Uma igreja que não ajuda precisa ser ajudada

Gostaria de reflectir, em primeiro lugar, sobre os direitos e os deveres de um membro de igreja (aquele que foi baptizado e que congrega uma igreja).

Vamos partir de duas afirmações: os direitos são os benefícios aos quais as pessoas têm direito e os deveres são as responsabilidades.

De certa forma, quando alguém na igreja cumpre os seus deveres, outro irá receber os seus direitos.

No pacto das Igrejas Baptistas há alguns aspectos que gostaria de salientar sobre os nossos deveres (algo que se espera que os membros façam para que outros recebam). Irei apenas mencionar os que estão ligados ao texto bíblico de Atos 11.27-30 (texto que abordarei de forma mais demorada posteriormente).

Assim, no pacto das Igrejas Baptistas podemos ler que devemos contribuir liberal ou generosamente para:

  • Sustento missionário;
  • Despesas da Igreja;
  • Auxílio aos pobres;
  • Propagação do Evangelho;

Nas nossas relações, devemos:

  • Ter cuidado uns com os outros;
  • Lembrarmo-nos uns dos outros nas nossas orações;
  • Ajudar mutuamente nas enfermidades e necessidades;
  • Cultivar relações francas e a delicadeza no trato;
  • Estar prontos a perdoar as ofensas;
  • Buscar a paz;

Será que pensamos nestes aspectos?

Normalmente, quando ouço algumas pessoas, e estou a generalizar, falam mais nos direitos do que nos deveres. Isto acontece, em grande parte, porque vivemos tempos em que queremos mais coisas dos outros do que aquilo que queremos dar aos outros.

Em Atos 11.27-30 percebemos algumas coisas bastante interessantes.

Se olharmos para os versículos anteriores, veremos que “Uma Igreja com Missão” deseja tanto alcançar pessoas para Cristo como  buscar a ovelha perdida. Não há um desejo maior por uma parte e menor por outra.

Devemos lutar para não sermos uma Igreja de acomodados, mas sim uma Igreja de corações transformados e apaixonados por missões.

Se temos corações transformados, isso é sinal de que Deus nos concedeu a fé.

Se há fé verdadeira, vinda de Deus, essa fé produzirá boas obras que se traduzirão em nada mais do que actos de compaixão pelas pessoas.

Se a fé não produzir nada, como diz em Tiago 2.20, é morta, vã, sem valor.

Pergunto então como é que essa fé deve ser visível? Qual é o impacto que deve ter na vida dos outros?

Vamos olhar com maior atenção para o texto bíblico já referido, este é muito pertinente, principalmente nestes tempos tão duros que vivemos e que iremos viver.

27Naqueles dias, desceram alguns profetas de Jerusalém para Antioquia, 28 e, apresentando-se um deles, chamado Ágabo, dava a entender (indicava claramente), pelo Espírito, que estava para vir grande fome por todo o mundo, a qual sobreveio nos dias de Cláudio. 29Os discípulos, cada um conforme as suas posses (ideia da proporcionalidade), resolveram enviar socorro (ajuda) aos irmãos que moravam na Judeia; 30 O que eles, com efeito, fizeram, enviando-o aos presbíteros por intermédio de Barnabé e de Saulo.

É importante recordar que a Igreja de Jerusalém tinha enviado Barnabé para Antioquia para consolidar o que Deus estava a fazer com a conversão de muitas vidas.

Nestes tempos, era muito comum haver pessoas que profetizavam sobre o futuro precisamente porque a revelação bíblica ainda não estava terminada. Era a forma que Deus tinha para comunicar com o Seu povo além do Antigo Testamento.

O profeta Ágabo, por revelação do Espírito Santo, avisou a Igreja em Antioquia que viria uma grande fome no mundo nos dias do imperador Claúdio. A história comprova que, realmente, veio uma fome assoladora entre o ano 45 e 47.

Quando algo vem de Deus, cumpre-se. O resto são suposições.

Por exemplo, em Dezembro de 2019 ouvimos dizer que 2020 ia ser um ano fantástico  e foi o que foi. Alguns ainda caíram no erro de tentar adivinhar como será este ano, estamos em meados de março e já percebemos que ninguém tem como saber o que irá acontecer (como em todos os anos que vivemos, sejam eles de pandemia, ou não).

As únicas coisas que sabemos são:

  • Deus é soberano: é impossível que algo aconteça fora da Sua vontade;
  • O ser humano é responsável pelas suas escolhas: ainda que não consiga ir mais longe do que a Soberania de Deus permite.
  • Deus é bom: qualquer que seja a Sua escolha;
  • Deus é justo: nada do que Ele faz é injusto;

Como é que a Igreja reagiu a esta profecia feita por Ágabo?

Será que a Igreja esperou pela sua concretização ou começou logo a pensar em como ajudar aquelas pessoas?

Lembro que estes cristãos não conheciam os cristãos em Jerusalém.

Vemos vários aspectos importantes no versículo 29:

Quem contribui? Cada cristão. Todos quiseram ter a oportunidade de ajudar quem estava a precisar.

Será que todos tinham as mesmas condições? Claro que não. No entanto, cada um contribuiu conforme as suas posses ao ponto de todos participarem nesta ajuda.

Esta sempre foi a ideia bíblica: todos somos chamados a praticar obras de compaixão ao ajudarmos as pessoas, principalmente aos nossos irmãos na fé (Gálatas 6.10)

Na segunda carta aos Coríntios 8.1-5 vemos outro exemplo incrível:

Os irmãos da Igreja na Macedónia viviam na pobreza e ajudavam o próximo, valorizavam mais o Reino do que as suas coisas e o seu reino pessoal, valorizavam mais os irmãos na fé do que a realização de gostos pessoais.

A questão é: já deixámos de fazer alguma coisa que queríamos ou até achávamos que merecíamos para ajudar outras pessoas?

Deus usa muitas vezes o que temos para suprir as necessidades básicas de outros.

A Igreja ajudou sem haver um pedido de ajuda e sem a fome ter chegado.

Este é um aspecto importante: as pessoas não precisam de pedir ajuda para as ajudarmos. Se sabemos ou imaginamos que pode haver uma dificuldade, ajudemos de imediato.

Vemos também no versículo 29 de Atos que os gentios ajudaram os judeus.

Na Igreja somos um só corpo, não há diferenças, somos todos iguais.

Agora, como fizeram chegar as ofertas às Igrejas?

As pessoas da Igreja deram à Igreja para que esta fosse o veículo dessas mesmas ofertas, conferimos isso no versículo 30.

Há sempre muito mais transparência nesta forma de agir e é uma prática bíblica.

A prática das contribuições, dízimos e ofertas, sempre foi na lógica de: entregar na Igreja para abençoar a própria Igreja e outras Igrejas, instituições ou pessoas.

É uma bênção honrarmos o compromisso de membresia e o pacto da Igreja e, consequentemente, devemos sentir alegria por podermos ajudar quem passa por dificuldades.

Sendo assim, devemos desejar ser cristãos que contribuem com os seus dízimos e que dão as ofertas, mediante as suas posses, sabendo que há sempre alguma coisa que podemos fazer ou dar.

Deixar de contribuir para a Igreja com os dízimos e ofertas é não compreender o princípio bíblico.

Muitas vezes as Igrejas não fazem mais porque as pessoas não se envolvem. Não é por dificuldades financeiras, se fosse, ou quando é, é completamente compreensível, mas, na maior parte das vezes, é falta de compromisso com a Palavra e com a Igreja.

Não devemos dar apenas o que sobeja, devemos dar também algo que nos custe, como deixar de ter um pequeno luxo durante algum tempo.

Ressalvo que não devemos ajudar porque amanhã podemos ser nós a precisar. Queremos ajudar para que o nome de Deus seja glorificado e as pessoas sejam auxiliadas.

Devemos até ajudar os nossos inimigos e aqueles que nos fazem mal: “Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer. Se tiver sede, dá-lhe de beber” (Pv. 25.21)

Tudo isto será sempre um pequeno reflexo do que Deus fez por nós devido à nossa miséria espiritual: Romanos 5.8.

A Deus seja sempre dada toda a glória.