Charles Spurgeon, Ministério de Mulheres e Pregadoras

Charles Spurgeon viveu durante os tempos iluministas do século 19, onde muitos desafiaram as tradições da igreja. Após sua chegada a Londres, o próprio Spurgeon estava na vanguarda dessa tendência, ao rejeitar a ênfase tradicional na oratória e na retórica na pregação e, em vez disso, pregou sermões ricos em evangelho na linguagem da pessoa comum. Quando seu prédio se tornou muito cheio, Spurgeon mudou seus serviços de adoração para locais seculares como o Royal Surrey Gardens Music Hall, onde os não-religiosos se sentiam à vontade para frequentar. Mesmo entre seus companheiros batistas, Spurgeon adotou algumas práticas únicas, como nomear presbíteros para servir ao lado dele.

Em todas essas práticas, no entanto, Spurgeon não foi guiado por um espírito contrário ou iluminismo orgulhoso. Em vez disso, ele estava comprometido com o ensino das Escrituras. Este compromisso significava que em áreas onde as Escrituras eram silenciosas, Spurgeon tinha a liberdade de usar sabedoria e todos os meios disponíveis para levar o Evangelho aos perdidos. Mas esse compromisso também significava que em áreas onde as Escrituras eram claras, Spurgeon não ousava invadir, não importa para onde sua cultura iluminista estivesse indo. Em seu sermão, “A Cabeça da Igreja”, Spurgeon declarou:

“Quando nos reunimos na igreja, não podemos fazer leis para o reino do Senhor; nem podemos ousar tentar. Os regulamentos necessários, que podem ser feitos para cumprir os mandamentos de nosso Senhor, reunir-se para adorar e proclamar o Evangelho, são louváveis, porque são atos necessários à obediência às suas leis mais elevadas; mas mesmo esses pequenos detalhes não são toleráveis ​​se violarem claramente o espírito e a mente de Jesus Cristo. . .. A legislação na igreja terminou naquele dia quando a maldição foi pronunciada sobre aquele que deveria tirar ou acrescentar algo à palavra de Deus. Somente Cristo é o legislador de sua igreja – ninguém exceto ele. . . nos deixou seu livro-Estatuto, suficiente para nos guiar em todos os dilemas.”

Muito do controverso ministério de Spurgeon estava destruindo as tradições extrabíblicas das igrejas, em sua época, para divulgar o Evangelho. Somente Cristo era o Cabeça da Igreja, governando a igreja por seu Espírito por meio de sua Palavra.

Em nossos dias, a conversa contínua sobre o complementarismo trouxe Spurgeon de volta a uma nova controvérsia. Embora nossos debates possam parecer recentes, a questão do papel das mulheres na igreja era algo com que os cristãos lutavam no século XIX. Muitas das denominações e seitas mais recentes, como a Sociedade dos Amigos ou o Exército de Salvação, estavam chamando a atenção ao permitir que as mulheres pregassem em suas reuniões. Dadas suas visões não tradicionais em outras áreas, qual era a visão de Spurgeon sobre a pregação por mulheres? E além da pregação, qual era a visão de Spurgeon sobre o papel das mulheres na igreja?

Spurgeon acreditava que a pregação da Palavra na reunião da igreja era restrita aos homens, junto com o ofício de presbíteros e diáconos. Ao mesmo tempo, sua ênfase predominante era em chamar mulheres para se engajarem no ministério de todas as outras maneiras que estavam disponíveis para elas.

Quando se tratava da reunião da igreja, Spurgeon acreditava que, de acordo com as Escrituras, as mulheres não deviam pregar. Pregando sobre Mateus 8.14, 15, “A primeira cura e o serviço”, Spurgeon elogia o exemplo da sogra de Pedro:

“Observe que o que essa boa mulher fez foi muito apropriado. A mãe da esposa de Pedro não saiu da cama, desceu a rua e fez um discurso para uma multidão reunida. As mulheres são melhores quando estão quietas. Compartilho os sentimentos do apóstolo Paulo quando ele ordenou às mulheres que se calassem na assembleia. No entanto, há trabalho para mulheres santas, e lemos sobre a mãe da esposa de Pedro que ela se levantou e ministrou a Cristo. Ela fez o que podia e o que deveria. Ela se levantou e ministrou a ele. Algumas pessoas não podem fazer nada do que têm permissão para fazer, mas desperdiçam suas energias lamentando que não são chamadas para fazer o trabalho de outras pessoas. Bem-aventurados aqueles que fazem o que devem fazer. É melhor ser uma boa dona de casa, enfermeira ou empregada doméstica do que ser um pregador impotente ou um falador sem graça.”

E ainda:

“Erramos muito quando idealizamos que somente um pregador pode ministrar ao Senhor – pois Jesus tem obras de todos os tipos para todos os tipos de seguidores. Paulo fala de mulheres que o ajudaram muito e, com certeza, como não há anjo ocioso, não deveria haver cristão ocioso. Não somos salvos por amor a nós mesmos, mas para que possamos servir ao Senhor e a seu povo; não percamos nosso chamado.”

Nesta passagem, e em outras, Spurgeon não hesita em falar sobre esse assunto. Ele ensina que as instruções de Paulo (provavelmente aludindo a 1Tm 2.12 e 1Co 14.34) significavam que as mulheres não tinham permissão para pregar na reunião da igreja. Dada esta limitação, Spurgeon não poderia ter imaginado uma mulher servindo como presbítera e teria visto tal prática como uma contradição à ordem de Paulo.

Ao mesmo tempo, esta passagem demonstra a ênfase de Spurgeon quando se trata de sua visão para o papel das mulheres na igreja. Spurgeon acreditava em uma igreja ativa, onde cada membro serve ativamente à sua maneira, e nenhum membro permanece ocioso. Mesmo deixando claro que a sogra de Pedro não pregava, Spurgeon continua destacando todas as formas pelas quais ela serviu a Cristo, e ele a considera um modelo.

É nessa ênfase no papel das mulheres no trabalho da igreja que Spurgeon, às vezes, chamava mulheres para “pregar”. Em todos esses casos, Spurgeon não estava se referindo à pregação na reunião da igreja, mas no compartilhar o Evangelho em seus vários contextos. Por exemplo, em seu sermão “Tudo para ele” em Atos 8.4-5, Spurgeon observa que, tendo sido dispersos, homens e mulheres cristãos “iam por toda parte pregando a palavra” e chama as mulheres a seguirem seu exemplo e a fazerem o mesmo em todos os contextos que Deus as colocou. Ele está falando sobre evangelismo, não pregação. Afinal, esta aplicação encontra-se no primeiro ponto do sermão: “A universalidade da obra de evangelização”.

Da mesma forma, Spurgeon faz uma afirmação semelhante em outro sermão, “As engrenagens da salvação”, em Romanos 10.14-15. Aqui, ele declara:

“Agora, esta noite, eu gostaria de poder motivar todos aqui a se tornarem pregadores, incluindo as mulheres e todos os demais; não que eu queira que as mulheres preguem, mas sim que elas preguem no sentido em que expus o assunto; isto é, para tornar conhecida a alguém a história maravilhosa da cruz. Falem com alguém, se puderem. Se vocês não puderem fazer isso, escrevam. Se vocês não souberem escrever, enviem-lhes um sermão ou entreguem um folheto. Apenas continuem tornando Cristo conhecido.”

Mais uma vez, Spurgeon chama as mulheres de sua congregação para pregar, isto é, “para tornar conhecida a alguém a história maravilhosa da cruz”. Essa tarefa de evangelismo, ou “pregação”, não se limitava aos homens. Contra uma sociedade que limitava a atividade das mulheres, Spurgeon queria que as mulheres de sua igreja estivessem totalmente engajadas na missão da igreja.

Exemplos de Spurgeon para o papel das mulheres no ministério

Ao longo de seu ministério, Spurgeon destacou os ministérios de muitas mulheres como uma forma de encorajá-las a servir fielmente de acordo com os dons que Deus lhes deu. De formas grandes e pequenas, Spurgeon ensinou às mulheres de sua igreja que todas elas tinham um papel importante a desempenhar na obra do reino. Aqui estão cinco exemplos de mulheres fiéis que Spurgeon apresentou ao seu povo e à igreja em geral.

Eliza Spurgeon: uma mãe fiel

Eliza era mãe de dezessete filhos, oito dos quais sobreviveram à infância. Ela se dedicou incansavelmente à criação e ao cuidado de sua família. Seu filho mais velho, Charles, prestou vários tributos emocionantes à fiel mãe ao longo de sua vida e ministério. Ele uma vez escreveu:

“Não posso dizer o quanto devo às palavras solenes de minha boa mãe. . .. Era costume, nas noites de domingo, quando éramos ainda crianças, que ela ficasse em casa conosco, e então nos sentávamos à mesa e líamos versículo por versículo, e ela explicava a Escritura para nós. . .. Certamente não tenho a capacidade de falar de forma a expor minha avaliação da bênção escolhida que o Senhor me concedeu ao me tornar filho de alguém que orava por mim e orava comigo. Como posso esquecer seus olhos lacrimejantes quando ela me alertava para escapar da ira que está por vir? . . . Como posso esquecer quando ela dobrava os joelhos e, com os braços em volta do meu pescoço, orava: “Oh, que meu filho viva diante de ti!”

O segundo filho de Eliza, John Archer, que serviu como copastor de Spurgeon no Metropolitan Tabernacle disse uma vez: “Ela [nossa mãe] foi o ponto de partida de toda a grandeza que qualquer um de nós, pela graça de Deus, jamais desfrutou.” Talvez um dos maiores sinais da fidelidade de Eliza como mãe cristã tenha sido que todos os oito filhos sobreviventes professaram a fé em Cristo e elogiaram o exemplo fiel de sua mãe em conduzi-los a Jesus. O pai de Spurgeon, John, também testemunhou a fiel testemunha de Eliza diante de seus filhos, lembrando como ele ficou impressionado ao “ouvi-la orar por eles um por um, pelo nome.”

Mary King: uma mentora piedosa

Depois que Spurgeon deixou a casa de seus pais, ele foi estudar na Newmarket Academy em Cambridge. Enquanto estava lá, ele foi influenciado pela humilde e piedosa cozinheira da escola chamada Mary King. Spurgeon tinha apenas quinze anos quando conheceu Mary, e ela viria a ter uma tremenda influência em seu desenvolvimento espiritual pelos próximos dois anos. Spurgeon escreveu sobre ela:

“Ela era uma boa e velha alma, e gostava de algo muito amável, de fato, uma boa e forte doutrina calvinista. . .. Muitas vezes examinamos o pacto da graça juntos e falamos sobre a eleição pessoal dos santos, sua união com Cristo, sua perseverança e o que significava piedade vital; e acredito que aprendi mais com ela do que teria aprendido com quaisquer meia dúzia de doutores em divindade do tipo que temos hoje em dia.”

Mary viu potencial no jovem Charles e não via como impróprio o mínimo esforço para discipular aquele jovem precoce. Spurgeon tinha acabado de chegar à fé e sido batizado antes de conhecer Mary, e ele precisava de alguém para ser seu mentor em sua jovem fé. Mary King foi a mentora mais improvável, mas teve uma influência formadora no desenvolvimento espiritual de Spurgeon naqueles dias cruciais. Alguns anos depois, à medida que Mary envelhecia, ela ficou doente, e Spurgeon a apoiou financeiramente pelo resto de sua vida para honrar a contribuição que ela deu à sua caminhada cristã.

Susannah Spurgeon: uma companheira de ministério

Susannah, ou “Susie”, como Spurgeon a chamava, era uma mulher notável. Ela não apenas foi uma esposa e mãe extremamente fiel, mas também participou, ao lado do marido, no trabalho ministerial. Susie foi inválida durante a maior parte de sua vida adulta, confinada em sua casa a maior parte do tempo. No entanto, Susie não se intimidou com as limitações impostas a ela por seus males físicos.

Ao pesquisar o cenário evangélico de sua época, Susie detectou a necessidade, entre muitos pastores pobres da Inglaterra, de livros sólidos com teologia rica, como os que seu marido escrevia. Essa paixão a levou a fundar a “Sra. Spurgeon’s Book Fund”, que fornecia livros gratuitamente para ministros necessitados em todo o país. Ao longo de sua vida, ela distribuiu centenas de milhares de livros, enchendo as prateleiras de pastores pobres.

Susie também se tornou carinhosamente conhecida como a “Mãe” do Colégio de Pastores. Ela ganhou este título em parte por causa de seu forte envolvimento nos primeiros dias do Colégio. Susie e Charles, juntos, praticavam a economia doméstica mais rígida para permitir a si mesmos a capacidade de doar liberalmente para o estabelecimento e crescimento da escola. Susie também trabalhou para fazer da casa dos Spurgeons um centro de hospitalidade para os alunos da faculdade que frequentemente iam a sua casa para desfrutar da comunhão com os Spurgeons.

Mesmo depois da morte de seu marido, Susie ainda esteve ativamente engajada no trabalho cristão. Não apenas sua fundação para livros continuou, mas Susie se dedicou ao trabalho de plantação de igrejas nos anos finais de sua vida. Ao passar pela cidade costeira de Brexill-on-Sea, Susie estava em busca de uma capela batista onde pudesse adorar. Ao descobrir que não havia tal capela na área, ela se comprometeu a plantar uma igreja ali. A igreja que ela ajudou a plantar, a Beulah Baptist Church, ainda hoje é uma testemunha do Evangelho em Brexill-on-Sea.

Anne Hillyard: uma filantropa cristã

Em meados da década de 1860, Spurgeon começou a liderar sua igreja orando para que Deus os guiasse em alguma nova obra que eles pudessem realizar para sua glória e o bem das pessoas necessitadas de Londres. Essa oração foi atendida por meio da visão benevolente da modesta viúva de um pastor anglicano. Anne Hillyard era uma mulher piedosa que herdou uma grande fortuna de um membro da família falecido e estava ansiosa para usar seu dinheiro em causas benevolentes. Ela estudou cuidadosamente e esperou pela oportunidade certa de investir seus fundos no trabalho do reino.

A oportunidade surgiu depois que ela leu um artigo na revista de Spurgeon, The Sword and the Trowel. Ela imediatamente enviou uma carta solicitando um encontro com o famoso pregador. Foi nessa reunião que ela propôs um presente de £ 20.000 (no valor de £ 2,5 milhões hoje) para iniciar o que veio a ser chamado de Orfanato Stockwell, fundado em 1869. Ao longo das décadas seguintes, Anne e Charles fizeram parceria para suprir e cuidar de centenas e centenas de órfãos necessitados. O ministério continua até hoje, simplesmente conhecido como “Spurgeons”, e fornece apoio e cuidados para milhares de crianças vulneráveis.

Spurgeon amava contar a história das origens auspiciosas do Orfanato Stockwell. Ele também gostava de considerar Anne um modelo de serviço cristão. Na abertura do Orfanato, Spurgeon disse de Anne:

“Quando as generosas contribuições da Sra. Hillyard foram anunciadas pela primeira vez nos jornais, as pessoas disseram que haviam sido dadas por uma duquesa, mas eu digo que não, foram dadas por uma princesa – uma de sangue imperial – uma filha do Rei dos reis. Ela o deu da maneira mais sem ostentação, desejando que seu nome não fosse conhecido, e eu e meus amigos a arrastamos para a luz hoje, contrariando sua vontade. Ela é uma mulher cristã simples e sincera, que dedicou a maior parte de suas posses a Deus sem pedir honra de ninguém. Ela só pede ajuda para este grande trabalho. Espero ver não duzentos, mas dois mil meninos no Orfanato, e peço a todos os que agora ouvem que quebrem suas regras cristãs e deem três vivas à Sra. Hillyard!

Anne morreu em 1880, cercada por muitos dos meninos que ela resgatou. Suas palavras finais foram: “Meus meninos! Meus meninos!”

Sra. Bartlett: Uma professora de mulheres e serva da Igreja

Spurgeon acreditava que era inteiramente apropriado que as mulheres ensinassem outras mulheres na igreja. Assim, ele procurou promover e dar recursos a mulheres que evidenciassem a capacidade de ensinar a verdade a outras pessoas.

Uma dessas mulheres foi Lavinia Bartlett. Em 1859, ela foi convidada a ocupar temporariamente um cargo como professora de uma pequena classe de escola dominical. Na primeira reunião da classe, apenas três adolescentes compareceram. Apenas seis anos depois, ela ensinava regularmente mais de mil mulheres por semana. A aula tinha assumido o caráter de um estudo bíblico evangelístico, e as mulheres cristãs convidavam regularmente para a aula suas amigas não convertidas de fora da igreja. Não apenas os membros do Tabernáculo eram servidos por esta classe, mas um grande número de mulheres era regularmente convertido por meio do ministério da Sra. Bartlett, incluindo muitas prostitutas de Londres – pelo menos uma das quais se tornou missionária.

Spurgeon, por sua vez, fez todos os esforços para promover o trabalho da Sra. Bartlett. Ele gostava de dizer: “Meu melhor diácono é uma mulher”. Depois que a Sra. Bartlett morreu em 1875 com a idade de sessenta e nove, Spurgeon dirigiu-se a sua classe com estas palavras:

“Sua confiança inabalável no Salvador levou muitas de vocês a confiar nele. Vocês viram como ela cria, viram a alegria que sua fé lhe trouxe, o descanso tranquilo e o poder que ela obteve, e vocês foram conduzidas a Jesus Cristo, talvez inconscientemente para vocês, mas muito mais por meio de seu exemplo. Ela era uma crente cuidadosa e completa; firme em suas convicções e enraizada em seus princípios. Ela estava imersa no Senhor Jesus. . .. Que trabalhadora ela era. Ninguém jamais saberá, até que os livros sejam finalmente abertos, o quanto ela fez. . .. Não acredito que nenhuma mãe neste lugar conheça seus filhos muito melhor do que os membros desta classe. . .. Seu coração era grande e seus esforços incessantes.”

Conclusão

O desejo sincero de Spurgeon era promover o trabalho de mulheres fiéis e piedosas na vida da igreja. Embora ele acreditasse que o púlpito fosse fechado para as mulheres, o mundo não era. Ele teria apoiado de todo o coração as palavras de uma mulher evangélica de época anterior, Hannah More, que disse: “A ação é a vida da virtude, e o mundo é o teatro da ação”.

Por: Alex DiPrima. © 9Marks. Website: 9marks.org. Traduzido com permissão. Fonte: Charles Spurgeon, Women’s Ministry, and Female Preachers.

Original: Charles Spurgeon, Ministério de Mulheres e Pregadoras. © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados. Tradução: Paulo Reiss Junior. Revisão: Filipe Castelo Branco.