Um blog do Ministério Fiel
Que a tragédia nos encontre vivendo
Uma frase no livro de Jó chamou minha atenção: “Aquilo que temo me sobrevém, e o que receio me acontece” (Jó 3.25). O maior medo virou realidade. Aquele que o mantinha acordado durante a noite; o pior dentre os que se podem imaginar caiu sobre ele.
Como resultado, ele deseja a morte, mas ela não vem. Ele desfalece e lamenta, e amaldiçoa o dia de seu nascimento (Jó 3.1). As setas do Altíssimo penetram-lhe a pele; seu espírito é por elas envenenado (Jó 6.4). Ele não encontra descanso (Jó 7.4). Seus olhos procuram o bem, mas não acham (Jó 7.7). Ele abomina a vida, e fica feliz por não viver para sempre (Jó 7.16).
Poucas coisas na vida nos levam a esse ponto.
Imagino que o terror que tomou conta dele foi a morte de seus dez filhos. Do pouco que sabemos dele antes de sua miséria, vemos a preocupação paternal, pois continuamente oferecia sacrifícios em favor deles. “Talvez tenham pecado os meus filhos e blasfemado contra Deus em seu coração” (Jó 1.5).
Talvez ele temesse se importar mais com os pecados deles do que eles mesmos. Talvez ele sofra tanto porque é possível que eles morreram em incredulidade. Mesmo assim, este pai perdeu seus dez filhos em um dia, e o horror só parecia aumentar.
Um mundo de ameaças
O que você teme? O que tem que acontecer para que você diga: “Aquilo que temo me sobreveio”? Ver sua mãe ter uma morte trágica? Nunca encontrar uma esposa? Descobrir que seu cônjuge cometeu adultério? Ver seus pais se divorciando? Ouvir o especialista dizer que seu filho não terá uma vida normal? Testemunhar a morte de uma criança longe de Cristo?
Eu tenho temores que eu não conhecia quando era solteiro: perder minha esposa ou um de nossos filhos. Como homem de família, percebo como estou mais vulnerável a dores novas e profundas. Novas pontes para meu coração foram construídas; agora, calamidades e desespero têm mais chance de entrar.
A diferença entre minha vida e a de Jó é tão fina quanto uma teia de aranha. O pior caso pode ocorrer de muitas formas. Acidente de carro, doenças, quedas, engasgos ou um lapso de julgamento. Não é preciso que os caldeus me ataquem e me destruam; não é preciso que ventos violentos derrubem a casa para que eu conheça a angústia de Jó. Uma caminhada na rua, um telefonema do médico, uma queda na escada ou um brinquedo engolido podem demolir meu mundo — a qualquer momento, em qualquer lugar, de quase todas as formas.
Paralizado pelo perigo
Antes que Jó vivesse em um mundo de sofrimentos, ele vivia em um mundo de e se… “Aquilo que temo me sobrevém, e o que receio me acontece” (Jó 3.25). Ele receava antes de acontecer; temia antes de se realizar.
Se você nunca pensou no mundo dessa maneira, não quero apresentá-lo a você. Mas conheço pessoas que vivem neste mundo, um mundo que sou tentado a frequentar mais do que antes. Um mundo onde catástrofes estão à espreita; um mundo que nos engole como areia movediça. Eu penso: se pelo menos eu puder prever como minha vida pode desmoronar, talvez possa impedir, ou no mínimo me resguardar do sofrimento.
A história de Jó nos ensina que isso não funciona.
Sentado, enquanto raspa as feridas com cacos de vidro, sua angústia nos lembra de que nenhum receio pode afastar nossos maiores temores. Imaginá-los de antemão não alivia a dor que eles trariam. Ansiedade, tormento e preocupação não podem realizar o que esperamos deles. Como disse Jesus: “Qual de vós, por ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso da sua vida?” (Mateus 6.27), ou à vida daqueles a quem amamos?
Auxílio para o coração em pânico
Como seguir a vida em um mundo onde os riscos nos ameaçam todos os dias? Encontrei três respostas de C.S. Lewis que nos ajudarão a navegar nesse mundo perigoso e imprevisível.
Escrevendo em meio à Segunda Guerra Mundial, uma época em que explosões destruíam cidades inteiras, e as pessoas sabiam que qualquer dia podia ser o último, C.S. Lewis responde à questão como viver em uma era atômica?
Como seus antepassados viveram
Lewis inicia:
“Como viver em uma era atômica?” Sou tentado a responder: não há diferença ente viver no século 16, quando a praga atacava Londres todos os anos, ou viver na era viking, quando saqueadores escandinavos podiam atacar e cortar sua garganta a qualquer momento; ou viver, como você de fato já vive, na era do câncer, da sífilis, da paralisia, de ataques aéreos, de acidentes de trem e de carro. Em outras palavras, não vamos começar a exagerar a novidade da nossa situação. (Essay Collection & Other Short Pieces, 361)
O primeiro ponto da resposta de Lewis nos diz para não acharmos que nossa situação é nova. Carruagens a cavalo podem ser tão fatais quanto carros e ônibus. Pandemias mundiais não são nada novas (em comparação, escapamos das pragas mais severas até aqui). Os piores cenários são uma realidade antiga. O mundo é ameaçador desde o primeiro dia fora do Éden.
Isso não retira todo o veneno, mas exclui parte do isolamento. Se chorarmos, nos juntaremos a muitos que estão chorando. Outras mães perderam seus preciosos filhos; outros maridos perderam esposas incríveis. Não estamos sozinhos. Pedro relembra aos cristãos feridos: “Resisti (ao diabo) firmes na fé, certos de que sofrimentos iguais aos vossos estão-se cumprindo na vossa irmandade espalhada pelo mundo” (1 Pedro 5.9). Embora em colapso, sua situação não é singular.
Sabendo que a morte é certa
Em segundo lugar, ele nos lembra do que todos sabemos, mas quase não consideramos, sobretudo no ocidente: a morte virá uma hora ou outra.
Acredite, caro senhor ou senhora, você e todos os que você ama já estavam condenados à morte antes da invenção da bomba atômica: e uma grande parte de nós morrerá de formas desagradáveis. De fato, temos uma grande vantagem sobre nossos antepassados: anestésicos. Mas eles não nos livram da morte. É ridículo ficar choramingando porque cientistas inventaram mais uma forma de morrer dolorosa e prematuramente a um mundo que já é repleto disso. A própria morte não é sequer provável, porém certa. (Ibid.)
Contra todas as explicações naturalistas do contrário, o homem morre porque pecou. O salário do pecado é a morte (Romanos 6.23). O resultado do nosso pecado, nosso maior terror, acontecerá. O pecado nos levará ao túmulo, não o destino. A iniquidade cava nossa cova e dita nosso epitáfio. Como parte da linhagem de Adão, morreremos.
É certo que coisas ruins nos acontecerão enquanto cristãos. A Bíblia nunca desmente esse fato. Somos “herdeiros de Deus e coerdeiros com Cristo; se com ele sofremos, também com ele seremos glorificados” (Romanos 8.17). O fogo ardente não deve nos surpreender (1 Pedro 4.12). Somos destinados à aflição (1 Tessalonicenses 3.3). Depois que Paulo foi brutalmente apedrejado e considerado morto, ele se levantou e voltou à cidade, ferido e ensanguentado, “fortalecendo a alma dos discípulos, exortando-os a permanecer firmes na fé; e mostrando que, através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de Deus” (Atos 14.22).
Coisas ruins são uma certeza nesta vida, mas suportemos, pois a próxima vida também é uma certeza. Em Cristo sabemos que nem a morte, nem a vida, nem as coisas do porvir, nem poderes, nem qualquer outra criatura poderá nos separar do amor de Deus em Cristo Jesus, nosso Senhor.
Concentrados em viver
O terceiro argumento de Lewis diz que não devemos parar de viver, mesmo em um mundo em que tantas coisas podem, já deram e darão errado.
Este é o primeiro argumento: Se todos seremos destruídos por uma bomba atômica, quando tal bomba vier, que ela nos encontre fazendo coisas sensíveis e humanas — orando, trabalhando, ensinando, lendo, ouvindo música, dando banho nas crianças, jogando tênis ou conversando com amigos —, e não encolhidos como ovelhas amedrontadas que só pensam em bombas. Eles podem destruir nossos corpos (um micróbio também pode), mas não podem dominar nossas mentes. (Ibid.)
Se bombas atômicas, os caldeus, tornados, doenças, acidentes, lesões ou nosso pior cenário nos encontrarem, que nos encontrem vivendo, e não encolhidos no canto da sala. Lewis chamou de “coisas humanas e sensíveis”. Se nosso sábio Pai considerar isso “necessário”, que a calamidade nos encontre plenamente vivos, transbordando de esperança em Deus e amor pelas pessoas.
O que mais tememos pode nos achar, quer temamos ou não. Mas, como cristãos, não precisamos ficar ansiosos ou obcecados por cada calamidade possível. Nosso receio não é o mesmo que o do mundo (Isaías 8.12–13); em vez disso, tememos a Deus e confiamos nele. Seja em uma era atômica ou em qualquer outra, que confiemos nossa vida ao fiel Criador enquanto fazemos o bem, testemunhando que
Por muitos perigos, labutas e ciladas
Até então eu tive de passar
A graça me trouxe seguro até aqui
E a graça para casa me levará.