Um blog do Ministério Fiel
Busque um coração quebrantado para com o pecado
A vida cristã triunfante e vitoriosa é marcada por uma característica curiosa: ela raramente parece triunfante ou vitoriosa.
No reino de Deus, a força vem por meio da fraqueza (2 Coríntios 12.9-10), a grandiosidade por meio do serviço (Marcos 10.43) e a plenitude por meio do quebrantamento (Salmo 147.3). Como diz a oração clássica:
Deixe-me aprender por paradoxo
que o caminho para baixo é o caminho para cima,
que ser baixo é ser alto,
que um coração quebrantado é um coração curado,
que um espírito contrito é um espírito alegre.
Muitos de nós ficaríamos satisfeitos com a última parte de cada uma das linhas acima, se pudéssemos renunciar à primeira. Contudo, na sabedoria de Deus, nenhum santo é elevado, curado e alegre, que não seja também baixo, quebrantado e contrito. Samuel Rutherford declarou sem rodeios: “Buscai um coração quebrantado para com o pecado, pois sem isso não há encontro com Cristo” (Cartas de Samuel Rutherford, 328).
Podemos alcançar muito nesse mundo sem um coração quebrantado; pode até parecer que alcançamos muito na vida cristã sem um coração quebrantado. Contudo, não podemos ter uma comunhão profunda e doce com Cristo, pois ele só entra através das rachaduras de um coração quebrantado.
Os benefícios de um coração quebrantado
Com toda certeza, é aí que mora o perigo. Alguns cristãos focam, com uma obsessão quase mórbida, na maldade do pecado, na malignidade dos nossos corações e no dever de lamentarmos a corrupção que ainda resta em nós. Eles passam os seus dias vagueando pelos labirintos do seu pecado interior, quase nunca olhando para o salvador que os amou e se entregou por eles (Gálatas 2.20).
Pior ainda, buscar por um coração quebrantado pode facilmente tornar-se uma tentativa distorcida de autojustificação. Podemos imaginar, talvez inconscientemente, que somos mais aceitos por Deus quanto pior nos sentimos sobre nós mesmos, esquecendo, como diz o hino:
Poderia o meu zelo não ter trégua,
Poderiam as minhas lágrimas correr para sempre,
Estes não poderiam o pecado expiar.
Tu deves salvar, e somente tu.
O quebrantamento não pode nos justificar; as lágrimas não podem nos purificar. Somente o sangue pode (Efésios 1.7).
No entanto, um coração quebrantado para com o pecado abre a porta para uma comunhão mais profunda com Cristo, pois somente um coração quebrantado nos ensina a odiar os seus rivais, receber a sua graça e ouvir sua canção de amor e favor.
Odeie os Seus rivais
A comunhão com Cristo, assim como a comunhão com um cônjuge, requer um sentimento mais profundo do que simplesmente: “Eu escolho você em vez de todos os outros”. Exige o sentimento: “Eu desejo você acima de todos os outros”. Um coração não quebrantado pode escolher Cristo, pelo menos de uma forma exterior, enquanto ainda mantem seus pensamentos “em outro”. Contudo, um coração quebrantado sente o pecado como o seu maior fardo e vergonha, e por isso resiste ao rival de Cristo com uma força muito maior do que um mero autocontrolo: a força da santa repulsa.
Num sermão sobre o Salmo 51, John Piper observa que, nesse salmo de arrependimento sobre o adultério, Davi nunca pede a Deus por mais autocontrole sexual. “Por que ele não ora para que os homens o responsabilizem? Por que ele não ora por olhos protegidos e para que não tenha pensamentos sobre sexo “? pergunta John Piper. A resposta: “Ele sabe que o pecado sexual é um sintoma, não a doença”. O adultério é um sintoma de uma doença mais profunda: um coração não quebrantado para com a maldade do pecado, que não foi quebrantado pela glória de Cristo.
Assim, em vez de apenas suplicar por autocontrolo – pelo poder de escolher os caminhos de Deus – Davi ora: “Cria em mim um coração limpo, ó Deus” (Salmo 51.10). E um coração limpo é, na realidade, um coração quebrantado: “Os sacrifícios que agradam a Deus são um espírito quebrantado; um coração quebrantado e contrito, ó Deus, não desprezarás.” (Salmo 51.17). Se Davi iria desfrutar de uma comunhão restaurada com Deus, ele precisava de mais do que força de vontade. Ele precisava de um coração quebrantado.
O autocontrole tem o seu lugar na vida cristã, é claro, mas por si só, separado de um ódio profundo e permanente por tudo que nos afastaria de Cristo, ele apenas enfraquece o pecado nos galhos em vez de murchá-lo pela raiz.
Receba a sua graça
Um coração quebrantado, portanto, nunca é um fim em si mesmo. Cristo, o nosso bom médico, parte um coração assim como um cirurgião parte um osso: só para poder curá-lo ao fim de tudo. “Só ele cura os de coração quebrantado e cuida das suas feridas” (Salmo 147.3). E o remédio mais doce que ele dá é chamado de graça.
Embora este remédio seja amargo, um coração quebrantado pode abrir-se para acolher a graça de formas mais profundas do que nunca. Lembre-se que foi somente depois de Isaías ter sido quebrantado que ele ouviu as palavras reconfortantes: “a tua iniquidade foi tirada, e perdoado, o teu pecado” (Isaias 6.7). Foi somente quando Pedro se acovardou que Jesus lhe disse: “Não tenha medo” (Lucas 5.10). E foi só depois de Paulo ter gritado “Miserável homem que eu sou!” que ele disse com a mesma força: “Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor!” (Romanos 7.24-25).
Se pensamentos ansiosos sobre o amor de Deus rodopiam dentro de nós, será que estamos baseando demasiadamente o seu amor em nós mesmos? E será que o que mais precisamos é de um novo quebrantamento de coração, a ponto de desesperarmo-nos novamente? Talvez precisássemos então ouvir as palavras de Horatius Bonar:
Fé é descanso, nela não há trabalho. É a desistência de todos os esforços de fazer ou sentir algo de bom a fim de induzir Deus ao amor e ao perdão; É receber calmamente a verdade há tanto tempo rejeitada, que Deus não está à espera de tais induções, mas ama e perdoa de boa vontade, e está demostrando essa boa vontade a qualquer pecador que venha de encontro a ele, lançando fora seu próprio esforço ou bondade e confiando exclusivamente no amor sem reservas Daquele que amou tanto o mundo que deu o Seu Filho unigénito.
Alguns tentam em vão subir ao céu por uma escada de boas obras e bons sentimentos. Mas os de coração quebrantado sabem que só chegamos ao céu de joelhos dobrados. “Pois assim diz o Alto e Sublime, que vive para sempre, e cujo nome é santo: Habito num lugar alto e santo, mas habito também com o contrito e humilde de espírito, para dar novo ânimo ao espírito do humilde e novo alento ao coração do contrito. (Isaías 57.15). A graça do santo vem apenas para os humildes.
Ouça a Sua canção
Essa graça em si mesma é maravilhosa, mas ainda mais maravilhosa é a maneira como Deus a dá. Se você tiver essa ousadia, imagine o Deus da graça indo até você em meio ao seu quebrantamento, e a sua boca abre-se não para censurá-lo, mas com canto.
Aos exilados em Jerusalém, Deus prometeu: “Naquele dia vocês não serão envergonhados pelos seus atos de rebelião, porque retirarei dessa cidade os que se regozijam em seu orgulho. Nunca mais vocês serão altivos no meu santo monte. Mas deixarei no meio da cidade os mansos e humildes, que se refugiarão no nome do Senhor.” (Sofonias 3.11-12). Em outras palavras, Ele prometeu quebrantar misericordiosamente o coração do Seu povo. E depois, surpreende a todos ao dizer:
“O senhor, teu Deus, está no meio de ti, poderoso para salvar-te; ele se deleitará em ti com alegria; renovar-te-á no seu amor, regozijar-se-á em ti com júbilo” (Sofonias 3.17).
Assim como acontece com tantos caminhos de Deus, “por trás de uma providência de semblante fechado esconde-se um rosto sorridente”. Talvez tenhamos medo que, depois de quebrantar os nossos corações, Deus continue apontando o nosso pecado por toda a eternidade – que ele vai “esfregar o nosso pecado na nossa cara”, por assim dizer, e fazer do céu um mundo de penitência humilhante perante o Todo-Poderoso.
Em vez disso, Ele preenche o ar de canções. Durante séculos e séculos, a melodia do nosso Deus perdoador mostrará ao seu povo, outrora ferido e agora curado, cada vez mais “as imensuráveis riquezas da sua graça em bondade para conosco em Cristo Jesus” (Efésios 2.7). E ainda assim, a canção continuará.
Busque por um Coração quebrantado
É claro que não podemos simplesmente levantar-nos e dar a nós mesmos um coração quebrantado. Assim como os homens de Jerusalém tiveram o coração quebrantado apenas quando foram tocados pela espada divina (Atos 2.37), o mesmo também acontece conosco: se os nossos corações precisam ser quebrantados em relação ao pecado, Deus deve quebrantá-los.
No entanto, podemos fazer algo. Podemos seguir o conselho de Rutherford de “buscar por um coração quebrantado”. Podemos desistir do esforço exaustivo de esconder o nosso pecado e fingir ser melhores do que somos. Nós podemos orar para que Deus nos quebrante gentil e amorosamente. E podemos abraçar a verdade contraintuitiva de que a vida cristã avança por opostos: subimos mais alto inclinando-nos; progredimos pelo arrependimento.
Neste mundo, a nossa plenitude virá por meio do vazio, a nossa força por meio da fraqueza, a nossa alegria por meio do luto, a nossa exaltação por meio da humildade, e a nossa plenitude por meio de um coração quebrantado e contrito.