O pastor como polímata

Nós vivemos em uma sociedade centrada na cultura do especialista. Se você hoje procura um médico, primeiro passa por um médico geral, mas logo será direcionado a um especialista. Especialistas são a expressão de um mundo que foi fragmentado a fim de ser conhecido parcialmente de forma mais profunda. Logo, tais áreas vão se tornando cada vez mais distantes uma das outras. 

Essa cultura da especialidade fez com que confiássemos apenas em especialistas. Logo, todos aqueles que se preocupam em atingir o todo ou são considerados charlatães, ou são tachados de superficiais. Por vezes, ocorre até o culto às especialidades. Longe de querer dizer que é algo exclusivamente ruim, queremos trazer à tona o fato de que, por vezes, olhamos apenas para partes, nunca para o todo. Porém, na vida real, um problema nem sempre aparece de forma isolada.

Uma figura quase esquecida em nossos dias é o polímata, alguém que domina diversas áreas do saber e do conhecimento. Na história da igreja, contudo, encontramos vários polímatas, como Felipe Melanchton, Jonathan Edwards. Hoje não quero defender que você precisa ser alguém que domina áreas acadêmicas em geral, e sim um polímata na esfera eclesiástica.

O polímata é aquele que não consegue se prender a uma única ideia; ele precisa transitar entre várias esferas do saber. Sua missão é enxergar as conexões entre os campos que foram separados, de modo que enxergue o que os especialistas de dada disciplina não conseguiram ver. Há dois tipos de polímatas: aquele que acumula conhecimento sem se preocupar com as conexões (o famoso curioso) e aquele que procura unidade do conhecimento e tenta encaixá-los em um grande sistema.

Agora pensemos rapidamente sobre a figura do pastor. Dentre as várias exigências aos pastores, os ministros são encarregados de ensinar o evangelho na igreja. Para tal, é preciso ser didático, é preciso saber ensinar e instruir a outros. Além disso, para ensinar é preciso ser um bom estudante da Palavra, bem preparado e instruído na sã doutrina. O pastor também deve supervisionar o que está sendo ensinado e, caso necessário, corrigir algo que esteja errado. O ensino também deve ter um propósito na vida da igreja; o pastor não deve apenas fornecer informações, como uma enciclopédia ambulante. No ministério pastoral, portanto, há um compromisso com o ensino.

A crença de que o trabalho do pastor é bajular ovelhas é infernal. Deus não chama pastores para ser atração para o público da igreja. O trabalho do pastor é de ensino, de educação, de liderar uma igreja por meio do ensino. Mas há uma razão pela qual nós pastores nos esquecemos disso: a aversão que muitos de nós à teologia. Não são muitos que acham que a teologia vai estragar a igreja.

Douglas Sweeney escreveu que “a maioria dos melhores teólogos da história da igreja foram pastores de igrejas locais”. Por que os grandes pensadores estavam envolvidos na igreja local e não apenas em universidades? O que atrai tais teólogos? Hoje, enxerga-se o pastor mais como um CEO, um administrador, alguém que meramente dá palavras de incentivo. Por que chegamos a esse ponto?

Talvez, por meio da observação de como era a formação dos teólogos do passado, obtenhamos uma resposta. Antigamente, o currículo teológico consistia de muitas disciplinas diversas até chegar no estudo da teologia em si. Contudo, muitas vezes não nos damos conta de que o trabalho de Lutero, por exemplo, só foi possível porque ele possuía conhecimento de várias áreas. Com a reforma do currículo teológico, que seguiu a tendência de separar a teologia em nichos, o conteúdo começou a ser visto como algo cada vez mais acadêmico, dividido em especialidades.

Hoje vemos especialistas em algum tipo de teologia, ou no Antigo ou no Novo Testamento. Embora não haja nada de errado com as especializações, o pastor não pode ser um especialista teológico no seu dia a dia. O pastor é um generalista, alguém que se especializa em analisar todos os aspectos da vida em relação ao evangelho de Jesus Cristo. O pastor tem uma única ideia que não vem dele, que não é criação dele, que ele não inventou, mas que ele simplesmente reproduz tal como os apóstolos pregaram: o evangelho da graça de Cristo Jesus. O evangelho lhe é a coisa mais importante, da qual ele não pode tirar os olhos. A questão é que não temos apenas a obrigação de pregar o Evangelho, mas de fazê-lo com clareza.

Aqui entram os livros, que possuem a capacidade de aprimorar nossos dons e talentos; mas, quando dissociamos o ministério do estudo e dos livros, o pastor vira um estereótipo; ele já não é mais aquele que aplica o Evangelho à vida das pessoas. Por vezes, os pastores se sentem reféns dos livros e da vasta quantidade deles. Não conseguimos mais perceber que os livros estão aí a nosso serviço, não o contrário. Não há motivo para desespero diante do saber, pois isso apenas levará a abandonar o estudo e o ensino. Para ensinar, é preciso pagar o preço. Para ser um mestre na igreja, você precisa se dedicar ao estudo.

Nosso problema não é a falta de tempo, mas o fato de não percebermos que nenhuma dor necessária a aprender a ensinar será mais dolorosa que os espinhos cravados no Senhor Jesus. Não diga que a educação necessária para preparação visando o ensino são maiores do que a dor de Jesus. Será que algum sacrifício é tão grande quando comparado a esse? Claro que é necessário desenvolver o hábito da leitura e do estudo. Pessoas que ainda não o possuem se acham anormais. Mas ninguém consegue ler bastante sem antes dar os primeiros passos. Os cristãos não podem dar a desculpa de que não gostam de ler, pois são conhecidos como o “povo da Palavra”; Deus se revelou por meio da palavra escrita.

Quando começamos a estudar e a perceber que vale a pena, que com o passar do tempo as coisas vão se acomodando, e que o ensino vai ganhando mais força e clareza, descobrimos que o que nos move para estudar para entregar um ensino à igreja não é mais a curiosidade, mas a gratidão pelo que Jesus fez por nós. A melhor maneira de um pastor demonstrar sua gratidão por Jesus é alimentar o povo de Deus com pregação fiel e responsável da palavra. Os seminários são meios pelos quais Deus levanta especialistas que tornarão possível o conhecimento múltiplo necessário para educar a igreja local. Eles fornecem repertório, algo que não apenas é armazenado em nós como mero instrumento para explicar algo que alguém nos pergunta; é algo que treina nossa mente, nossa clareza e nossa maneira de compreender as coisas.

Quero encerrar com dois perigos. O primeiro é a tentação da onisciência. Preocupar-se com tantas áreas pode levar à mera curiosidade, ao conhecimento por si próprio; mas o pastor deve buscar nos vários conhecimentos o auxílio para uma única ideia: o evangelho da graça de Jesus. Tudo está a serviço do Evangelho. O segundo problema é a superficialidade, que, em geral, é fruto da tentativa de resolver questões em pouco tempo. O verdadeiro caminho exige tempo. Um pastor não se forma em poucos dias.

Nossa missão não é separar as diferentes disciplinas teológicas, mas unir todas elas a serviço de Cristo e de seu povo. O ensino cuidadoso do Evangelho nunca pode faltar em nosso discurso. Deus não nos chamou para outra coisa, senão para ensinar ao evangelho. Para isso, é preciso estar apto; para estar apto, é preciso se dedicar; e por trás da dedicação há um custo. Há muita piedade quando você, durante a semana inteira, prepara a refeição que será distribuída no culto de domingo. Há muito amor pela igreja quando você lhes entrega o melhor sermão possível para o alimento delas e para a glória de Deus. Pense nisso e trabalhe para o Senhor.