Não deixará de haver verão e inverno: aliança noética e aquecimento global

É fato que há hoje muita polêmica acerca dos temas relacionados à responsabilidade ambiental, ao passo que se discute se o fenômeno da mudança climática é um ciclo natural ou se é antropogênico, isto é, provocado pela atividade humana. Os que defendem a primeira tese denunciam um certo alarmismo sobre o aquecimento global, ao passo que os que defendem a segunda, acusam o outro lado de negacionismo. Contudo, independentemente dos pontos de vista, a Igreja tem nesse debate um ponto de contato com a cultura, que lhe confere uma oportunidade de expor a cosmovisão cristã acerca da ética ambiental, da responsabilidade da espécie humana sobre a natureza e, até mesmo, acerca de sua visão escatológica de uma criação a ser redimida.

Em Gênesis somos ensinados que Deus abençoou o homem e a mulher e deixou-lhes uma instrução que, na Teologia Reformada, denomina-se de mandato cultural:

Então Deus os abençoou e lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos; enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que rastejam sobre a terra. (Gênesis 1.28)

O mandato cultural é um daqueles momentos da narrativa bíblica que enchem nossos olhos de beleza e nossa mente de expectativa. Homem e mulher deveriam se tornar uma só carne, frutificar, multiplicar e encher a Terra. Porção seca, mares e ares já estavam repletos de diversidade de vida. O planeta não era um grande deserto. Então, encher a Terra significava que a humanidade deveria povoá-la agora com sua própria espécie. Que grande missão! E não somente isso, o homem deveria se expandir sobre ela e sujeitá-la, bem como dominar sobre todo tipo de animal. Assim, recebemos de Deus a função de sermos vice-regentes da criação: deveríamos honrar a Deus através do cuidado de tudo que havia sido criado, levando a imago dei a todos os lugares do mundo.

Mesmo após a Queda, a espécie humana, de fato, se multiplicou, mas não conseguiu ser fiel à totalidade de seu mandato ao espalhar consigo a sua maldade. Assim, conforme nos é narrado a partir de Gênesis 6, Deus enviou um dilúvio que faria desaparecer o homem da Terra. Porém, Noé achou graça diante do Senhor e foi poupado com sua família.

Após os 40 dias de dilúvio e passado o tempo de estiagem, Noé e os seus saíram da arca e receberam novamente a ordem de frutificar, povoar plenamente o mundo e multiplicar-se nele. Deus renovou o mandato cultural e lhes entregou, mais uma vez, todos os animais e plantas, os quais lhes serviriam por alimento. Por fim, receberam uma garantia para eles e sua descendência, através de uma aliança marcada por um sinal no céu em forma de arco, de que Deus não mais destruiria a Terra por meio de um dilúvio.

Dentro desse pacto há também uma promessa encontrada no último versículo de Gênesis 8, de que enquanto existir o planeta, haverá estabilidade e previsibilidade climática para a produção de alimentos e a sobrevivência do ser humano. Assim disse o Senhor:

Enquanto a terra durar, não deixará de haver plantio e colheita, frio e calor, verão e inverno, dia e noite. (Gênesis 8.22)

Desse modo, apesar de a fé cristã possuir, a partir do mandato cultural, um ponto de contato com a agenda ambientalista acerca do cuidado com a natureza, há uma clara ruptura com a narrativa de que eventuais mudanças climáticas poderiam tornar a Terra inabitável e insustentável. Tal perspectiva de catástrofe climática corre atualmente na cultura popular e é muito comum em filmes de ficção, por exemplo, em cujos tramas o nosso mundo entra em colapso devido a uma reação do meio-ambiente ao desiquilíbrio ecológico provocado pelo homem, e que geralmente é seguido por uma esperança escatológica de recomeço da vida em outro planeta – como em Insterstellar.

Tal entendimento não é bíblico. O homem não tem poder para abalar o clima a ponto de mudar os tempos e tornar a Terra improdutiva, pois não tem poder de mudar a promessa de Deus para a humanidade, de que sempre haverá plantio, colheita, frio, calor, verão, inverno, dia e noite. Em Salmos 75.3, o Senhor diz: “Vacilem a terra e todos os seus moradores, ainda assim eu firmarei as suas colunas”. E Eclesiastes 1.4 reproduz essa promessa na prática: “Gerações vêm, gerações vão, mas a terra permanece a mesma”.

Ainda, é importante salientar que nossa esperança escatológica está na volta de Cristo, que fará novas todas as coisas. A própria natureza aguarda essa renovação com grande expectativa, conforme Paulo afirma em sua epístola aos Romanos:

Pois a criação aguarda ansiosamente a revelação dos filhos de Deus. Porque a criação ficou sujeita à inutilidade, não por sua vontade, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que também a própria criação seja libertada do cativeiro da degeneração, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Pois sabemos que toda a criação geme e agoniza até agora, como se sofresse dores de parto. (Romanos 8.19-22)

Apesar de podermos ter a certeza sobre a estabilidade das estações e das colheitas, e de que a natureza também será um dia liberta dos efeitos da Queda na volta de Cristo, a nossa responsabilidade não diminui. Ao contrário, tudo isso coloca mais peso à incumbência de sermos mordomos (administradores) de uma criação tão bela e perfeita, posto que temos um tesouro dessa magnitude em nossas mãos, confiado a nós pelo seu próprio dono.

Entendemos, portanto, que nosso dever de cuidado com a natureza não é apenas material, como se falharmos, poderíamos fabricar uma nave espacial e colonizar outro planeta. O peso dessa responsabilidade é espiritual, e não há viagem sideral que nos permita fugir dela. Se os construtores da torre de Babel acabaram confundidos quando tentaram se fazer iguais a Deus ao construir uma edificação tão alta que, conforme é possível conjecturar, os permitisse escapar de um outro dilúvio; não podemos pensar que não será assim para aqueles que desconsideram hoje o dever incumbido a nós por Deus, e simplesmente continuam multiplicando sua maldade e sua jactância sobre o mundo pensando que conseguirão simplesmente escapar para o espaço caso a Terra passe por algum tipo de destruição.

A Igreja deve aproveitar o despertamento da sociedade para as pautas ambientais a fim de mostrar que nossa responsabilidade é maior do que manter um lugar habitável, mas, além disso, é também tomar conta dele de forma a refletir a glória de seu Criador. E a melhor maneira de fazer isso é pela pregação de arrependimento através da proclamação do evangelho, freando juntamente a propagação da maldade sobre o mundo.

Jesus mesmo disse, em Mateus 24.14: “E este evangelho do reino será pregado no mundo inteiro, em testemunho a todas as nações, e então virá o fim”. Assim, a própria esperança escatológica de redenção da natureza é ligada à pregação da Palavra de Deus.

Temos, então, o dever de bem cuidar da Criação e proclamar o Evangelho, para que a Terra seja coberta do conhecimento da glória do Senhor. Enquanto mordomos de um planeta que o Senhor prometeu que não irá falhar para dar o sustento que necessitamos para a vida, a aliança noética nos leva, desse modo, a perseguir esta esperança em Cristo, de que Ele fará novas todas as coisas.