Uma História do Islã

Em 622 d.C. Maomé e seus seguidores fugiram de Meca para Medina – um evento conhecido como Hégira. Esta data é vista como o ponto de início da fé islâmica.

É o início não apenas do calendário islâmico, mas também da visão do Islã de um governo de Alá ampliado para todo o mundo, com novas regiões convertidas e os inimigos da fé derrubados. O nome da religião também está repleto de significado: Islã significa “rendição” ou “submissão”. Portanto, um seguidor do Islã é aquele que se rende à vontade de Alá. A história do Islã desde então, no entanto, vem sendo moldada pelos contos daqueles que se esforçaram para ver a expansão de sua fé em países que não conhecem o Alcorão ou seus ensinamentos.

Imediatamente após a morte de Maomé em 632 d.C., o Islã experimentou sua primeira divisão política. A questão central dizia respeito a quem assumiria o manto de liderança com o falecimento de Maomé. Essa divisão levou à formação de dois ramos dentro do Islã: os sunitas, que acreditam que o califado (liderança da comunidade muçulmana) foi colocada nas mãos de Abu Bakr (sogro de Maomé) e os xiitas, que acreditam que foi colocada nas mãos de Ali ( Genro de Maomé). O equilíbrio desses dois ramos, no entanto, nunca foi muito contestado. Dos 1,5 bilhão de muçulmanos no mundo hoje, quase 90% aderem ao ramo sunita.

Essa divisão é mais do que uma diferença de nome ou estrutura. Os sucessores sunitas dominantes, começando com Abu Bakr, lançaram uma série de expansões, primeiro dentro dos territórios árabes e depois por meio de invasões em terras a oeste e leste. Por meio de uma combinação de táticas astutas e cavalos ágeis, seus exércitos quase sempre eram bem-sucedidos. Um século após a morte de Maomé, o Islã conquistou vastas áreas de regiões cristãs romanas, desde a atual Espanha até a fronteira do subcontinente indiano – quase cinco milhões de quilômetros quadrados de território. Claro, os cristãos, em todo o mundo, viam essas terras não como religiosamente neutras, mas como perdas dolorosas para sua fé histórica. (Em algumas dessas áreas, a presença cristã datava da época do Novo Testamento.) Mas o sistema de califado e as operações militares que ele supervisionava eram simplesmente dominantes demais para resistir.

Durante essa fase inicial, a expansão do Islã para o Ocidente foi interrompida apenas na Batalha de Tours (732 d.C.), no coração da França moderna. O herói de Tours foi Charles Martel – Charles “o Martelo” – um filho da linha merovíngia dos novos reinos francos, que eram cristãos nicenos. A mistura de fé e guerra já estava começando. Lauréis foram colocados aos pés de Carlos como o vencedor da fé cristã contra o Islã, embora a vitória tenha sido vazia devido ao medo crescente sobre a ameaça de novos ataques. Mas foi Tours que gerou algumas das primeiras animosidades entre os reinos islâmicos e ocidentais.

Paralisados com o revés na França, os primeiros reinos islâmicos trabalharam em dobro para conquistar as terras cristãs sob o domínio do Império Bizantino. Os ocidentais devem se lembrar que as terras da Ásia Menor, Egito e Norte da África nessa época eram em sua maioria cristãs, com uma linhagem de teologia e vida da igreja cristãs que se estendia por séculos no passado. (Agostinho era do Norte da África, e os grandes credos ecumênicos foram escritos principalmente na Ásia Menor.) A situação era sombria para os cristãos nessas terras, devido, em grande parte, à ascensão do reino talvez mais influente e importante na história do Islã: o califado abássida. A casa abássida assumiu o controle no início da história islâmica e depois estabeleceu a cidade de Bagdá como sua capital. De 750 a 1517 – o ano em que Lutero publicou suas Noventa e Cinco Teses – a cultura islâmica experimentou uma idade de ouro sob a dinastia Abássida. Muitas das histórias da civilização islâmica avançada, filosofia, arquitetura e ciências originam-se deste período sob o domínio abássida.

A primeira história do Islã, portanto, foi marcada tanto por sua conquista pela espada quanto pelo adensamento de sua herança cultural que moldaria a religião até os dias de hoje. Muitas das terras conquistadas pelo islamismo permaneceram religiosamente as mesmas por séculos – embora cristãos, judeus ou pagãos, nessas cidades, imediatamente tenham encontrado seu mundo repleto de nomes árabes, enquanto as mesquitas rapidamente começaram a pontilhar a cidade. No entanto, durante o período medieval, as religiões não islâmicas nas terras conquistadas, especialmente o cristianismo, acabaram se tornando a minoria.

Os cristãos que testemunharam a perda dessas terras para o Islã ansiavam por uma resposta final dos exércitos cristãos para retomar essas terras e libertar seus irmãos. No final, as Cruzadas foram lançadas.

As Cruzadas muitas vezes serviram como uma mancha na história da igreja – como um momento em que a graça deu lugar à violência. Um dos grandes mitos das Cruzadas é o de que elas sozinhas transformaram o Islã em uma força militar após um período de harmonia pacífica, resultando em hostilidade com o Ocidente desde então. Como vimos, no entanto, a relação entre os impérios islâmico e cristão raramente era pacífica. O período medieval foi uma época sangrenta para todos os envolvidos, com muitos exércitos lutando sob a bandeira da religião. Ainda assim, as Cruzadas não representavam a inauguração da violência entre o Ocidente e o Islã, mas sim sua expressão mais definitiva – que ainda hoje vive no imaginário popular.

A Primeira Cruzada foi oficialmente convocada em 1096 pelo Papa Urbano II. O papa estava, então, se reunindo no Conselho de Clermont, quando um embaixador do imperador bizantino chegou para implorar por ajuda contra a invasão dos exércitos islâmicos. Em resposta, Urbano subiu ao púlpito, pregou um sermão vibrante sobre a necessidade cristã de uma força armada para responder a esta ameaça e, assim, lançou o Ocidente em várias centenas de anos de tentativas de conquistar e manter a jurisdição na Terra Santa.

Do ponto de vista cristão, essas guerras foram justificadas em parte por causa da invasão sem fim das forças islâmicas em terras cristãs, bem como o medo de que a Europa fosse a próxima na linha de ataque se seus aliados bizantinos caíssem nas mãos islâmicas. O Islã não atacou apenas a Espanha e a França, mas também as costas da Itália e outros centros europeus. Mais importante, os exércitos que marcharam para Jerusalém não o fizeram por causa da pilhagem ou outros ganhos materiais. Eles foram, eles acreditavam, como um exército de libertação para expulsar os exércitos agressivos do Islã. Quando os exércitos das cruzadas finalmente libertaram Jerusalém em 1099, construindo um estado militarizado no coração da Palestina, era apenas uma questão de tempo até que os exércitos islâmicos respondessem.

A história islâmica, portanto, foi moldada, em grande parte, por suas tentativas de retomar essas terras. O Ocidente, da mesma forma, foi moldado por suas tentativas de conquistar terras. O Ocidente estava correto ao dizer que o Islã havia tomado essas regiões à força, mas os esforços para reafirmar o governo cristão eram frequentemente muito perigosos. É fácil culpar os exércitos cristãos como os agressores, mas a fé dos exércitos de nenhum dos lados conseguiu impedir suas tentativas de travar uma guerra total. Ambos pareciam saborear a luta: sagas heroicas sobre cavaleiros cristãos na Terra Santa são acompanhadas por histórias islâmicas de seus líderes heroicos. Talvez a maior lenda do Islã seja a de Saladino, líder de seus exércitos durante a Terceira Cruzada contra Ricardo Coração de Leão e fundador da dinastia aiúbida. As façanhas de Saladino foram tão heroicas que o Saladin Eagle – um símbolo de desafio à intrusão estrangeira – vive hoje como um emblema de várias nações e grupos islâmicos.

Ao longo do período medieval, as regiões islâmicas, antes fragmentadas, começaram a se tornar cada vez mais unidas contra as cruzadas. A última tentativa das potências europeias de lançar uma cruzada não foi no período medieval, mas na verdade durante o Quinto Concílio de Latrão (1512-1517). Embora a tentativa tenha falhado em reunir apoio para uma cruzada, o califado abássida já estava diminuindo e logo seria substituído por outra dinastia poderosa: os otomanos.

O papel do Império Otomano, de 1550 a 1850, na formação da compreensão ocidental da história do Islã, é importante. Claro, nem todo o Islã durante esse período era otomano. Outras dinastias surgiram e caíram e espalharam a fé por várias partes da Ásia e por toda a África. Ainda assim, o domínio dos otomanos é indiscutível, e sua proximidade com a Rússia e a Europa forneceu-lhes a maior oportunidade, no cenário global, de assumir a liderança como reino islâmico. Os exércitos otomanos repetidamente se lançaram contra a Rússia até aproximadamente 1800, quando o estresse colocado no envelhecimento do império o levou a um rápido declínio.

Ao chegarmos ao século XXI, então, a história do Islã tem soprado quente e fria nas mentes dos povos ocidentais. Uma pesquisa do período medieval e da maior parte da era da Reforma revela um medo oculto sobre a ameaça de exércitos islâmicos invadindo a Europa. Em 1900, porém, a memória dessas guerras havia se apagado. Era fácil para alguém, antes da Primeira Guerra Mundial, imaginar a cultura islâmica como um pouco mais do que o que liam em As Mil e Uma Noites. Tudo isso mudou, no entanto, com a necessidade repentina de petróleo no século XX, a fratura do Oriente Médio em vários estados islâmicos e a formação do estado de Israel em 1948. O Islã, é claro, continuou a se expandir globalmente, mas o atrito criado por essas questões modernas levantou novamente o espectro da base árabe da cultura islâmica e sua relação com o Ocidente.

Por: Ryan Reeves. © Ligonier Ministries. Website: ligonier.org. Traduzido com permissão. Fonte: A History of Islam.

Original: Uma História do Islã. © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados. Tradução: Paulo Reiss Junior. Revisão: Filipe Castelo Branco.