Encontrando esperança na Palavra em meio ao luto

Texto base: Salmo 73

Estamos vivendo um tempo diferente do usual, um momento de pandemia que trouxe consigo muitas mortes. Antigamente, era comum perder filhos que não chegavam à vida adulta, ou perder pessoas muito cedo. Se nossos antepassados sempre experimentaram mortes, hoje entendemos que o padrão é viver por muito tempo. Nossa mentalidade mudou com o tempo. Fomos enganados a confiar excessivamente na capacidade da medicina e da tecnologia de curar nossos males. Contudo, a realidade da morte está mais próxima do que vimos anteriormente.

O que é mais revelador na pandemia não é a morte ser real, mas a maneira como temos reagido às instabilidades. A pandemia revelou nossos temores, fraquezas e pecados que não estávamos habituados a enxergar. Analisemos, então, nossas fragilidades e nossa resposta às instabilidades que levam nosso coração a fraquejar. O Salmo 73 é importante nesse contexto. Ele revela nossos pecados e fraquezas que estão dentro de nós.

Primeiro de tudo, é preciso destacar a importância de termos consciência da nossa leitura da vida, da nossa cosmovisão e de como ela é reveladora. Parte de nossas perturbações se deve a perdermos de vista nosso destino final. Não tem a ver com o outro, mas com você e comigo. Independentemente da qualidade da teologia, funcionalmente falando, as pessoas vivem a vida sem o senso de chegada. Por isso temos tanta dificuldade para enfrentar certos problemas.

Sempre buscamos solução e descanso presente. Nunca falamos da ressurreição no último dia ao aconselhar. Não estamos acostumados a falar do porvir como nosso descanso presente. Não conseguimos encorajar as pessoas como Paulo o faz em 1 Coríntios 15, quando ele disse que, se nossa esperança se limita a essa vida, somos os mais infelizes de todos os homens. O Salmo 73 mostra a falência de oferecer consolo apenas com base no alívio presente. Frases simplistas como “Fica tranquilo, Deus está no controle” não percebem a complexidade da luta contra os problemas dessa vida. Apesar de ser verdadeiro, isso não revela os enganos sutis nem a solução bíblica para a aflição.

O Salmo 73 é o primeiro salmo do Livro III, o qual trata de muitos episódios negativos e tristes. A mensagem predominante é que o povo de Deus está sendo vencido, mas não que o povo esteja abandonado, mas para que acordem para o fato de não viverem longe de Deus.

Nosso foco revela nossa cosmovisão. Somos pessoas que com frequência oferecemos consolo presente. Por vezes definimos a vida abundante como uma experiência satisfatória em que tudo vai bem no presente. O problema está no controle que o desejo exerce sobre nós. Esperamos que tudo vá bem e nos frustramos quando isso não acontece. Esses desejos revelam como essa expectativa controla nosso coração. Mas esquecemos que a realidade eterna é real. Perdemos a eternidade de vista porque nos prendemos demais ao terreno.

Asafe havia perdido isso de vista (Sl 73.3-5, 12). Ele se preocupara com realidades visíveis e presentes. Por isso, ele acabou tirando conclusões baseadas no que vemos neste mundo. Temos certas expectativas que, embora nem sempre conscientes, nos fazem esperar certas coisas dadas como certas. O coração é nutrido de expectativas que nos frustram, pois a cosmovisão foi marcada por utopias. Mas nossas angústias não são fatos, e sim nossas interpretações. É preciso atentar para o fato de que nosso foco norteia nossa visão e nossas expectativas.

Quando lidamos com quem sofre, não devemos ser insensíveis; dores são resultados de causas reais. Mas os maiores problemas não são externos, não estão lá fora. Precisamos voltar nossa análise para o aspecto interno, para dentro de nós mesmos. Pensamentos, motivações e desejos devem ser descobertos.

Quais são os sintomas de que nosso foco está errado? Inveja (73.3), um pecado difícil de reconhecer, mas precisamos da graça de Deus para admitir que muitas vezes sentimos inveja. Em geral, não invejamos quem é muito diferente, mas quem é semelhante a nós, mas apenas um pouco melhor, ou que recebeu algo melhor. Achamos o sucesso daquela pessoa injusto. O salmista não inveja o sucesso de Davi, por exemplo, mas os maus, aqueles que não amam ao Senhor. A inveja trabalha mediante um senso de injustiça.

Um segundo sintoma: confusão (73.16). Ele não consegue entender o que Deus está fazendo. Em geral, confusão é sinônimo de que nosso coração não tem descanso. Elas não são difíceis num plano intelectual; são difíceis de engolir. Nossa aflição não é intelectual, mas porque estamos sofrendo. Como conciliar o sofrimento com a ideia de que Deus é bom?

Terceiro sintoma: desânimo (73.13-14), abatimento. A vida devocional esfria, a frequência nos cultos evapora. Por fim, amargura (73.21), a qual nem sempre é fácil de detectar e admitir. Há amarguras que são públicas, que são expressadas em murmuração. Algumas, entretanto, são veladas (73.15). É como se ninguém desconfiasse da amargura de Asafe. Por vezes temos receio de contar a alguém o que sentimos.

Esses são sintomas de que nosso foco está errado. Acabamos fazendo um juízo soberbo com relação aos outros, chamando-os de soberbos e violentos (73.6), invejosos e insatisfeitos (73.7), escarnecedores e maliciosos (73.8), irreverentes (73.9), promovem discípulos inconsequentes, pois as pessoas os seguem (73.10-11). Asafe está inconformado. Mas essa avaliação também é soberba, pois ela parte de justiça própria. Aqui o salmo é revelador: ele não profere mentiras. Os ímpios são tudo isso, mas Asafe não enxerga que essa leitura alimenta um coração que se julga melhor do que eles, que também cobiça, usa a língua indevidamente, etc. Asafe julgou que sua espiritualidade foi uma perda de tempo, e isso revela suas crenças. A conclusão de que Deus não é bom está enraizada nos desejos por coisas desse mundo. Isso é idolatria e determina nossas conclusões sobre a vida.

Mas como Deus muda nosso foco para não nos abatermos tanto com esse mundo? Diferente do que as pessoas pensam, a realidade do porvir é muito prática para nossos problemas presentes. Asafe tem um momento de descoberta (73.17), quando o tom do salmo muda. Quando ele entra na casa do Senhor, ele percebe o que Deus fará com os que não o temem. Há reviravolta de pensamento. Ele percebe a instabilidade (73.18) e a fugacidade de suas vidas (73.20). Tudo que ele almejava é passageiro.

Ele finalmente entendeu. Piedade é resultado da compreensão da verdade. Elas não se separam. Asafe mudou quando a teologia ficou clara, sendo lembrado do valor da segurança (73.23), sucesso (73.24), alegria (73.25) e riqueza em Deus (73.26). Deus não lhe dá o que ele queria em sua idolatria; foi seu foco que mudou. O amor por Deus lhe deu satisfação e fez de Deus sua prosperidade. Ele termina o salmo (73.27-28) de forma inteiramente diferente. Seu foco passou a ser a vida por vir. Este salmo avisa de que, se negligenciarmos o eterno peso de glória, podemos nos perder.

Eis algumas lições para encararmos as tristezas e dificuldades que são reais.

  1. Temos que aprender a perseverar entre o e o ainda não. Realidades eternas não apenas vão acontecer, mas parte do porvir começou. O fato de já termos a eternidade deve ser tremendamente encorajador. O Reino ainda não foi consumado, mas ele já é real. Cristo já tem toda a autoridade sobre todas as coisas.
  2. Sofrimento e caráter não são proporcionais. O mundo não recompensa de acordo com o caráter. Ser crente não implica vida tranquila. Nosso coração não o aceita facilmente, a não ser que temos uma noção do porvir. Justiça divina vai ser feita.
  3. É incrível estar com Deus quando a morte bate à porta. Podemos entender que mesmo morte prematura é benção para o fiel (73.24).

Não se indigne com a morte como o mundo o faz. É verdade que a morte não é natural, mas para nós morrer é lucro. Por isso faz sentido que nossos cultos fúnebres sejam recheados de alegria; mesmo em meio ao choro, podemos encontrar consolo e esperança. Lidaremos muito melhor com as tristezas da vida se nosso coração estiver firme na eternidade, quando experimentaremos o doce consolo do Deus de toda a consolação.