Buscando a verdadeira unidade

Há algo transcendentalmente unificador quando um grupo está envolvido em uma causa heróica e singular. Por exemplo, historiadores muitas vezes destacaram a camaradagem e o espírito de equipe que encontraram entre membros do Corpo de Fuzileiros Navais (Marines) dos Estados Unidos. Os Marines incorporam, talvez mais do que qualquer outra coisa na vida pública americana, uma irmandade – forjada na floresta de Belleau, nas areias de Iwo Jima, através do frio intenso do Reservatório de Chosin, e nas ruas de Faluja. Os Marines representam um caráter que fascinou a imaginação americana desde as origens desta nação. E este caráter gira em torno do fato de que os Marines lutam as batalhas mais difíceis dos Estados Unidos. Quando entrei para a corporação em 2007, era o auge do nosso envolvimento na Guerra do Iraque e Afeganistão. Como Marines, nós compartilhamos um inimigo e uma missão em comum e nosso sucesso dependeu de nossa unidade como fuzileiros navais. Nesse ambiente de guerra, era normal que Marines que vinham de diferentes contextos socioeconômicos na América fizessem amizades próximas uns com os outros. Eu servi com fuzileiros que amavam pessoas de diferentes etnias tanto ou até mais do que suas próprias famílias, e eles estavam dispostos a sacrificar suas vidas uns pelos outros. Realmente não importava se você era branco, negro, asiático, republicano, democrata, rico, pobre ou algo entre estes (não que essas identidades e distinções não sejam importantes), o que importava era que você era um Marine e que nós precisávamos uns dos outros para vencer a luta contra um inimigo formidável.

Em contraste, nossa nação étnica, política e socioeconomicamente diversa está atualmente fragmentada com a divisão. Rod Dreher e muitos outros previram que este é exatamente o lugar onde estaríamos, depois que o presidente Trump fosse eleito. Também não é de se surpreender que as divisões mais amplas na cultura tenham se infiltrado na Igreja. O que é surpreendente é que, em vez de buscar manter a unidade bíblica pelos meios descritos no Novo Testamento, alguns na Igreja estão recorrendo a conceitos e métodos sociais seculares – defendendo seu uso na Igreja. Parece que a suficiência das Escrituras está sendo comprometida por muitos que continuam a confirmar só da boca pra fora sua inerrância e autoridade.

Dito isto, no meio de toda a divisão política e ideológica em nossa nação, a Igreja tem uma oportunidade de ouro para alcançar e modelar a verdadeira unidade cristã. Nossa unidade deve ser uma parte central de nosso testemunho profético para esta cultura. Precisamos voltar às Escrituras para descobrir como esta unidade foi alcançada e como ela deve ser nutrida e mantida entre os membros do corpo de Cristo.

A Unidade do Novo Testamento no Evangelho

A ênfase do Novo Testamento, repetidas vezes, é que a verdadeira unidade cristã é construída em um entendimento correto do evangelho. Não importa a nossa lealdade nacional, contexto econômico, partido político, ou etnia, o evangelho une crentes em uma só fé, um corpo (1Co 12:12,17). É por isso que Paulo, um judeu devoto, chamou Tito, um jovem grego, de “verdadeiro filho” (Tt 1:4). A que Paulo atribui esta estreita relação (que, aliás, contradiz as fronteiras sociais do mundo antigo)? Ele chamou isso de “a fé comum” (Tt 1:4). Não devemos perder a noção de que é o evangelho e a unidade na doutrina ortodoxa que permite que um judeu outrora preconceituoso chame um grego outrora ímpio de seu próprio filho legítimo. É também o evangelho que habilita Paulo a escrever aos Romanos, “Porque muito desejo ver-vos, a fim de repartir convosco algum dom espiritual, para que sejais confirmados, isto é, para que, em vossa companhia, reciprocamente nos confortemos por intermédio da fé mútua, vossa e minha” (Rm 1:11-12). Nossa fé cristã comum deve nos unir acima de tudo e nos encorajar uns aos outros. O verdadeiro evangelho e somente ele deve ser nosso foco primário – como tão bem enfatiza Martyn Lloyd-Jones no auge do movimento ecumênico no século XX.

É o nosso conhecimento e amor de Deus e do Senhor Jesus Cristo, que transforma nossos relacionamentos uns com os outros. Como Jesus ensinou, são aqueles que obedecem ao evangelho que são a Sua verdadeira “mãe e irmãos” (Mt 12:49). A família de Deus supera todas as nossas outras alianças e afiliações. Isso inclui nossa fidelidade a um partido político ou etnia. A identidade e, portanto, a unidade no Novo Testamento está quase sempre ligada ao fato de estarmos unidos a Cristo pela fé através do evangelho. Este é certamente o argumento de Paulo em Gálatas 3:26-28, onde o apóstolo escreveu:

“Pois todos vós sois filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus; porque todos quantos fostes batizados em Cristo de Cristo vos revestistes. Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.”

Paulo não estava insistindo que essas outras identidades não importam (na verdade, ele considera muito a identidade judaica em Romanos 9:11 e identidade masculina e feminina em Efésios 5); antes, ele está destacando o fato de que essas identidades são irrelevantes quando se trata de nossa posição em relação a Cristo. Tampouco devem ser a ênfase principal em questões de unidade cristã e comunhão uns com os outros. Este também é o ponto de Paulo na segunda metade de Efésios 2, mas eu não vou insistir nesse ponto.

Por outro lado, o evangelho também é um ofensor igualitário. O ponto de Paulo no primeiro capítulo de 1 Coríntios é cristalino. Judeus e gregos foram confrontados com a mensagem da cruz porque ela contradizia suas expectativas pré-concebidas de Deus – os judeus não podiam tolerar que seu messias pudesse morrer a morte de alguém amaldiçoado por Deus e os gregos achavam uma loucura que um Deus poderoso se permitisse ser abusado e morto . Mas a mensagem do evangelho, “para os que foram chamados, tanto judeus como gregos”, é “poder de Deus e sabedoria de Deus” (1Co 1:24). É por isso que é uma farsa se as nossas igrejas locais não refletem a diversidade étnica de nossas comunidades vizinhas. Por exemplo, uma igreja etnicamente impenetrável em uma comunidade geográfica diversificada é uma afronta à unidade que o evangelho produz entre os crentes. Pois Deus é igualmente quem elege e salva. Eu poderia dizer muito mais aqui, mas acho que o ponto está colocado. O evangelho deve entrar em diversas comunidades e juntar pessoas que, pelos padrões do mundo, não deveriam estar unidas.

A Missão de Deus no Novo Testamento

O segundo princípio da unidade no Novo Testamento é um foco resoluto na missão de Cristo. Cristo nos encarrega de “fazer discípulos” através da proclamação do evangelho (Mt 28:19-20). Paulo enfatizou repetidas vezes a necessidade da pregação em culturas, repletas de questões de justiça (por exemplo 2Tm 4:2, Tt 1:3). Foi esse foco e a batalha espiritual contra as forças das trevas, que se opõem a esta missão, que uniu a Igreja.

Em nossos dias, muitas questões de justiça, como o aborto, a escravidão e o tráfico humano, ou o tratamento de refugiados são importantes… muito importantes. Mas eles não são a principal missão da Igreja. Nem são essas questões com as quais a Igreja deva estar unida. Não que a Igreja não possa falar sobre essas questões ou que os cristãos individualmente não possam enfrentar com grande sucesso essas questões de injustiça, mas a transformação cultural não é a principal missão da Igreja de Cristo.

Nas páginas do Novo Testamento, descobrimos que a Igreja primitiva se uniu em torno de sua missão primordial, que era e é a proclamação do evangelho. Como Igreja de Cristo, fomos comissionados com amissão mais importante da história. É a missão de Cristo. E esta missão exige todos os nossos esforços e energias, bem como nossa unidade no evangelho. Também temos o inimigo mais formidável que já existiu: o próprio Satanás. Satanás não amaria nada mais do que a Igreja de Cristo se dividindo por privilégio, poder e afiliação política. Tais discussões, à luz de nossa assustadora missão, são como para o debate sobre quem está segurando a mangueira de incêndio e quem está acionando a escada no meio de um incêndio de cinco alarmes. Podemos ter certeza de que, quando a Igreja deixa sua principal missão para trás e deixa seu flanco exposto em divisão, Satanás se regozija.

Quando pecamos uns contra os outros

Mesmo quando estamos unidos em nossa identidade no evangelho e completamente engajados na missão de Cristo, haverá momentos em que pecamos uns contra os outros. Inevitavelmente os cristãos irão ofender e, infelizmente, por vezes, ferir gravemente uns aos outros. Às vezes ofendemos mesmo quando não pretendemos fazê-lo. Isto nos leva ao terceiro princípio da unidade cristã. Os crentes são chamados por Deus para amar uns aos outros incessantemente. Pedro diz “Acima de tudo, porém, tende amor intenso uns para com os outros, porque o amor cobre multidão de pecados.” (1Pe 4:8). Nosso amor um pelo outro é um transbordamento do amor de Cristo por nós (1Jo 4:7). Nossos corações devem transbordar em amor um pelo outro, de tal maneira que nosso “amor cubra uma multidão de pecados” (1Pe 4:8). Devemos pensar o melhor um do outro e devemos ser rápidos em estender o perdão um ao outro (Cl 3:13). Esta é a chave para preservar a unidade que já temos em nossa união mútua com Cristo.

Não há espaço na Igreja para abrigar amargura contra um companheiro cristão. Não há espaço para exigir que os erros sejam reembolsados ou que “reparações” sejam feitas – como alguns sugeriram recentemente. Não há espaço para abrigar continuamente dúvidas e desconfiança em relação àqueles que residem no mesmo Espírito Santo. Pelo contrário, devemos ser definidos por um espírito de amor e perdão. Esse amor um pelo outro, mesmo quando injustiçado, é o que vai atordoar nossa cultura amargurada.

Em nossa cultura dividida, a unidade na Igreja será apenas nutrida e mantida, usando os métodos e princípios que Jesus e os apóstolos delinearam para nós no Novo Testamento. Se todos os membros de nossas igrejas se comprometessem a se apegarem à nossa identidade unificadora no evangelho, participando incansavelmente da missão de Cristo de proclamar o evangelho, e sendo revestidos de amor cristão uns pelos outros, nossas igrejas serão aquelas que efetivamente mantêm a unidade. Esses corpos de crentes, de diversas origens e ideais, servirão como faróis de unidade em um mundo dividido. Espero que o Espírito Santo faça uma grande obra entre nós para esse fim. Este é o nosso tempo e a nossa oportunidade de manter e modelar a união do caminho de Deus.

Por: Grant Castleberry. © Reformation21. Website: reformation21.org. Traduzido com permissão. Fonte: Pursuing True Unity.

Original: Buscando a verdadeira unidade. © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados.