Como os puritanos viam o trabalho e a sociedade?

Para entendermos melhor a forma como os puritanos encaravam o trabalho será importante conhecermos o ambiente como o contexto em que viviam.

Nesse sentido, era bastante comum dividirem o trabalho em duas categorias: o sagrado e o secular. O trabalho era feito por membros de ordens religiosas e tudo o resto era considerado secular[1].

Face a isso, estes servos de Deus rejeitaram qualquer tipo de divisão do trabalho porque todos os trabalhos devem glorificar a Deus expressando também, dessa forma, o amor para com Deus e para com o próximo ao servir da melhor forma possível.

Como os puritanos acreditavam que a vida era para ser vivida para Deus, então desejavam viver essa verdade em todos os quadrantes da vida ao terem uma atitude de devoção onde quer que estivessem.

Para além do trabalho, acreditavam também que os cristãos precisavam manifestar o evangelho também na cultura e em cada grupo étnico. Baseavam as suas convicções em Mateus 28.18-20 e I Tessalonicenses 4.11-12)[2].

Noutra perspectiva, apesar de admitirem que os cristãos deviam reflectir o Evangelho em todas as áreas, também acreditavam que os cristãos deviam distanciar-se deste mundo. Para isso, todos os servos de Deus deveriam viver com uma mentalidade peregrina (Hebreus 11.13; 1 Pedro 2.11). Daí apelarem para que os cristão não se casassem com pessoas que não fossem cristãs (II Coríntios 6:14) e nem se associarem às obras da carne (Efésios 5.6-11).

Por terem a noção que os cristãos estão no mundo, mas não são do mundo ensinavam o povo de Deus a lutar contra o pecado através da oração e da leitura da Palavra para que não fossem derrotados pelas obras do maligno.

O pensamento de alguns puritanos sobre o trabalho e a sociedade

William Tyndale reconheceu que há diferença entre lavar a loiça e pregar a Palavra de Deus. No entanto, no que concerne a glorificar a Deus já não há diferença nenhuma pois quando estão a servir em qualquer tipo de trabalho deveriam servir como se estivessem a trabalhar para Deus[3].

Interessante olhar para o que William Perkins (1518 – 1602) mencionou sobre o trabalho quando disse que o ministério pastoral é tão importante para Deus assim como o juiz que tem que dar a sentença de forma correcta e íntegra[4].

John Dod (1549 – 1645) salientou o facto que Deus nunca desprezava um trabalho desde que este fosse honesto. Logo, não havia lugar para a separação em categorias de trabalho. Todos os cristãos deveriam ter a noção que estão a trabalhar para Deus[5].

John Bunyan acreditava que era a Palavra de Deus que orientava os cristãos. Como tal, a Palavra servia para ajudar os Seus servos a resistirem às ciladas do diabo. Nesse sentido, precisamos agarrar-nos à Palavra para viver de forma correcta perante os desafios que o mundo diariamente nos oferece[6].

Algumas aplicações para os dias de hoje sobre o trabalho e a sociedade

Os puritanos ensinam-nos, face ao que liam na Palavra de Deus, que toda a nossa vida é acerca de Cristo e para Cristo. Logo, em certo sentido, não importa se estamos a trabalhar para a Igreja ou se estamos a trabalhar noutro sítio qualquer.

Este é um enorme desafio: devemos viver a vida com o desejo de glorificar a Deus (I Coríntios 10.31) em tudo o que fizermos.

Como seria uma bênção ver uma sociedade a ser abençoada através dos nossos trabalhos, na forma como vivemos nas nossas casas e nas igrejas, e na maneira como nos envolvemos com a cultura ao mostrarmos os padrões de Deus ao mundo.

Os puritanos ajudam-nos a pensar: onde Cristo pode ser encontrado no meu viver?

Creio que, inconscientemente, ainda vivemos muito nesta dicotomia do trabalhado quando na verdade todos os cristãos estão no ministério. Logo, não deve haver horários para trabalharmos para Deus até porque toda a nossa vida deve ser um louvor ao Senhor da Vida.

Por outro lado, se todo o trabalho honesto glorifica a Deus, devemos então saber que não há trabalhos mais dignos do que os outros. Todas as profissões são dignas diante de Deus desde que haja honestidade e fidelidade aos padrões bíblicos.


[1] Ryken, Leland – “Santos no mundo”, p. 39

[2] Beeke, Joel – “Teologia puritana”, p. 1192

[3] Ryken, Leland – “Santos no mundo”, p. 40

[4] Ryken, Leland – “Santos no mundo”, p. 40

[5] Ryken, Leland – “Santos no mundo”, p. 40

[6] Beeke, Joel – “Teologia puritana”, p. 1192-1193