Deus, dá-nos mestres como Jesus

“Jamais alguém falou como este homem!” Até os seus inimigos tiveram que admitir.

Jerusalém estava fervilhando de viajantes durante a Festa dos Tabernáculos, e Jesus ensinava no templo. Havia uma nova agitação no ar. E controvérsia. Alguns diziam que ele era um homem bom; outros pensavam que ele enganava o povo (João 7.12).

Os fariseus ouviram o murmúrio e conspiraram com seus rivais políticos, os chefes dos sacerdotes, enviando guardas para prenderem Jesus, se ele falasse algo errado. Os guardas estavam lá, no último dia da festa, quando Jesus se levantou e exclamou, como ninguém mais ousaria:

Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva. (João 7.37-38)

A princípio, as pessoas ficaram atordoadas; depois, divididas. Alguns se perguntavam se ele era o Profeta que haveria de vir. Ou até mesmo o próprio Cristo. Outros argumentaram que o herdeiro de Davi não viria da Galileia. Os guardas, igualmente atordoados, voltaram de mãos vazias, e boquiabertos, para os chefes dos sacerdotes e os Fariseus, que perguntaram “por que vocês não o trouxeram?”.

João então relata, como ele gostava de fazer, uma palavra na boca dos inimigos de Jesus mais verdadeira do que eles pensavam: “Jamais alguém falou como este homem!” (João 7.46).

Maravilhoso em palavras e obras

De fato, as palavras e o ensino de Jesus são incomparáveis, mesmo com a tensão que percorreu seu ministério, do início ao fim. Constantemente a sua fama se espalhava por causa dos seus milagres. A palavra se espalhou como um incêndio por conta das suas obras. As pessoas queriam ver o que o Evangelho de João chama de “sinais”. No entanto, Jesus nunca identificou a si mesmo como um milagreiro. Ele foi um mestre cujas palavras surpreenderam os seus ouvintes tanto quanto suas curas. E até mais.

Nicodemos entende bem isso, embora ainda tenha muito a aprender, quando vem ter com Jesus à noite em João 3: “Rabi, sabemos que és Mestre vindo da parte de Deus; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não estiver com ele” (João 3.2). Os sinais apontam. As obras que deslumbram os olhos são destinadas a abrir os ouvidos às palavras de um mestre que vem de Deus.

Sendo ele próprio o Verbo de Deus, as palavras de Jesus eram diferentes das palavras de qualquer outro homem, seja antes dele, em sua época, ou hoje. Ele abriu a boca para ensinar, e logo “todo o povo, ao ouvi-lo, ficava dominado por ele” (Lucas 19.48).

Surpreendidos e admirados

Mesmo aos doze anos, duas décadas antes de ir a público como mestre, suas palavras surpreendiam e admiravam enquanto estava entre os mestres no templo: “E todos os que o ouviam muito se surpreendiam com sua inteligência e das suas respostas. Logo que seus pais o viram, ficaram admirados” (Lucas 2.47-48).

Quando Jesus falava, suas palavras, não somente as suas obras, cativavam. Ele não apenas “surpreendeu” as multidões com milagres (Marcos 1.27; 2.12; 5.42), mas ele “surpreendeu” os discípulos com seus ensinamentos (Marcos 10.24, 32). Tal como as massas ficaram “admiradas” com as suas obras (Marcos 7.37; Lucas 5.9; 9.43; 11.38), ainda mais aqueles com ouvidos para ouvir ficavam “admirados” com as suas palavras (Marcos 1.22; 6.2; 10.26; 11.18).

Não em vão, Mateus relata, ao fim do famoso Sermão do Monte: “Quando Jesus acabou de proferir estas palavras, estavam as multidões maravilhadas da sua doutrina; porque ele as ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas” (Mateus 7.28-29). E quando ele ensinou em sua cidade natal, Nazaré, “se maravilhavam e diziam: Donde lhe vêm esta sabedoria e estes poderes miraculosos?” (Mateus 13.54).

Quando ele foi para a próxima cidade, Cafarnaum, “muito se maravilhavam da sua doutrina, porque a sua palavra era com autoridade” (Lucas 4.32). E quando parecia ser crucial, durante a semana da paixão, com os chefes dos sacerdotes tentando fazê-lo tropeçar, ele não só respondeu de modo impecável, como partiu para a ofensiva. “Ouvindo isto, as multidões se maravilhavam da sua doutrina” (Mateus 22.33).

Eles se maravilharam

Ainda mais do que “surpreendidos” e “admirados”, os Evangelhos relatam que os ouvintes de Jesus frequentemente se maravilhavam. O povo “se maravilhava” não só com as suas manifestações de poder (Lucas 8.25, 9.43, 11.14) mas também com seus ensinamentos. Eles “se maravilhavam das palavras de graça que lhe saíam dos lábios” (Lucas 4.22).

Quando os fariseus “consultaram entre si como o surpreenderiam em alguma de suas palavras” (Mateus 22.15), não sabiam que seria uma tolice. Eles pensaram que talvez poderiam pegá-lo fazendo uma perigosa pergunta política: “É lícito pagar tributo a César ou não?” (Mateus 22.17). Jesus, ciente da malícia deles, os alerta dizendo: “Por que me experimentais, hipócritas?” (Mateus 22.18).

Então ele os calou com três palavras sucintas: um exemplo prático, um questionamento importante e uma das maiores frases da história do mundo. O exemplo: “Mostrai-me a moeda do tributo” (Mateus 22.19). Eles o entregam um denário. E então o questionamento importante: “De quem é esta efígie e inscrição?” (Mateus 22.20). Todos sabiam a resposta: “De César”. Finalmente, a palavra que fez até os inimigos “se maravilharem” (Mateus 22.22; também em Marcos 12.17): “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mateus 22.21)

Lucas relata o desfecho: “E não puderam apanhá-lo em palavra alguma diante do povo; e, maravilhados da sua resposta, calaram-se.” (Lucas 20.26). Ele podia abrir a boca e obrigá-los a seguir suas ordens. Isso nos traz de volta a João 7 e à evidência mais clara sobre o que tornava o ensinamento de Jesus tão maravilhoso.

A que se referem as suas palavras?

Em João 7, conforme Jesus ensinava durante a festa, ali se “maravilharam” e perguntaram: “Como sabe estas letras, sem ter estudado?” (João 7.15).

Jesus responde com as palavras mais focadas e penetrantes que tem a dizer com relação às próprias palavras. Aqui ele puxa a cortina, por assim dizer, e ensina sobre o seu ensino. Ao fazê-lo, ele nos dá uma visão profunda, em três camadas, sobre o que distingue suas palavras e ensinamentos. O seu ensinamento, segundo ele, “não vem de mim, não pertence a mim, nem é para mim”.

Não vem de mim

Primeiramente, Jesus não opera sob a sua própria autoridade, um tema recorrente no Evangelho de João. “O Filho nada pode fazer por sua própria vontade” (João 5.19, tradução do autor). Mais uma vez: “Eu nada posso fazer de mim mesmo” (João 5.30). Ele não é autônomo, como as pessoas modernas gostam de fingir. “Nada faço por minha própria autoridade”, diz ele em João 8.28, “mas falo como o Pai me ensinou”. Assim também na sua vinda, ele não vem “por minha própria vontade” (literalmente, “de mim mesmo”, João 7.28; 8.42). Pelo contrário, as suas palavras como mestre estão enraizadas na missão daquele que o enviou.

Jesus não ensina “por si mesmo” — da sua própria autoridade, como sua própria fonte — mas na autoridade de outro: o seu Pai. E assim, aqui em João 7.17, ele deixa claro que não está “a falar em sua própria autoridade”.

Os pastores e mestres de hoje em dia fazem bem em aprender com ele. Se o próprio Cristo não fala com a sua própria autoridade, então por que o faríamos? O apelo ao ensino cristão para ensinar como o Deus-homem não é um apelo a partilhar as nossas opiniões ou preferências ou as tendências do momento. O ensino cristão está cada vez mais em desacordo com o padrão de ensino no mundo e a sua propensão para a autoexpressão. Deus nos deu um Livro. Como o próprio Cristo, nós não ensinamos “de nós mesmos”. Somos mordomos e arautos da mensagem de outro, de Cristo, tal como Ele nos modelou ao receber e ensinar as palavras de seu Pai.

Não pertence a mim

A distinção entre “não vem de mim” e “não pertence a mim” é sutil, mas leva a questão para outro nível. Jesus afirma em João 7.16 algo intrigante: “O meu ensino não é meu, e sim daquele que me enviou”. Como poderia o seu ensinamento não ser seu?

A questão no versículo 16, podemos dizer, não é autoridade, mas propriedade. Uma coisa é apontar para uma fonte (ou autoridade) fora de si mesmo; outra é dar um passo mais à frente. Não só o meu ensino não vem de mim, diz Jesus; mas o meu ensino nem sequer é meu. Um mestre pode apontar para outro como a fonte do seu ensinamento e ainda assim afirmar que o seu ensinamento, uma vez que tenha saído da sua boca, seja dele. Jesus não faz isso.

Mais uma vez, se isso se aplica a Jesus, quanto mais para nós hoje que ensinamos em seu nome! Poderíamos admitir prontamente que o nosso ensino “não vem de mim”, mas de Deus, de Cristo, do Livro, e depois sentir uma boa dose de propriedade sobre o meu ensino, o meu conteúdo, a minha “propriedade intelectual”.

Somos propensos a assumir que, uma vez recebidas e estudadas as palavras de Deus, e encontrada a nossa forma de as ensinar, então, em algum sentido, mesmo admitindo que não vem de nós, o nosso ensino é nosso. Mas não é assim para Jesus. Aqui está um tipo de visão sobre o “seu ensinamento” que é incomum, até mesmo estranha, embora venha a se tornar central uma vez que ele nos leve ao fundo.

Não para mim

Finalmente, em João 7.18, Jesus nos leva à pedra angular: “Quem fala por si mesmo está procurando a sua própria glória; mas o que procura a glória de quem o enviou, esse é verdadeiro, e nele não há injustiça.”

Por baixo deste enigma do “seu ensinamento” não ser “seu”, em certo sentido, começamos a entender melhor: para quem é a glória? Para quem é a honra? De quem é a glória que procuro com as minhas palavras, o meu ensinamento? No mundo, a resposta é, muitas vezes. dolorosamente clara: o mestre procura a sua própria glória. Ele ensina para a sua própria glória, para o seu próprio benefício, para o seu próprio avanço, para a sua autoexpressão. Tragicamente, mesmo entre alguns mestres na igreja, isso pode ser verdade. Os nossos corações, incluindo pastores, são propensos a vagar à procura do próprio benefício privado e interesses egoístas.

No entanto, o próprio Deus-homem — plenamente Deus, sim, e entre nós plenamente homem — procura não a sua própria glória no seu ensino, mas busca a glória daquele que o enviou. E mais uma vez, se assim é para Cristo, por que não seria para aqueles que hoje ensinam em seu nome?

O homem Cristo Jesus

João 7.18, proferido pelo próprio Cristo, pode muito bem ser a perspectiva mais importante sobre o que tornava as palavras e os ensinamentos de Cristo tão poderosos. Por que as multidões ficaram tantas vezes surpreendidas e admiradas? Por que se maravilharam e por que se agarraram às suas palavras, e disseram: “Nunca ninguém falou como este homem”? Porque jamais nenhum homem viveu pelo nome e glória de Deus como o homem chamado Jesus (João 17.4, 6, 26). O que essa consagração da mente e do coração trouxe às suas palavras fez a diferença em todos os lugares a que ele foi para ensinar.

No fundo, Jesus, como o ser humano definitivo, não procurou “a sua própria glória”, mas a glória daquele que o enviou. Sobre isso, ele professou que mesmo o seu ensinamento não era dele, mas do seu Pai, como ele não ensinou “de si mesmo”, mas da autoridade do seu Pai.

Para os cristãos, “para a glória de Deus” não é uma frase descartável. É profundamente relevante e transformadora, diária e semanalmente, na forma como vivemos e como falamos. Os ensinamentos de Jesus, ainda mais convincentes do que as suas obras espetaculares, demonstraram ao mundo que ele era verdadeiro. Os seus inimigos podiam sentir e não podiam deixar de admitir: “Sabemos que és verdadeiro e não te importas com quem quer que seja, porque não olhas a aparência dos homens; antes, segundo a verdade, ensinas o caminho de Deus” (Marcos 12.14). “Mestre, sabemos que falas e ensinas retamente e não te deixas levar de respeitos humanos, porém ensinas o caminho de Deus segundo a verdade” (Lucas 20.21).

Isso ainda vale para os verdadeiros mestres de hoje. As suas palavras não vêm deles, nem lhes pertence, nem são para a sua própria glória, o que, com o tempo, pode muito bem fazer o povo de Deus se maravilhar, quando Deus lhes der ouvidos para ouvir.

Por: David Mathis. © Desiring God Foundation. Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: God, Give Us Teachers Like Jesus.

Original: Deus, dá-nos mestres como Jesus. © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados. Tradução: Sarah Luzia de Carvalho Brandão. Revisão: Renan A. Monteiro.