A Vida à Luz da Cruz

Assim como muitos reformados, eu louvo a Deus por sua maravilhosa graça, não somente por minha salvação, mas por, mais tarde, ter me levado a conhecer as doutrinas da graça. Eu me lembro vividamente quando finalmente eu me atentei para como as Escrituras ensinam sobre a soberania de Deus em todas as coisas: o fato de eu ter tido um novo nascimento anos atrás, não por minha própria decisão (Jo 1.13) mas pela vontade de um Deus que me ama (Ef 2.4) e que me justifica pela graça somente, através da fé somente, e em Cristo somente (2.8); que ele opera em todas as coisas de acordo com o propósito da sua vontade (1.11); e que minha vida e meu futuro estão seguros em suas mãos (Jo 10.28). Eu até aprendi a cantar com gozo: “Imenso amor! Como explicar meu Rei morrendo em meu lugar?” [1] Ainda assim, por muitos anos permiti que minha recém-descoberta fé reformada, e até mesmo a Cruz de Cristo, alimentasse meu precipitado e pecaminoso orgulho espiritual. Ao invés de ser humilde e crescer em amor pelo próximo no corpo de Cristo, eu me gloriei na minha superioridade teológica. Levaria muitos anos de trabalho santificante do Espírito para me mostrar o que ainda restava em mim de queda e fragilidade, e para que o imenso amor do meu Salvador crucificado superabundasse da minha vida para os quebrados, fracos e feridos ao meu redor.

As Escrituras claramente confirmam o que sabemos ser verdade, por revelação geral: que a vida deste lado da glória é marcada por fragilidade. Os espinhos, os cardos, e o suor da maldição (Gn 3) afetam a todos. Até mesmo depois de termos sido justificados pela graça de Deus somente, através da fé somente (Rm 3.24-25), e até mesmo depois de termos sido salvos pelo poder da Palavra da Cruz (1Co 1.18), nós gememos interiormente neste corpo frágil, aguardando a redenção de nossos corpos (Rm 8.23). Enquanto aguardamos, precisamos estar equipados para servir e proclamar o evangelho no meio deste mundo caído, como parte de um corpo unificado em nosso Senhor Jesus Cristo (Ef 4.12), que prometeu ser “luz para os gentios, para abrires os olhos aos cegos, para tirares da prisão o cativo e do cárcere, os que jazem em trevas” (Is 42.6-7)

As Escrituras claramente confirmam o que sabemos ser verdade, por revelação geral: que a vida deste lado da glória é marcada por fragilidade.

Infelizmente, são os nossos próprios olhos que muitas vezes precisam ser abertos para contemplar o que está ao nosso redor e para a obra que Deus nos chama a fazer. Ao invés de nos gloriarmos em nosso conhecimento teológico superior, somos encorajados pelo Espírito de Deus a que “consoleis os desanimados, ampareis os fracos e sejais longânimos para com todos.” (1Ts 5.14).  De fato, não somos nós, que vivemos à luz da Cruz, o meio pelo qual ele alcança o fraco? As nossas ordens de marcha são claras: “Porque ele acode ao necessitado que clama e também ao aflito e ao desvalido. Ele tem piedade do fraco e do necessitado e salva a alma aos indigentes.” (Sl 72.12-13) e “Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos.” (1Co 9.22).

O ponto de virada na minha vida veio depois que comecei a trabalhar no meio dos “fracos e necessitados” na prisão do nosso condado como capelão que trabalhava meio período. Enquanto por muitos anos eu era muito parecido com os cristãos de Éfeso descritos em Apocalipse 2, que rapidamente identificavam heresias mas nos quais faltava amor, servir na prisão do condado abriu os meus olhos para ver os meios práticos que a obra finalizada de Cristo e seu poderoso Espírito estão operando nos mais quebrados, fracos, dispersos e feridos.

Um dia em particular se destaca na minha lembrança, quando me encontrei com um jovem da América central que havia acabado de ser preso sob uma acusação gravíssima, uma acusação que poderia afastar pessoas “respeitáveis”, uma acusação séria o suficiente para o colocar sob vigilância suicida. Eu levei até ele uma Bíblia em espanhol, abri na parábola do fariseu e o publicano (Lc 18.9-14), e o encorajei a ler em voz alta. Com a Bíblia repousada sobre as barras da porta de sua cela, eu o observei enquanto as lágrimas escorriam de seu rosto e encharcavam as páginas do evangelho de Lucas. Assim como o publicano, ele então clamou com o coração dilacerado, “Ó Deus, sê propício a mim, pecador!”. Foi um momento sagrado, um trabalho poderoso do Espírito de Deus, pois um jovem voltou justificado, aquela noite, para a sua beliche, e eu voltei para casa radicalmente comovido. Eu percebi novamente que diante da Cruz eu e aquele jovem fazemos parte do mesmo corpo espiritual: pecadores fracos e feridos, sem esperança e necessitados de graça. Mas agora, em Cristo Jesus, “vós que antes estáveis longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo.” (Ef 2.13).

Semana passada, um outro novo convertido, que também estava preso, me disse que precisava me confessar algo. Meu primeiro pensamento foi que ele ainda tinha alguns resquícios do catolicismo romano, mas quando finalmente nos encontramos, ele humildemente admitiu que não tinha sido totalmente honesto em um assunto específico, e que ele não conseguiria dormir enquanto não me pedisse perdão, e ele até se questionava se realmente era um cristão. Tamanha alegria preencheu o meu coração ao ver a obra de Cristo e o poder do Espírito evidentes neste novo cristão. Eu abri a Bíblia para o assegurar a partir do livro de Romanos do modo em que a sua luta era fruto da sua justificação. Ele agora estava vivendo uma nova vida, e essa batalha em seu coração fazia parte da normalidade da vida cristã (Rm 6-7). Eu mostrei a ele como isso fazia parte do trabalho íntimo do Santo Espírito (Cap. 8), o incentivando a confessar seus pecados. Eu o assegurei de que eu o havia perdoado, e que ele deveria se motivar na segurança de sua salvação pelo sangue derramado de Cristo (3.24-25), a promessa do evangelho (10.13), e o presente, poderoso e convincente poder do Santo Espírito.

À luz da Cruz e do amor de Cristo por mim, sou frequentemente constrangido pela admoestação aos pastores de Israel:

“A fraca não fortalecestes, a doente não curastes, a quebrada não ligastes, a desgarrada não tornastes a trazer e a perdida não buscastes; mas dominais sobre elas com rigor e dureza.” (Ez 34.4)

A compaixão pelo fraco, pelo disperso e pelo necessitado é uma característica comum das nossas igrejas reformadas? Eu oro para que seja na nossa, e constantemente oro por mim mesmo, “Senhor, abra os meus olhos e quebre a dureza do meu coração para toda a alma que o Senhor colocar em meu caminho — não importa quem sejam, o que fizeram, ou o quão fraco possam ser.” Isso é parte do que significa viver à luz da Cruz.

Por: Eric Hausler. © Ligonier Ministries. Website: ligonier.org. Traduzido com permissão. Fonte: Life in Light of the Cross.

Original: A Vida à Luz da Cruz. © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados. Tradução: Guilherme dos Santos. Revisão: Pedro Henrique Lima de Oliveira.