Ordenando o lar sem ser controlador

Este artigo faz parte da série Perfeccionismo e Controle.

Estou cada vez mais convencido de que há apenas duas maneiras de viver: (1) confiando em Deus e vivendo em submissão à sua vontade e ao seu governo, ou (2) tentando ser Deus. Praticamente não há opção intermediária. Como pecadores, nós parecemos ser melhores na segunda do que na primeira. Essa dinâmica espiritual atinge em cheio o espírito da paternidade e do matrimônio.

Paternidade

Paternidade bem sucedida é sobre perda de controle legítima e ordenada por Deus. O objetivo da paternidade é criar filhos, que uma vez foram completamente dependentes de nós, para serem pessoas independentes e maduras que, dependentes de Deus e devidamente conectadas à comunidade cristã, são capazes de se sustentarem por conta própria.

Nos primeiros anos de paternidade estamos no controle de tudo e, apesar de reclamarmos por conta do estresse de todo o processo, nós gostamos de ter o poder. Há pouco que os bebês e crianças bem pequenas escolhem fazer. Escolhemos a sua comida, suas horas de descanso, forma que se exercitam fisicamente, o que eles vêem e escutam, onde vão, quem são seus amigos — a lista poderia se estender bastante.

Contudo, a verdade é que desde o dia um nossos filhos estão se tornando independentes. O bebê que uma vez era incapaz de se virar sem assistência consegue agora engatinhar para dentro do banheiro sem nossa permissão e desenrolar um rolo inteiro de papel higiênico. Essa mesma criança em breve estará indo a lugares distantes de casa bem fora do nosso alcance paterno.

Quantos pais tiveram dificuldade com as amizades que seus filhos escolheram? Sim, a escolha de companhias é uma questão muito séria, mas também é uma área onde nós entregamos o controle a uma criança em crescimento. O objetivo da paternidade não é reter um controle a punhos cerrados sobre nossos filhos na tentativa de garantir sua segurança e nossa sanidade. Somente Deus é capaz de exercer esse tipo de controle. Em vez disso, o objetivo é ser usado por ele para introduzir a nossos filhos um autocontrole cada vez mais maduro através dos princípios da Palavra e de permitir que eles exerçam círculos cada vez maiores de escolhas, controle e independência.

Como conselheiro e pastor, eu trabalhei regularmente com pais que queriam fazer o relógio andar para trás. Eles pensavam que a única esperança era voltar aos primeiros dias de total controle. Tentavam tratar seu filho adolescente como uma criancinha. Terminaram mais parecidos com carcereiros do que com pais e esqueceram de ministrar o evangelho que era a única esperança naqueles momentos cruciais de dificuldade.

É vital que lembremos de três verdades do evangelho no que diz respeito a essas dificuldades da paternidade:

  1. Não há situação que não esteja sob controle, porque Cristo governa sobre todas as coisas pelo bem da igreja (Ef 1.22).
  2. Não só a situação está sob controle, mas Deus está trabalhando nisso, fazendo o bem que ele prometeu fazer (Rm 8.28). Então eu não preciso controlar cada desejo, pensamento e ação da minha criança em crescimento. Em cada situação, ele ou ela está sob o controle soberano de Cristo, que está realizando o que eu não consigo.
  3. O objetivo da minha paternidade não é conformar os meus filhos à minha imagem, mas trabalhar para que eles sejam conformados à imagem de Cristo. Meu objetivo não é clonar meus gostos, opiniões e hábitos em meus filhos. Eu não estou procurando pela minha imagem neles; anseio ver a de Cristo.

Não podemos considerar a paternidade sem olharmos honestamente para o que nós, como pais, trazemos para a dificuldade. Se nossos corações são governados por sucesso, apreciação e controle nós iremos involuntariamente ter vontade de que nossos filhos atinjam nossas expectativas ao invés de ministrarmos às necessidades espirituais deles. Em vez de enxergarmos momentos de dificuldade como portas de oportunidade dadas por Deus, nós os veremos como frustrantes, decepcionantes, irritantes e vamos experimentar uma crescente raiva direcionada às crianças a quem nós fomos chamados a ministrar.

Matrimônio

O mesmo é verdadeiro sobre o matrimônio. Nossos casamentos vivem no meio de um mundo que não funciona como Deus intentou. De alguma forma, nossos casamentos são tocados diariamente pelo estado de fratura do mundo. Talvez isso simplesmente tenha a ver com a necessidade de vivermos com os aborrecimentos de baixo nível de um mundo quebrado, ou talvez estejamos encarando problemas grandes que alteraram o curso de nossas vidas e casamentos. Mas uma coisa é certa: nós não escaparemos do ambiente que Deus escolheu para vivermos.

Não é por acidente que nós estamos conduzindo nossos casamentos nesse mundo quebrado. Não é por acidente que temos de lidar com as coisas que lidamos. Nada disso é destino, acaso ou sorte. Tudo isso faz parte do plano redentor de Deus. Atos 17 diz que ele determina exatamente o lugar em que vivemos e o exato comprimento de nossas vidas.

Deus sabe onde moramos e não está surpreso com o que estamos enfrentando. Ainda que enfrentemos coisas que não fazem sentido para nós, há significado e propósito para tudo que enfrentamos. Estou convencido de que entender nosso mundo caído e o propósito de Deus de nos manter nele é fundamental para construirmos casamentos de unidade, compreensão e amor.

Veja, a maioria de nós tem um paradigma de felicidade pessoal. Agora, não é errado querer ser feliz e não é errado trabalhar pela felicidade conjugal. Deus nos deu a capacidade para o deleite e colocou coisas maravilhosas ao nosso redor para nos deleitarmos. O problema não é que esse é um objetivo errado, mas que esse é um objetivo muito pequeno. Deus está trabalhando em algo profundo, necessário e eterno.

Deus tem um paradigma de santidade pessoal. Não desanime com a linguagem aqui. As palavras significam que Deus está trabalhando através das nossas circunstâncias diárias para nos transformar. Em seu amor, ele sabe que nós não somos tudo que ele nos criou para sermos. Ainda que isso seja difícil de admitir, ainda há pecado dentro de nós, e esse pecado é um obstáculo para o que nós deveríamos ser e fomos criados para fazer (e, a propósito, esse pecado é o maior obstáculo de todos para um casamento de unidade, entendimento e amor).

Deus está usando as dificuldades do aqui e agora para nos transformar, isso é, para nos resgatar de nós mesmos. E porque ele nos ama, ele irá voluntariamente nos interromper ou comprometer nossa felicidade momentânea a fim de realizar mais um passo no processo de resgate e transformação, ao qual ele está inabalavelmente comprometido.

Quando começamos a aceitar o paradigma de Deus a vida faz mais sentido — as coisas que enfrentamos não são problemas irritantes, mas ferramentas transformadoras. E há mais esperança para nós e nossos casamentos porque Deus está no meio de nossas circunstâncias e as está usando para nos moldar no que ele nos criou para sermos. Conforme ele faz isso nós não apenas respondemos melhor à vida, mas nos tornamos pessoas melhores de se conviver, o que resulta em casamentos melhores.

Então, de alguma forma, esse mundo caído e o que nele contém irá entrar por nossas portas, mas não precisamos temer. Deus é conosco e ele está trabalhando de tal forma que essas coisas difíceis irão resultar em coisas boas em nós e através de nós.

Por: Paul David Tripp. © Ligonier Ministries. Website: ligonier.org. Traduzido com permissão. Fonte: Ordering the Home without Being Controlling.

Original: Ordenando a casa sem ser controlador. © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados. Tradução: Alex Motta. Revisão: Pedro Henrique Lima de Oliveira.