O que aprendi com a leitura de “Através dos Portais do Esplendor: A História que Chocou o Mundo, Mudou um Povo e Inspirou uma Nação” de Elizabeth Elliot

Eu já tinha ouvido falar da história desses missionários americanos e do sacrifício que fizeram para levar o evangelho de Cristo à algumas tribos do Equador (Jivaro, Atshuara, Quíchua e principalmente os Aucas). Mas confesso que ter pegado esse livro em minhas mãos nessa última semana (sim, devorei ele em menos de uma semana) foi uma experiência marcante. “Experiência”, pois assim como muitos outros foram abençoados por essa leitura ao longo dos anos, o Senhor também revigorou minha fé e reorientou minha vida através dela.

A história se resume praticamente em torno de cinco famílias que pela providência divina decidiram alcançar, até então, um povo selvagem – Auca (grupo indígena que habitava a floresta ao leste do país. É um termo Quíchua que significa “cuel”). Outros missionários tinham tentado evangelizar essa tribo no passado, mas foram mortos imediatamente. Até entre as tribos vizinhas, os Aucas eram extremamente temidos. A coragem, portanto, dessas cinco famílias (especialmente dos cinco homens que entregaram suas vidas) em se arriscarem para encontrar esses “selvagens” face a face é uma das coisas que nos prendem na leitura. Elisabeth Elliot, viúva de Jim Elliot (morto pelos Aucas) é quem escreve toda a história de um modo realista aos leitores. É sem dúvida uma daquelas histórias que você nunca mais esquece e tem o desejo de passá-la às próximas gerações.

Dentre muitas coisas que poderíamos dar destaque no livro, eu separei quatro pontos importantes que me chamaram a atenção.

1. A importância da criação familiar na formação de homens e mulheres piedosos

Tim Keller, em um dos seus livros, diz que para a formação de virtudes e caráter é necessário um “ecossistema moral” (cosmologia moral, texto moral investido de autoridade, discurso moral, imaginação moral e modelos morais). [1] O principal modelo moral é a família: “[…] temos que viver aquilo que cremos e professamos. A hipocrisia afasta nossos filhos de nós e, quando isso acontece, é um distanciamento merecido” [2] . A família é também o principal agente na educação dos filhos, não há terceirização quanto a isso.

Elisabeth Elliot faz questão de narrar a boa criação que esses missionários tiveram de seus pais. Eles não só introduziram o evangelho desde cedo na vida dos filhos, como ensinaram eles a se entregarem nesse mundo em busca do perdido. Em resumo, eles aprenderam de berço que deveriam morrer bem, não somente “viver bem”. Veja relatos sobre isso abaixo:

“Deus havia guiado Jim desde a infância, quando, em Portland, Oregon, ele aprendeu, em casa, que a Bíblia é o Livro dos livros e que obedecer aos seus ensinos não significa necessariamente uma vida de clausura e tédio.

Agora, sentado na cabine do navio, ele se lembrava da casa da família num declive voltado para a Montanha Hood, coberta de neve. O pai de Jim, um escocês ruivo, de mandíbulas de aço, reunia os cinco filhos todas as manhãs depois do café e lia a Bíblia, procurando sempre lhes mostrar que o Livro era para ser vivido e que a vida nele retratada era feliz e recompensadora. As crianças se remexiam em suas cadeiras junto à mesa do café, mas algumas verdades criaram raízes, e Jim, o terceiro filho dos Elliot, aceitou a Cristo como Salvador e Senhor logo cedo.” [3]

Quando Jim Elliot e Pete Fleming (um dos cinco missionários mortos) chegaram no Equador, Elizabeth narra que ambos cantaram o seguinte hino:

“Fé dos nossos Pais, fé santa

A ti seremos fiéis até a morte” [4].

Sobre Ed McCully, um outro mártir da missão aos Aucas, é dito:

“Ed McCully, filho mais velho do diretor-executivo de uma rede de panificadoras, cresceu em Milwaukee, meio-oeste americano. Sua família entendia o que era se sacrificar na obra de Deus. O pai de Ed era um evangelista ativo que, em suas viagens pelos Estados Unidos, falava de Cristo a sócios e clientes sempre que tinha oportunidade e também dava palestras para grupos evangélicos onde quer que fosse convidado.” [5]

Nate Saint, um tipo de gênio da aviação, responsável por sobrevoar as tribos indígenas da região e transportar os missionários (outro mártir) também teve uma criação nos caminhos do Senhor:

“O que levou um homem de mente tão criativa e habilidosa, com capacidade técnica tão grande, à selva equatoriana? Igual a Ed, Pete e Jim, Nate foi criado em uma família cujos princípios orientadores estavam enraizados na Bíblia. Ainda criança, Nate entendeu as implicações pessoais do Novo Testamento e colocou sua fé em Cristo como a única base para sua esperança de salvação.” [6]

Referências à criação familiar dos missionários são constantes no livro. A impressão que fica é que Elizabeth foi intencional em enfatizar esse ponto durante o livro. Aliás, talvez seja por isso que ela colocou na contracapa do livro o seguinte hino:

“Entregue seus filhos para levarem a mensagem gloriosa,

Entregue seus tesouros para que depressa sigam seu caminho.

Derrame sua alma por eles em oração vitoriosa,

E tudo isso que entregares Jesus restituirá

(Tradução livre do hino Far, faraway)

Os pais dos cinco homens cumpriram, de forma literal, as palavras desse hino. Este livro é dedicado a eles.”

Embora Deus possa usar homens e mulheres piedosos apesar de seu contexto familiar, é evidente que as chances serão maiores se os pais seguirem a orientação apostólica que diz: “ E vocês, pais, não provoquem os seus filhos à ira, mas tratem de criá-los na disciplina e na admoestação do Senhor ” (Ef 6.4). A criação pertence aos pais e embora possam recorrer à ajuda de outros agentes educacionais, jamais devem transferir totalmente essa responsabilidade e devem manter a supervisão sob os demais agentes.

Como pai de uma menina, essa lição ficou clara para mim nessa leitura. Devo preparar minha filha (e os demais filhos se o Senhor permitir) a se entregar pelo mundo. Não há nada mais anticristão do que pensar o contrário. Temos em Deus, o Pai, o grande exemplo de que a vida é dada mediante a morte de seu Filho. Por que não pensarmos o mesmo com relação aos nossos filhos? Por que ensinamos eles a salvar a própria vida ao invés de doá-la?

2. Esses missionários, tantos os cinco mártires quanto as viúvas deles, eram cheios da palavra

Eu confesso que quanto a esse ponto eu fiquei saudosista. É claro que há exceções, mas “fazer missão” hoje em dia virou moda. Há muitos que não amam a palavra de Deus, a glória de Cristo e o povo que deve ser alcançado. Antes, amam o país que estão indo, a possibilidade de viajar, dar uma “guinada na vida” (às vezes porque não se deram bem no país de origem), a comida local, as aventuras que virão e por que não as fotos que serão tiradas e postadas nas redes sociais para impressionar seus seguidores?

Eu pessoalmente andei por algumas bases missionárias no exterior e tive algumas dessas impressões. Relatos que corroboram esses fatos também não faltam.

Elliot nos enche de saudades. Saudades de quando os missionários eram cheios da vida divina, cheios da palavra de Deus, sabiam as passagens bíblicas na ponta da língua e ensinavam com temor e sabedoria. Os missionários mortos pelos Aucas eram assim:

“ […] esses homens e suas esposas estavam unidos pela crença na Bíblia como a palavra literal, sobrenatural e perfeita de Deus aos homens .” [7]

“Jim não se ocupou apenas em construir a casa e a pista de voo. Começamos a nos reunir com os indígenas, contando-lhes, em sua própria língua, a história mais espetacular que já se ouviu na terra: que o Filho de Deus tinha vindo ao mundo e, com seu próprio sangue, pagou o preço do pecado do homem. ” [8]

“Agora à noite, o capitão nos informou que descobriu quatro corpos no rio. Um vestia camiseta branca e calça jeans. Roger era o único vestido dessa maneira… Deus me deu este versículo dois dias atrás, Salmos 48.14: ‘Porque este Deus é o nosso Deus para todo o sempre; ele será nosso guia até a morte’ ”. [9]

Por toda a história desses missionários lemos que eles tinham verdadeiro deleite na palavra de Deus. Versos bíblicos jorram de seus corações e lábios o tempo todo. Eles são um exemplo de Sl 19.7: “A lei do Senhor é perfeita e revigora a alma”. Já foi muito bem dito que não precisamos de missionários que amam a missão, mas a Palavra. Somente ela que será usada pelo Senhor para transformar vidas. A missão à moda antiga me parece ter um compromisso maior com a palavra de Deus. Disso temos saudades.

3. A realidade do trabalho missionário

Normalmente idealizamos o trabalho missionário pensando nos frutos. Usamos frases como “impactar a geração para Jesus” e criamos imagens de nós mesmos pregando para multidões. Mas nem sempre é assim, para não dizer “quase nunca é assim”. Precisamos nos lembrar o que Elizabeth diz: “Causa e efeitos estão nas mãos de Deus”. [10] O próprio Senhor Jesus nos ensinou que o “ramo não pode produzir fruto de si mesmo” (Jo 15.4). É estranho ao ensinamento bíblico pensarmos de modo pragmático quanto à missão.

Um exemplo da dificuldade do trabalho missionário é a vida de Roger Youderian (um dos cinco missionários). Ele já estava na obra entre as tribos há um tempo e não via frutos. Ele chegou a se questionar se Deus o tinha comissionado para tal obra:

“ Estou a ponto de jogar a toalha. Minha impressão é que não há futuro para nós na Jivaria, e o melhor mesmo é arrumar as malas. […] Não culpo ninguém nem as circunstâncias; o fracasso é meu, e fracassei porque não atingi a experiência individual de Cristo que supriria as necessidades daqui. Não deu certo. ” [11]

Sobre esse ponto, Elizabeth diz:

“O missionário labuta no primeiro ou segundo ano, achando que as coisas serão diferentes quando souber o idioma da terra. Ele fica perplexo ao descobrir que, na maioria das vezes, isso não acontece. O missionário é despido de tudo o que pode ser considerado ‘romântico’. De certo modo, a vida entra numa rotina. Um dia segue o outro sem novidade nenhuma. Não há crises, não há conversões em massa, não há uma ou duas pessoas sobre quem ele possa dizer: ‘Aquela vida foi transformada. Se eu não tivesse vindo para cá, aquela pessoa não teria conhecido Jesus’”. [12]

Precisamos nos lembrar disso constantemente no serviço do Reino. Não podemos julgar “sucesso” ministerial com uma visão mercadológica. Se focarmos nos frutos somente (e eles são importantes), é bem provável que abandonaremos nossos postos.

A exemplo de João Batista que estava na prisão e não ouviu os elogios de Cristo em vida (Mt 11.11), esses missionários também não tiveram a oportunidade de ver nenhum fruto entre os Aucas antes da morte. A exemplo de Abraão, eles “partiram sem saber para onde iriam” e serviram de modo fiel porque “aguardavam a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e construtor” (Hb 11.8,11). Essa é a realidade missionária.

4. Vida através da morte

Jesus disse: “Em verdade, em verdade lhes digo: se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, produz muito fruto” (Jo 12.24). A morte ou o sofrimento na perspectiva cristã não é sem propósito e desnecessário, pelo contrário é o “método da nossa missão. […] O sofrimento de Cristo é para propiciação, o nosso sofrimento é para propagação”. [13] No envio de seus discípulos Jesus disse que eles seriam enviados como “ovelhas entre lobos” (Mt 10.16). Portanto, não devemos estranhar o sofrimento enquanto estamos servindo ao Senhor nesse mundo. Sofremos não só como consequência da nossa obediência, mas também como estratégia divina para salvar pecadores.

Podemos pensar que o trabalho desses cinco homens, cruelmente assassinados, foi em vão, mas isso não é verdade. O grão foi amassado junto ao chão e como promessa de Cristo, hoje vemos os frutos:

“Para as pessoas em geral, infelizmente cinco jovens perderam a vida. Mas Deus tinha seus planos e propósitos em todas as coisas. Muitas vidas foram transformadas pelo que aconteceu em Palm Beach. No Brasil, um grupo indígena de um posto missionário no interior de Mato Grosso, ao ouvir a notícia, caiu ajoelhado, clamando que Deus lhes perdoasse o desinteresse por outros indígenas que não conheciam Jesus Cristo. De Roma, um oficial americano escreveu a uma das viúvas: ‘Conheci seu marido. Para mim ele era o retrato perfeito de um cristão’. Um major da força aérea que estava posicionado em Londres e que tinha muitas horas de voo começou imediatamente a fazer planos para se unir à Missão Asas de Socorro. Um missionário na África escreveu: ‘Nosso trabalho nunca mais será o mesmo. Conhecíamos dois dos missionários. A vida deles marcou nossas vidas’.

Próximo à costa da Itália, um oficial da marinha americana sofreu um acidente no mar. Enquanto boiava sozinho numa jangada, o homem se lembrou das palavras de Jim Elliot (que foram citadas num jornal): ‘Quando a morte chegar, certifique-se de que tudo o que você tem para fazer é morrer’. O oficial orou para sair vivo dali, sabendo que precisava fazer mais do que apenas morrer. Não estava pronto para isso. Deus respondeu à sua oração, e ele foi resgatado. No estado americano de lowa, um rapaz de 18 anos orou durante uma semana em seu quarto e depois anunciou a seus pais: ‘Entreguei minha vida completamente a Deus. Quero substituir um daqueles cinco homens’.

As cinco viúvas foram inundadas de cartas. De uma faculdade no Japão: ‘Estamos orando por vocês’; de crianças esquimós de uma classe de escola dominical no Alasca; de uma igreja chinesa no Texas; de um missionário no Rio Nilo que viu a foto de seu amigo Ed McCully na revista Time.

Somente a eternidade revelará o número de orações que subiram a Deus em favor das viúvas, de seus filhos e do trabalho no qual os cinco homens estavam engajados. As orações das viúvas são pelos Auca. Aguardamos o dia em que esses indígenas selvagens se unirão a nós em louvor a Cristo”. [14]

Louvado seja Deus pelas vidas dessas cinco famílias e pela sua gloriosa graça que salva os piores pecadores, seja uma tribo no meio da mata do Equador ou seja eu e você.


[1] KELLER, T. Nascimento, casamento e morte: Como encontrar Deus nos eventos mais significativos da vida. São Paulo: Vida Nova, 2020. A ideia não é original de Keller, mas de James D. Hunter em The death of character.

[2] Ibid., p. 36

[3] ELLIOT, E. Através dos portais do esplendor: a história que chocou o mundo, mudou um povo e inspirou uma nação. São Paulo: Vida Nova, 2013. p. 16

[4] Ibid., p. 27

[5] Ibid., p. 56

[6] Ibid., p. 75

[7] Ibid., p. 125

[8] Ibid., p. 126

[9] Ibid., p. 271

[10] Ibid., p. 306

[11] Ibid., pp. 178-180

[12] Ibid., pp. 178

[13] PIPER, J. Completando as aflições de Cristo. São Paulo: Shedd Publicações, 2020. p. 17

[14] ELLIOT, E. Através dos portais do esplendor: a história que chocou o mundo, mudou um povo e inspirou uma nação. São Paulo: Vida Nova, 2013. pp. 290-291