O valor da Palavra de Deus

Acesso a todos os E-books da Editora Fiel por R$ 9,90.

Uma característica importante que os puritanos tinham era o apego à Palavra de Deus.

Isso acontecia porque acreditavam que era nas Escrituras que Deus se revela ao Seu povo e onde podiam encontrar tudo aquilo que precisavam para vida quotidiana.

A vida dos puritanos era caracterizada pela oração – inclusive tinham um quarto nas suas casas reservado apenas para esse momento de intimidade com Deus – e pela leitura da Palavra de Deus.

Sem dúvida que conheciam muito das sagradas escrituras, provavelmente mais do que qualquer outra geração, e isso notava-se até pela quantidade substancial de versículos e até mesmo capítulos que decoravam.

Faziam isso porque acreditavam também que o Espírito Santo usa a memória das pessoas para trazer a Verdade em momentos de grande turbulência.

Estes servos de Deus reflectiam este apego à Palavra de Deus nos púlpitos das suas Igrejas. Isto porque eram muito zelosos nos seus estudos bíblicos e nem tinham a ousadia de falar de outra coisa que não fosse reflexo dessa análise às Escrituras.

Face a isso, abriam literalmente as Bíblias nos púlpitos das Igrejas mostrando que o alvo da pregação era somente a pregação e a pregação expositiva.

Tinham esta atitude porque acreditavam que este era o único método capaz de mostrar, com toda a fidelidade, o significado do texto através de uma hermenêutica e da exegese uma boa aplicação bíblica à vida dos seus ouvintes analisando a fundo o contexto quer a nível social e económico como também a nível do contexto textual[1].

O amor dos puritanos pela Palavra era muito grande e queriam que essa Palavra chegasse ao ouvido de todas as pessoas. Face a isso, contribuíram, substancialmente, para a tradução da Palavra de Deus dando o nome de Bíblia Genebra a essa versão[2].

Para os puritanos, Deus revela-se, com base em Romanos 2.14-15, da seguinte forma: 1º observação da Natureza; 2ª Pela percepção da acção de Deus na história; 3º Pelo senso íntimo de Deus em cada ser humanos pois, segundo os puritanos, todas as pessoas, quer sejam cristãs ou não cristãs, têm consciência das leis morais de Deus (Rm 1.32)

Este conhecimento é a evidência da graça comum do nosso Deus dada a todas as pessoas sem excepção. Caso não existisse esta revelação, então não havia restrição moral e social ao mal que o homem poderia fazer.

Inclusive, nem a consciência do ser humano pesaria, como acontece com todos seres humanos, a não ser que tenham alguma psicopatia.

Os puritanos, ao olharem para a Bíblia, acreditavam que este conhecimento não era suficiente para salvação. Este conhecimento fazia, sim, com que todo o ser humano seja considerado indesculpável perante o tribunal de Cristo.

Por isso, estes servos de Deus acreditavam que a “revelação natural” serve apenas para a condenação do homem, mas não para salvá-lo.

Devido a isso, precisamos da revelação especial da parte de Deus encontrada na Sua Palavra.

Contudo, para os puritanos, a bíblia não tem como objectivo comprovar a existência de Deus pois parte logo da certeza que Deus sempre existiu (Gn 1.1).

Não há revelação completa sem Cristo e Cristo só pode ser encontrado nas Escrituras.

Os puritanos acreditavam também na inerrância das Escrituras com base em II Tm 3.16.

Logo, segundo estes servos de Deus, não podemos considerar que há textos mais ou até menos importantes do que outros.

Nesse sentido, olhavam para a Bíblia sabendo que não podia haver discrepâncias entre as verdades lá contidas. Deus não mente (II Samuel 7.28; Tito 1.2; Hebreus 6.8).

Para os puritanos, havia um elo de ligação entre toda a Escritura pois se a Escritura fosse unicamente um livro de histórias, não poderíamos encontrar uma unidade, que é Cristo, em todos os seus escritos.

O pensamento de alguns puritanos sobre a Palavra de Deus

Thomas Goodwin (1600-1680), ao defender a pregação expositiva, disse que aqueles que pregavam fora do texto, usando-o como pretexto, não deviam sequer ter a ousadia de dizer que estudaram.

Contudo, ao olharmos para a Bíblia, segundo Goodwin, vemos precisamente o contrário quando o apóstolo Paulo convidou o jovem Timóteo a meditar e a estudar[3]. Uma diferença substancial, sem dúvida. Devido a isso, os seus oponentes religiosos temiam muito o poder das sua pregações[4].

Os puritanos tinham proximidade à Palavra porque acreditavam que a própria Palavra era autoridade para o povo de Deus. Esta era precisamente a ideia de John Owen (1616 – 1683) o qual dizia que a Escritura tem a mesma autoridade que tem a autoridade do Seu autor[5].

Segundo Jonathan Edwards, um dos puritanos mais reconhecidos, refere que uma das características que autentifica a obra do Espírito Santo na vida de uma pessoa é o respeito e o amor que ela tem pela Palavra de Deus[6].

Henry Smith (1560-1591), outro puritano, afirmou que «devemos sempre ter a Palavra de Deus diante de nós como regra e em nada crer senão naquilo que ela ensina, nada amar senão o que ela prescreve, nada odiar senão o que ela proíbe, nada fazer senão o que ela ordena»[7].

Isto tornou-se muito relevante para aquele contexto até porque havia muitas pessoas a questionarem a suficiência da Palavra para que se pudesse dar valor à tradição da igreja católica apostólica romana.

Além disso, diziam que o povo precisava do julgamento da Igreja para avaliar o sentido da Palavra. Ao terem esta atitude, estavam a afastar, invariavelmente, o povo da leitura das Escrituras[8].

Segundo Joel Beeke, os puritanos «amavam, viviam e respiravam as Escrituras, regalando-se no poder que acompanhava a Palavra, o poder do Espírito. (…) Liam, ouviam e cantavam a Palavra com prazer e encorajavam outros a fazer o mesmo»[9].

O próprio Thomas Manton disse que a Bíblia é um esboço onde Deus está exposto e que não iremos estudar outro livro quando chegarmos ao céu[10].

Aplicação para os dias de hoje sobre a Palavra de Deus

O amor dos puritanos pela Palavra de Deus aumentava à medida que conheciam, através da própria Palavra, mais a Deus. Ou seja, havia uma capicua: a Palavra levava-os até Deus e Deus levava-os até à Palavra.

Isto serve de grande ensino para o contexto actual na medida em que se deve saber que não há conhecimento de Deus sem um conhecimento sério da Sua Palavra.

Temos de analisar a nossa vida em termos gerais para perceber se tem havido abandono ou até desleixo com a Palavra de Deus.

Além disso, vivemos numa época em que, mesmo no meio dito religioso, há uma ênfase desmedida na contemplação e nas experiências sensoriais esquecendo-se que só podemos encontrar a revelação salvífica de Deus na Sua Palavra.

Há uma pergunta que se impõe olhando para a vida dos puritanos: estaremos nós a pregar a Palavra de Deus?

Tal como vimos, se a revelação geral não serve para a salvação, apenas para a condenação, devemo-nos firmar as nossas vidas na revelação específica (Bíblia) para também proclamarmos a Palavra de Deus para que mais pessoas sejam salvas.


[1] Ryken, Leland – “Santos no mundo”, p. 111

[2] Ibid, p. 148

[3] Ibid, p. 110

[4] Ibid, p. 103

[5] Ibid, p. 151

[6] Lawson, Steven J. – “As firmes resoluções de Jonathan Edwars”, p. 25

[7] Beeke, Joel & Jones, Mark – “Teologia Puritana”, São Paulo: Vida Nova, 2016, p. 1194

[8] Turretini, F. – “Compêndio de Teologia Apologética”, São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, Vol. 1, p. 206

[9] Beeke, Joel – “Teologia Puritana”, p. 1193

[10] Ritzema, E., Vince, E., Powell, G., Terranova, J., & Franco, C. – “300 citas para predicadores de los puritanos”, Bellingham, WA: Lexham Press, 2013