Um blog do Ministério Fiel
Qualquer pecado pode ser perdoado
O que cremos – e sempre creremos
“Creio […] na remissão dos pecados.” (Credo Apostólico)
Uma terrível tempestade caiu sobre a – ainda – frágil igreja de Roma. O imperador exigiu que cristãos fossem presos, seus livros queimados, suas igrejas destruídas. Apenas aqueles que desafiavam a Deus e faziam sacrifícios aos deuses romanos eram soltos. Muitos se curvavam com medo, com sangue em suas mãos. Alguns até eram clérigos.
Como Daniel, no entanto, muitos se recusaram a curvar-se a qualquer deus exceto um, renunciando qualquer direito que eles poderiam ter nessa vida, sabendo que eles possuíam “patrimônio superior e durável” (Hebreus 10.34). E alguns deles de fato perderam tudo – liberdade, posses, família e o próprio fôlego. Executados por jurarem lealdade a Jesus. Outros assistiram e choraram, da prisão, sabendo plenamente que eles poderiam ser os próximos. O sangue dos seus entes queridos mártires deixou manchas dolorosas em seus corações.
Então, assim como a incomum calmaria após uma terrível tempestade, a perseguição diminuiu. O cristianismo foi mais uma vez tolerado em Roma. E, logo que o fogo se extinguiu e os perigos evaporaram, aqueles que traíram a Jesus, aqueles aparentes filhos e filhas de Judas, apareceram na igreja novamente. O que a igreja faria? Aqueles que permaneceram inabaláveis sob a tribulação, até sob a ameaça de morte, deveriam receber aqueles que os abandonaram e negaram a Cristo? Afinal de contas, o próprio Jesus advertiu, “aquele que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante de meu Pai” (Mateus 10.33). Traidores podem ser perdoados?
Quem pode ser perdoado?
Esse dilema sensível, perturbador e volátil do quarto século eventualmente levou à adição de mais quatro palavras no Credo Apostólico: a remissão dos pecados não estava inclusa nas versões anteriores da confissão, talvez por centenas de anos. Dessa forma, os primeiros crentes eram forçados a passar pelas águas mais profundas e angustiantes do pecado e da misericórdia.
Alguns insistiam que aqueles que voltaram atrás eram imperdoáveis, irreconciliáveis, condenados. Outros advogavam que a fonte de sangue aos pés da cruz poderia cobrir até isto – até estes. No fim, de acordo com Ben Myers, a igreja decidiu que
falhas no discipulado – mesmo falhas públicas dramáticas – não excluem uma pessoa da graça de Deus. Como Agostinho insistiu em um de seus muitos sermões contra o elitismo espiritual: “Nós nunca devemos desanimar de ninguém.” (The Apostles’ Creed: A Guide to the Ancient Catechism, Lexham Press, p.115)
Através da fé e do arrependimento, aqueles que a Cristo desertaram eram acolhidos em Cristo e ouviam o impensável: “perdoados lhes são os seus muitos pecados” (veja Lucas 7.47). Portanto, a igreja apoiou a sua base misericordiosa, durável e escandalosa no solo de nossa confissão: enquanto outros podem recuar dessa misericórdia ultrajante – ignorantes a respeito da trave em seus próprios olhos, prontos para jogar pedras hipócritas e cancelar companheiros pecadores por causa de seus erros – nós acreditamos na remissão dos pecados.
O que é a remissão dos pecados?
O que é a remissão dos pecados? Enquanto simples na superfície, essas palavras representam, pelo menos, três verdades profundas. Primeiro, todo homem é nascido em pecado, escravizado no pecado. “Não há justo, nem um sequer” (Romanos 3.10). “Não há quem faça o bem, não há nem um sequer” (Romanos 3.12). Nós somos totalmente depravados. Segundo, nosso pecado merece a justa ira de Deus. Deus não pode ser Deus se ele apenas escusa ou ignora nossa maldade. Juízo deve ser servido – e será. E terceiro, para todo aquele que crê e se arrepende, o juízo já foi servido – quando o Filho de Deus absorveu a ira de Deus para que os filhos de Deus fossem reconciliados com Deus. Em Cristo, Deus “deu vida juntamente com ele, perdoando todos os nossos delitos; tendo cancelado o escrito da dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz” (Colossenses 2.13-14).
Nós poderíamos explorar uma variedade de textos que caminham sobre os vales da nossa pecaminosidade e elevam as alturas de nosso perdão, mas Miqueias 7.8-9 em particular se tornou um guia valioso ao longo dos anos.
Ó inimiga minha, não te alegres a meu respeito;
ainda que eu tenha caído, levantar-me-ei;
se morar nas trevas,
o SENHOR será a minha luz.
Sofrerei a ira do SENHOR,
porque pequei contra ele,
até que julgue a minha causa
e execute o meu direito;
ele me tirará para a luz,
e eu verei a sua justiça.
A pecaminosidade do homem
Eu pequei contra ele…
Quando confessamos “creio na remissão dos pecados”, nós confessamos a pecaminosidade do nosso pecado e a nossa necessidade de perdão – uma das verdades mais controversas e belas em que os cristãos acreditam. Através de Adão, pecado e morte se espalharam como um vírus a cada um de nós, exceto um. Cada um de nós diz juntamente com o Rei Davi: “nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe” (Salmo 51.5). E, por termos nascido em pecado, nós estávamos mortos em nossos pecados (Efésios 2.1). Não é fácil reconhecer a maldade e o desamparo de nossa alma à parte de Cristo.
Para compreender, e receber, a promessa do perdão, nós devemos nos reconhecer como pecadores miseráveis. Nós devemos reconhecer que “sem fé é impossível agradar a Deus” (Hebreus 11.6), que mesmo qualquer boa ação que fizemos anterior à fé era, na verdade, pecado (Romanos 14.23). E, se Deus não interviesse, isso teria nos arrastado, mortos e sem esperança, para o inferno.
A ira de deus
Sofrerei a ira do SENHOR…
Se nós não nos arrependêssemos e crêssemos, o inferno não teria sido uma reação exagerada. Ele teria sido apropriado, justo, e até bom. A ira de Deus nunca é derramada precipitadamente ou erroneamente. Nós merecemos a indignação do Senhor. “O salário do pecado é a morte” (Romanos 6.23) – uma morte que não conseguimos imaginar ou suportar. Não é simplesmente a falta de vida, mas uma existência tão sombria, tão horrível, tão excruciante, que nós imploraríamos pela morte (Lucas 16.24). Quando nós confessamos “creio na remissão dos pecados”, declaramos justa e santa a justiça da ira de Deus.
Aqueles que se recusam a voltar-se do pecado receberão a justa e terrível recompensa de sua vil rebelião. “Estes sofrerão penalidade de eterna destruição, banidos da face do Senhor e da glória do seu poder” (2 Tessalonicenses 1.9). Como Daniel promete, “Muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e horror eterno” (Daniel 12.2). “A fumaça do seu tormento sobe pelos séculos dos séculos, e não têm descanso algum, nem de dia nem de noite” (Apocalipse 14.11). E se o perdão não fosse possível, tal seria o nosso futuro.
A remissão de pecados
… até que julgue a minha causa e execute o meu direito.
A sentença de Miquéias, no entanto, não termina em indignação – não àqueles que pertencem a Cristo. “Sofrerei a ira do SENHOR,” escreve Miquéias, “até que [ele] julgue a minha causa e execute o meu direito” – não contra mim, mas para mim. O Deus que poderia justamente nos rejeitar, nos envergonhar, nos atormentar e até nos destruir, ao contrário, advoga por nós. Em Cristo, ele declara nossa causa perante seu próprio trono, sua própria justiça, sua própria justa ira. O perdão é possível porque, na cruz, a misericórdia de Deus se encontra com a ira de Deus para desvelar mais da glória de Deus. “Por amor do meu nome, retardarei a minha ira”, diz o Senhor, “e por causa da minha honra me conterei para contigo” (Isaías 48.9).
O próprio nome de Jesus promete que “ele salvará o seu povo dos pecados deles” (Mateus 1.21). Antes mesmo que ele nascesse, Deus disse que ele traria “conhecimento da salvação, no redimi-lo dos seus pecados” (Lucas 1.77). Três décadas depois, Cristo pagou por essa salvação com o seu sangue, “derramado em favor de muitos, para remissão de pecados” (Mateus 26.28).
E então ele deixou os seus discípulos, até este dia de hoje, com uma missão: “que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados a todas as nações, começando em Jerusalém” (Lucas 24.47). Dessa forma, nós confessamos e testemunhamos que não importa quem você seja ou o que você fez – não importa se você falhou com ele de forma pública ou profunda – você pode ser perdoado em Cristo. Nada além do sangue dele irá purificá-lo. Mas saiba disso, que não importa o que esse mundo ou as suas próprias inseguranças digam, o sangue dele pode, certamente, purificar você. O perdão é mais do que possível.
O perdão em uma cultura de cancelamento
Tão simples e conhecidas como as promessas de perdão podem parecer, o mistério e a maravilha do perdão alguma vez foram tão relevantes? Nós, pelo menos na América, sofremos a praga da falta de perdão. Nossa cultura do cancelamento espera, com impaciência e terrível expectativa, pelo próximo deslize, o próximo erro, a próxima ofensa – ou ela cresce em inquietação e se vira a alguém através da história para colocar sob julgamento – e então libera o peso total da sua indignação (pelo menos por 24 horas).
Quanto que a nossa chamada mídia “social” tem se tornado um tipo de guilhotina digital, uma multidão feroz e imprevisível de executores, espumando com a boca, esperando pela próxima ofensa cancelável? Se você passar tempo suficiente entre eles, você poderá começar a duvidar que alguém possa ser perdoado.
Nós, porém, cremos no escândalo do perdão. Nós ainda cremos – e sempre creremos – que, “se confessarmos os nossos pecados, ele [Deus] é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1 João 1.9). Nós ainda cremos – e sempre creremos – que “ele nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor, no qual temos a redenção, a remissão dos pecados” (Colossenses 1.13-14). Nós ainda cremos – e sempre creremos – que, por causa de Cristo, ele advogará nossa causa. Ele executará juízo por nós. Ele nos trará para a luz. Nós cremos que nós, até mesmo nós, podemos ser perdoados.