O que o escândalo de Ravi Zacharias nos ensina

Foi com o coração aos pedaços que tomamos conhecimento de que o excelente apologeta e autor Ravi Zacharias se engajou por anos em atividades de abuso e crimes sexuais, muito parecidas com o que o médium João de Deus fez em seu centro espírita. Não é fofoca, o próprio ministério dele, capitaneado por sua família, veio a público após a sua morte confirmar as denúncias. Em meio a toda a tristeza do episódio, surge a pergunta: será que podemos extrair algo de bom dessa tragédia?

Sim, podemos.

O escândalo de Ravi é um grande grito de alerta contra a idolatria. Especificamente, contra a idolatria de expoentes do cristianismo, tão visível entre os melhores cérebros da teologia.

Basta gastar dez minutos passeando pelos feeds de setores sérios da igreja evangélica brasileira e você verá isso muito claramente.

Muitos irmãos reformados parece que falam mais de Calvino, Keller, Piper, Spurgeon, Carson e outros do que de Cristo.

Muitos irmãos arminianos parece que falam mais de Wesley, Armínio, Grotius, Allen, Graham e outros do que de Cristo.

Muitos irmãos pentecostais parece que falam mais de Seymour, Fee, Horton, Gee e Stronstad do que de Cristo.

Isso, para ser elegante e não mencionar os expoentes brasileiros das mais variadas tradições.

Há algum problema em citar tais pessoas? Não! Não, não e não! De jeito nenhum! São irmãos em Cristo que se dedicaram aos estudos ou a grandes feitos em defesa da fé e, cada um do seu jeito, têm contribuído imensamente com a cristandade. Eu mesmo sou um ávido leitor das obras de muitos deles e elas muito me edificam. Louvemos a Deus pela vida desses vasos de barro cheios do tesouro do evangelho.

O grande problema está na divinização inconsciente que fazemos dessas pessoas. Na hora de dialogar sobre teologia, com enorme frequência atribuímos a elas uma inerrância impressionante. É como se o que um deles falou fosse canônico.

Mas não é. Todos são errantes. Todos estão sujeitos à depravação total. Todos são sujeitos a escrutínio. Não há Paul Washer na face da terra que não carregue montanhas de pecados inconfessáveis. Porque todo homem de Deus é, antes de tudo, um homem. Eu sou. Você é. Todos somos.

Nossos diálogos devem, sim, trazer a contribuição desses pensadores. Mas aqui está o ponto: nunca, jamais, eles devem ser tomados como “se ele falou, tá falado”. Lutero foi um beberrão destemperado em suas palavras, que deu péssimos exemplos de como falar num diálogo apologético. Calvino apoiou a morte de Serveto. Spurgeon foi sectário na juventude. Paulo lutava com a arrogância. Pedro foi hipócrita. Todos têm esqueletos no armário: todos.

Portanto, escândalos como o de Ravi Zacharias não deveriam nos espantar. É apenas Deus em ação para esbofetear os idólatras de homens e nos lembrar: é tudo de Cristo, por Cristo, para Cristo. Fale de Cristo. Argumente com argumentos de Cristo. Proclame Cristo. Só ele é inerrante. Só ele é inquestionável.
É cansativo ver diálogos, conferências e livros onde mais se fala do que homens falaram do que do que a Escritura fala. Falamos sobre cristocentrismo mas só usamos argumentos de homens para defender nosso ponto de vista. Somos antropocêntricos para defender o cristocentrismo. E isso é absurdo.

Não há tulipa, chama de fogo, sarça ardente, logomarca qualquer que deva ser priorizada no lugar da cruz. A cruz, sempre, pois ela não erra.

Volto a dizer: não sou anti-intelectual. Longe, longe disso. Sou a favor do estudo, sou um editor de livros, estou cursando meu terceiro seminário teológico e sou extremamente grato a Deus por ele iluminar e capacitar homens e mulheres para falarem, pregarem e escreverem sobre a boa teologia cristã. O problema não é esse, é preciso deixar isso patente, pois a má interpretação de textos é uma praga em nossos dias. O meu ponto é: de todos os grandes teólogos e pensadores do cristianismo, nenhum é inerrante. Nenhum tem palavra canônica. Todos são passíveis de escrutínio. Todos devem ser analisados e questionados. No dia em que você entrar em uma discussão querendo encerrar a conversa com o argumento de que “fulano disse tal coisa, então é isso”, cuide-se: você virou um idólatra.

Meu irmão, minha irmã, só Jesus é absoluto. Só ele é inerrante. Em sua complexa simplicidade, ele é o grande argumento. Os homens? São Ravi Zacharias, Maurício Zágari e você: seres criados que contribuem para a cristandade mas devem ser, sempre, vistos como o que são: errantes pecadores, sujeitos à depravação total e altamente passíveis de falhas.

Por Cristo, com Cristo, em Cristo e para Cristo. Solus Christus.