais criativos ao entretenimento de consumo passivo. Sou mais produtivo de manhã e poupo esse tempo de vídeos, sites e até livros que não exigem o meu melhor. Tento dedicar meus períodos de pico à criação de conteúdo – estou escrevendo esta frase pela manhã – em vez de consumir o que outra pessoa produziu.

Quando você está mais ativo? Proteja esse tempo, e sua estrutura regular fornecerá espaço para que sua criatividade floresça. Use esse tempo para produzir coisas e servir às pessoas para a glória de Deus e o benefício de seus vizinhos. Crie até perder o fôlego e, em seguida, refresque-se com uma música, história ou outra criação produzida por outra pessoa.

Como se envolver

Talvez o maior risco de consumir entretenimento seja que o máximo de prazer exige que nossas faculdades críticas diminuam. Nós não vamos desfrutar plenamente um jogo de basquete se dissecarmos cada jogo, de uma sinfonia se analisarmos cada compasso, ou um filme se avaliarmos continuamente os ângulos de iluminação e câmeras. Há um lugar para tais julgamentos críticos, assim como há um lugar necessário para avaliar teologicamente os hinos e coros cantados na igreja. Mas assim como pode ser difícil ficar “perdido de admiração, amor e elogios” quando tudo o que fazemos é analisar cada linha em profundidade cada vez que cantamos, também pode ser difícil apreciar uma obra de arte com rigor criticando-a.

O entretenimento só faz sua mágica quando mergulhamos nele. Quando assistimos a um filme como críticos, avaliando cada cena, cada diálogo e decisão editorial, mantemos o filme à distância. Olhamos para o filme para julgá-lo, em vez de nos permitir entrar totalmente em sua história. E, assim, deixamos de desfrutar totalmente do filme e talvez até deixemos de ter nosso pensamento influenciado por ele de forma adequada. Mas aí está o problema. A maioria dos filmes é classificado como “R”[i]. Mesmo os filmes infantis podem conter diálogos sugestivos, tomadas prolongadas de cenas sexuais ou uma mensagem ímpia. Se baixarmos a guarda e mergulharmos em um filme, podemos nos abrir para o pecado ou conformar-nos com uma cosmovisão secular.

Consequentemente, pais piedosos mantêm o entretenimento de seus filhos sob seu controle. Eles limitam o acesso de seus filhos à Internet e monitoram o que eles fazem lá. Eles leem resenhas de filmes de antemão e preferem assistir a filmes em casa, onde podem passar rapidamente pela imoralidade sexual, violência e profanação. Eles mantém o controle quando seu filho é exposto a uma mensagem não cristã e usam o incidente para explicar por que Jesus oferece um caminho melhor. Pais piedosos não têm medo de ser diferentes. Eles percebem que “estreita é a porta e árduo o caminho que conduz à vida, e são poucos os que entram por ela” (Mt 7.14). Então, em particular, às vezes ficam contentes quando seu filho é convidado para um filme, festa ou show impróprio, porque esse convite oferece uma oportunidade de ensinar o caminho estreito da salvação.

Deus declara seu padrão mais elevado em Filipenses 4.8: “Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento.” Essas qualidades tratam do que os filósofos chamam de três propriedades transcendentais do ser: verdade, bondade e beleza. Essas são as questões essenciais ao considerar se você deve consumir uma forma particular de entretenimento.

É verdade?

Deus começa sua lista com este critério porque é o mais importante e talvez porque a falsidade passe mais facilmente pelo nosso radar cristão. Estamos prontamente em guarda contra nudez, vulgaridade e violência, mas nem sempre percebemos que mesmo o entretenimento para menores pode implantar uma visão pagã do mundo. A música de Whitney Houston “The Greatest Love of All” é considerada segura o suficiente para ser tocada em elevadores. Eu me peguei cantando junto com a frase: “Aprender a amar a si mesmo / É o maior amor de todos”. Mas tenho que me conter e então falar em voz alta que isso é um lixo idólatra. Se o maior amor é amar a mim mesmo, estou condenado ao inferno.

Nossa maior necessidade de acreditarmos em nós mesmos aparece regularmente na música popular. Observe “A Hero Lies in You” de Mariah Carey, “If You Just Believe” de Josh Groban e “I Believe I Can Fly” de R. Kelly. Kelly canta: “Há milagres na vida que devo realizar / Mas primeiro eu sei que começa dentro de mim / Se eu posso ver, então posso ser / Se eu apenas acreditar, não há nada a fazer / Eu acredito eu posso voar.”

Mesmo sabendo que essas letras são falsas, quando canto junto, a melodia foge do meu intelecto e enterra a mensagem no fundo do meu coração. Agora já é impossível eliminá-la totalmente. O melhor que posso fazer – e isso é essencial – é proclamar em voz alta o erro sempre que a melodia sai de minha boca. É melhor pegar a mentira mais cedo, antes que tenha a chance de se fixar como bolor em nossas mentes. Vamos prestar atenção na letra antes de entrar no jogo. Que história essa música está contando? Qual é sua visão de Deus, da humanidade e do mundo? Como diz que alcançamos a salvação?

Os mesmos critérios se aplicam a esportes e filmes. Um jogo de campeonato será comercializado como um confronto épico. Será que este zagueiro ou aquela defesa serão derrotados ou reivindicarão sua posição como um dos maiores de todos os tempos? Eles vão resgatar o fracasso da temporada passada e finalmente encontrar a imortalidade do futebol? Os cristãos se recusam a se envolver nesse exagero. Lembramos que é apenas um jogo e, em cinco anos, poucos se lembrarão de quem ganhou. A NFL e a ESPN já terão passado para o próximo zagueiro brilhante, pois têm um produto para vender.

Da mesma forma, filmes com pouco conteúdo moralmente questionável podem, no entanto, contar mentiras: a vida após a morte é o que quisermos (Amor além da vida), o divino é uma força impessoal que habita todas as coisas (PocahontasStar Wars), ou a morte é apenas uma parte natural do círculo da vida (Rei Leão). Os cristãos podem discordar sobre se e quando seus filhos assistirão a tais filmes, mas pais sábios não perderão a oportunidade de, depois, considerar e rebater a mensagem.

É bom?

Não é necessariamente errado que filmes, videogames e música retratem a existência do pecado. Afinal, a Bíblia descreve luxúria, adultério, incesto, traição e assassinato. A Escritura contém tanto material pecaminoso que um dos primeiros cineastas, Cecil B. DeMille, usou as histórias da Bíblia para excitar seus espectadores (por exemplo, a orgia israelita diante do bezerro de ouro em Os Dez Mandamentos). DeMille percebeu que poderia retratar tal sensualidade, desde que os participantes recebessem o julgamento divino no final. Outros cineastas acusaram DeMille de criar “peças de moral imorais” que usavam a Bíblia como desculpa para despir as mulheres. Na medida em que DeMille estava mais preocupado em excitar do que em revelar o julgamento de Deus, seus críticos estavam certos. É errado usar as histórias das Escrituras para minar sua moralidade. Deus nunca descreve o pecado para tentar, mas apenas para alertar sobre sua destruição.

Deus é apaixonado pela pureza porque ele é apaixonado pelo amor. Ele nos ordena que sejamos santos em nossa criação e consumo de entretenimento (1Pe 1.16 ) porque ele quer que amemos nosso próximo como a nós mesmos (Mc 12.31 ). Ele nos diz para “abster-nos da prostituição” e da lascívia não apenas como um fim em si mesmo, mas para que “nesta matéria, ninguém ofenda ne defraude seu irmão” (1Ts 4.3,6). Ele diz que “quem ama o próximo tem cumprido a lei” porque o amor não comete adultério, assassinato, roubo ou cobiça. Em suma, “O amor não pratica o mal contra o próximo” (Rm 13.8-10).

Pureza e amor são as duas faces da mesma moeda. Quando sentimos desejo por músicos ou estrelas de cinema, nós os desumanizamos. Desprezamos seu valor como portadores da imagem de Deus e os reduzimos a objetos para nossa gratificação sexual. Mas Deus diz que Seus filhos devem ser conhecidos tanto pela justiça quanto pelo amor (1Jo 3.10 ). Portanto, os cristãos amam demais essas celebridades para as cobiçar. Procuramos dar-lhes mais respeito do que alguns aparentemente se dão. Nosso objetivo é nunca tirar vantagem de outros seres humanos, mesmo que eles implorem para que façamos isso.

Usar o entretenimento para atiçar as brasas da luxúria deveria ser inimaginável para os cristãos, pois sabemos que o pecado é a causa da morte. Você já olhou para o caixão de um amigo ou membro da família e percebeu que odeia o pecado? O pecado não é nosso amigo, não é algo onde tentar se intrometer sem se queimar. O pecado mata tudo e todos que já amamos. Vamos parar de comemorar a queda. Vamos odiar o pecado e nos recusar a nos divertir com ele novamente.

É bonito?

Todo cristão pode produzir arte verdadeira e boa, embora muitos de nós não tenham a capacidade de criar uma história, pintura ou canção que seja bela. Tudo bem, desde que cultivemos um apetite cada vez maior pelo que é esteticamente agradável. Adoramos um Deus lindo que faz coisas lindas e nosso entretenimento deve refletir isso (Sl 27.4 ; Is 61.3 ). Podemos gostar de arte que contenha temas sombrios, desde que as trevas não dominem. Nós acreditamos que o mundo é um mundo caído, então podemos lidar honestamente com o problema do pecado. Mas o pecado não tem a última palavra no mundo de Deus e nem deveria ter a palavra final no nosso.

Ainda podemos ver vídeos sombrios por seu valor educacional, para entender melhor o mundo que buscamos alcançar para Cristo. John Stott assistia a cada novo filme de Woody Allen com um grupo de alunos. Ele achava que Allen tinha seu dedo no pulso da cultura e aprendeu muito sobre as esperanças e medos do mundo ao assistir seus filmes. Mas é fácil nos enganarmos. Podemos alegar que estamos observando para nos informar melhor, mas desligamos as luzes e nos aconchegamos no sofá com uma tigela de pipoca. Ainda estamos assistindo para fins educacionais ou estamos apenas sendo entretidos? Pode ser difícil dizer.

Posso agradecer a Deus por isso?

Alguns leitores podem pensar que coloquei muitos limites no entretenimento, enquanto outros podem pensar que fui muito permissivo. Essa diferença de opinião implica que a questão do entretenimento sempre pertencerá, pelo menos parcialmente, ao reino da liberdade cristã. Alguns cristãos podem ignorar muitos pecados em uma música, videogame ou filme porque acreditam que suas qualidades redentoras superam sua queda. Outros não conseguem superar o sexo, a violência e a profanação e decidir que não é certo para eles.

Seja onde quer que você vá, lembre-se de que a questão definidora da liberdade cristã é a gratidão a Deus. Paulo diz que devemos evitar julgar os outros, mas antes agradecer a Deus por nossas próprias decisões. “quem come para o Senhor come, porque dá graças a Deus; e quem não come para o Senhor não come e dá graças a Deus.” (Rm 14. 1-6 ). Aqui está o teste final: você pode oferecer uma oração sincera de agradecimento a Deus antes, durante e depois de participar desta música, show ou evento esportivo? Em caso afirmativo, vá em frente e desfrute de sua liberdade, tomando cuidado para não a exibir diante de outros que possam tropeçar. Se você não pode fazer tal oração, pelo menos para você, é pecado.


[i] N.d.T.: Nos E.U.A. é um programa proibido para menores de 17 anos, mas pode ser visto por adolescentes que forem acompanhados por pais ou responsáveis.

Em “A guerra dos espetáculos”, Tony Reinke abordará os diferentes espetáculos aos quais estamos expostos diariamente, orientando-nos a como direcionar nossa atenção ao Espetáculo Supremo.

Confira

 

 

 

Por: Michael Wittmer. © Ligonier Ministries. Website: ligonier.org. Traduzido com permissão. Fonte: Glorifying God and Engaging Entertainment.

Original: Glorificando a Deus e envolvendo-se no entretenimento. © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados. Tradução: Paulo Reiss Junior. Revisão: Filipe Castelo Branco.