Espere que a providência surpreenda

Aprendendo o ritmo dos caminhos de Deus

Há pouco mais de dois anos, um novo coronavírus na China se tornava notícia nos Estados Unidos. No dia 3 de fevereiro de 2020, o governo dos EUA declarou emergência de saúde pública, mas só três semanas depois, em 25 de fevereiro, os Centros de Controle de Doenças anunciariam que a COVID-19 estava caminhando para o status de pandemia. No dia 11 de março, a Organização Mundial da Saúde fez essa declaração formal e, dois dias depois, a pandemia se tornou emergência nacional nos Estados Unidos e provocou a proibição da entrada de cidadãos não americanos vindos da Europa.

Agora, o que podemos começar a dizer sobre tudo o que aconteceu nestes últimos meses? Essas reviravoltas inesperadas em nossas vidas pessoais muitas vezes nos levam a, com razão, perguntar: “O que Deus está fazendo?” — ainda mais quando o inesperado é global. Poucos eventos em nossa vida, se houver, foram tão globais. E assim, no ano passado, talvez tantos de nós tenham parado para refletir: o que Deus está fazendo nesta pandemia global?

Quer tenhamos usado a palavra ou não, perguntamos sobre a providência.

Providência em nossa experiência incerta

Quando falamos de providência divina, o foco particular não é tanto no poder absoluto de Deus, mas em seus propósitos. Providência, de acordo com John Piper, é a soberania proposital de Deus: “No que se refere a Deus, o substantivo providência passou a significar ‘o ato de prover propositalmente, ou sustentar e governar o mundo’”.

Para os cristãos, a palavra e a providência de Deus andam de mãos dadas. Deus falou em nosso mundo, por meio de seus profetas e apóstolos, e de forma culminante em seu Filho, e reuniu suas palavras para nós por escrito (as Escrituras). Ele nos diz que está, de fato, “sustentando e governando” o mundo — e que o faz com propósito. A providência enfatiza sua provisão; que ele não apenas governa e prevê tudo o que acontece, mas que ele cuida para que seus propósitos amadureçam em seu tempo e em seus caminhos perfeitos, porém confusos para o mundo.

Deus é sempre soberano e proposital em sua soberania, não apenas no incomum, mas também no cotidiano. No entanto, muitas vezes são certos vislumbres de sua mão providencial, em particular reviravoltas surpreendentes na vida, que nos levam a perguntar: O que Deus está fazendo? O que ele está tramando?

Não temos tanta certeza com relação aos significados particulares de tais eventos providenciais. Qual é o significado dessa pandemia global, por exemplo? O que Deus está dizendo ao mundo, à nossa nação, à nossa igreja, à nossa família e a mim? Em outras palavras, como interpretamos as impressões digitais de Deus em vários atos providenciais hoje? O que podemos compreender sobre a providência e o que não podemos?

O que não sabemos

Ao vislumbrar Deus, em sua providência, “cuidando de tudo” em nossas vidas e no mundo, devemos tomar cuidado com quanto de nossa visão e interpretação é formado por algo além do que sabemos da palavra de Deus. Como William Cowper escreveu em Deus se move de uma maneira misteriosa, “a incredulidade cega certamente errará” — bem como qualquer pretensão de nossa parte de saber com certeza qualquer significado que ele não tenha revelado em sua palavra. “Deus é seu próprio intérprete”, disse Cowper.

No amor, devemos ter cuidado para não presumir ou pressionar os outros, ou fazer exigências com base no que achamos que vemos na ação de Deus. À medida que passamos da observação para ponderar o significado de sua providência, nós o aplicamos em primeiro lugar a nós mesmos. “A fé que tens, tem-na para ti mesmo perante Deus” (Romanos 14.22).

Também queremos ter certeza de que nossos olhos não estejam apenas vendo afirmações de nossos próprios desejos e chamando-os de “providência”. Quando temos algum desejo crescente — digamos, o próximo passo na vida, seja com quem namorar, que emprego seguir, para qual cidade nos mudar ou uma grande compra a fazer — pode ser muito fácil, em muitas camadas e complexidades da realidade, achar que alguns aspectos em nossos olhos e mentes parciais sejam confirmações providenciais do que sempre quisemos. Quando pensamos ver a providência mais claramente, fazemos bem em nos perguntarmos se ela é conveniente para nossa carne. Estamos dispostos a seguir a direção da providência quando ela se inclina na direção oposta do que parece mais fácil?

Isso nos leva à questão do que podemos saber sobre o padrão de Deus no mundo e em nossas vidas.

O que sabemos

Em nossa incerteza quanto aos vários significados particulares em circunstâncias providenciais de nossas vidas, sabemos com clareza e certeza, pela palavra de Deus, que existem alguns propósitos que ele sempre busca.

Sabemos, por exemplo, que Deus sempre chama o mundo ao arrependimento e dá a oportunidade de se voltar para ele (Lucas 13.1-5; Atos 17.30). Ele sempre está construindo sua igreja, salvando e santificando seu povo, intensificando a adoração, destruindo a desesperança, fortalecendo a fé e a coragem, dando alegria na aflição e criando amor em seus corações (Mateus 16.18). E ele sempre está humilhando os orgulhosos (1 Pedro 5.6), inclusive envergonhando principados e potestades (Colossenses 2.15).

Tais propósitos, e muitos outros, Deus nos revela com antecedência, em sua palavra, para que, ao agir na história, como em uma pandemia global, possamos conhecer muitas verdades preciosas sobre o que ele está fazendo. Não somos deixados no escuro. No entanto, além disso, há também uma lógica divina, ou uma rima e um ritmo, para o propósito de Deus no mundo, mesmo em meio às muitas reviravoltas da providência.

A melodia da providência, se assim podemos dizer, toca ao ritmo de Isaías 55 e 1 Coríntios 1.

Quem entende os caminhos de Deus?

Em Isaías 55, o profeta coloca uma verdade maior a serviço de uma realidade específica e surpreendentemente maravilhosa. Ao contrário das pessoas, que podem imaginar que Deus só teria condenação para os injustos, o profeta implora aos ímpios que abandonem seus pensamentos e caminhos, enquanto ainda há tempo, porque Deus é compassivo. “Deixe o perverso o seu caminho
… e volte-se para o nosso Deus, porque é rico em perdoar” (Isaías 55.7). Então vem a verdade maior, que também se aplica à providência:

Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o Senhor, porque, assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos, mais altos do que os vossos pensamentos. (Is 55.8–9)

Por mais propensos que sejamos a supor que Deus é como nós, ele não é. Seus pensamentos não são como os nossos. Seus caminhos não são os nossos. Seus planos não são como os nossos. Seus caminhos e pensamentos não são apenas diferentes; eles são mais altos, “como os céus são mais altos que a terra”. E assim devemos manter isso em mente, em nossos pensamentos humanos humildes, enquanto observamos a providência de Deus e tentamos especular seu significado. Ah, existe significado! Não se engane: sua soberania é de fato proposital. Ela transborda de propósito; explode de inúmeros propósitos, muito além da nossa capacidade de apreciação. E um de seus propósitos é mostrar, repetidas vezes, como ele é maravilhosamente diferente de nós.

Quem recebe o louvor na Providência?

Poderíamos procurar outro lugar nas Escrituras, mas o final de 1 Coríntios 1 pode ser o lugar mais apropriado para pousar. De fato, 1 Coríntios 1.28-29 pode ser a declaração mais importante em toda a Bíblia para aprender a ler a providência de Deus e discernir seu significado:

E Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são; a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus.

Ao buscar discernir os propósitos de Deus na providência, perguntamos: “Como Deus está fazendo com que nenhum ser humano (incluindo eu) possa se gloriar em sua presença?”. Será que ele está engrandecendo sua sabedoria, poder e graça, na pessoa de seu Filho, para que os olhos fracos de suas criaturas o vejam pelo que ele realmente é?

1 Coríntios 1:20–31 oferece a visão de um Deus que vira os padrões do mundo de cabeça para baixo. Ele dá espaço para que a sabedoria, o poder e a nobreza humanos se desenvolvam e para que possam ser derrubados. Ao fechar os longos arcos e completar os propósitos de sua providência, ele torna tola a sabedoria do mundo; torna fraca a força do mundo, e torna ignóbil a nobreza do mundo. Ele torna em nada as “coisas que são” de acordo com os padrões humanos — e faz algo do nada, “para que nenhum ser humano se glorie na presença de Deus”.

Assim, com todo esforço de nossa parte para procurar o significado de Deus ao observar vários aspectos de sua providência, podemos nos perguntar: “Tal significado engrandece a mim ou a Deus? Tal significado me levará a me gloriar em mim mesmo, ou em algum outro mero humano, ou me fará me gloriar no Senhor?”.

Certamente sabemos muito pouco sobre tudo o que Deus tem feito nos últimos anos, ou em qualquer ano, mas sabemos disto: aqueles que melhor entendem sua providência se maravilham com a sabedoria contraintuitiva de seus caminhos, aprendem a se surpreender e se gloriam somente em Deus.

Por: David Mathis. © Desiring God Foundation. Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: Expect Providence to Surprise You: Learning the Rhythm of God’s Ways.

Original: Espere que a providência surpreenda: aprendendo o ritmo dos caminhos de Deus. © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados. Tradução: Raissa Gripp Havens. Revisão: Renan A. Monteiro.