Encare a subida

Lição de um corredor para a vida cristã

Às vezes eu me pergunto se o apóstolo Paulo era um corredor.

Corridas são mencionadas com frequência em seus sermões e cartas. Ele se refere a sua própria vida e a seu ministério como uma corrida (1 Coríntios 9.26; Gálatas 2.2; Filipenses 2.16), e descreve a (antiga) fé dos gálatas em termos semelhantes: “Vocês vinham correndo bem!” (Gálatas 5.7).

Ele também pede aos tessalonicenses que orem por ele, “para que a palavra do Senhor se propague rapidamente e receba a hora merecida, como aconteceu entre vocês” (2 Tessalonicenses 3.1). Ele fala do esforço e do empenho humano (em contraste com a divina misericórdia na eleição) como uma corrida (Romanos 9.16). Em Antioquia, ao pregar, falou que João Batista “completou sua carreira” (Atos 13.25); em Éfeso, expressou aos presbíteros seu único desejo: completar sua carreira (Atos 20.24); e em sua última carta, ele diz: “Completei a carreira” (2 Timóteo 4.7).

Enquanto o termo “caminhada” servia como uma imagem mais comum da vida cristã (pois aparece cerca de 30 vezes em suas cartas), a teologia de Paulo tinha um lugar especial para termos mais intensos, por vezes agressivos; um tipo de capacidade atlética da vida cristã, como ele escreveu aos coríntios:

Não sabeis vós que os que correm no estádio, todos, na verdade, correm, mas um só leva o prêmio? Correi de tal maneira que o alcanceis. (1 Coríntios 9.24)

Se Paulo era um corredor ou não, muitos cristãos (inclusive eu) experimentaram que a experiência de pressionar o corpo além do conforto é algo que traz benefícios para além da saúde física. Paulo admite que o exercício físico tem algum proveito, ainda que pouco, mas ele enfatiza que “a piedade para tudo é proveitosa” (1 Timóteo 4.8). E o treinamento corporal é ainda mais valioso quando serve à piedade; quando as lições aprendidas ao exercitar o corpo se convertem em instintos de uma alma saudável.

Encare a subida

Cada um enfrenta suas próprias ladeiras a cada dia. Pode começar com ter que sair da cama. Pode ser iniciar uma conversa que esperamos ser difícil. Pode começar no trabalho, na escola ou no quintal. Todos nós encontramos ladeiras; alguns mais, outros menos. E quando as encontramos, é preciso mais esforço para continuar colocando um pé na frente do outro. Repetidas vezes, enfrentamos desafios grandes e pequenos. E quando o fazemos, qual é o nosso padrão? Continuar correndo? Desacelerar? Parar tudo? Ou encarar de frente?

Quem corre deve conhecer a sensação. Você está cansado, mas continua se esforçando para chegar ao final. Você chega a uma ladeira. Sua resposta natural será desacelerar e subir aos poucos. Parar para caminhar pode ser tentador. Mas outra mentalidade é encarar e se esforçar para superar; golpear seu corpo com um propósito, como Paulo fez (1 Coríntios 9.27); gastar mais energia primeiro; subir a ladeira primeiro e depois aproveitar a descida.

Uma vez que um corredor tenha aprendido quais recompensas estão do outro lado, “encarar” pode se tornar o novo padrão, um instinto a ser desenvolvido pelo resto da vida, aprendendo a pressionar a resistência, em vez de recuar como reflexo.

Desenvolva o instinto

É algo próprio do ser humano e da modernidade seguir o caminho de menor resistência e evitar as “ladeiras da vida” que sabemos que deveríamos encarar. Por isso podemos nos distrair tão facilmente. Não são apenas os dispositivos mais recentes ou os comerciantes de atenção que nos enganam e nos distraem. No fundo, queremos ser distraídos. Os humanos desejam e encontram distrações há séculos; as vias digitais simplesmente tornaram a distração ainda mais fácil. Normalmente, queremos evitar o que sabemos que realmente deveríamos fazer, porque as ladeiras que mais importam são as mais difíceis de subir.

É aqui que o “treinamento corporal” e o exercício ajudam não apenas o corpo, mas a vontade. O esforço físico pode nos ajudar a desenvolver a mentalidade de encarar as tarefas às quais resistimos, em vez de evitá-las e procrastinar; de “tomar a resistência como um estímulo à ação em vez de evitá-la” (Mark Forster, Get Everything Done, p. 152).

Em vez de desacelerar automaticamente ou dar meia-volta, quando chegamos a uma ladeira, podemos aprender a encará-la. Aprenda a ver as ladeiras certas como oportunidades de frutificação para o que realmente importa; para uma “produtividade” genuína nos termos de Deus.

Hoje estamos cercados por uma riqueza de tecnologias que condicionam a alma e o corpo a esperar conforto, e encorajam a mente a calcular os meios mais fáceis em vez dos melhores resultados. Sem intencionalidade, seremos moldados pelo caminho de menor resistência da carne, em vez do chamado do Espírito para dar frutos. Se não tomarmos medidas deliberadas para superar as barreiras cada vez mais baixas de desconforto na sociedade, seremos puxados para o poço da letargia que nos cerca. Nós nos tornaremos (ou permaneceremos) modernos, molengas, cada vez mais preguiçosos, sedentários e improdutivos.

Mas em Cristo temos motivos para seguir em outra direção; para “não nos conformarmos com este século, mas ser transformados pela renovação de [nossas mentes]” (Romanos 12.2) e corpos. Para que nos apresentemos como sacrifício vivo (Romanos 12.1). Em caso de dúvida, não queremos optar pelo que é mais fácil. Queremos buscar o que é mais importante, sabendo que essas coisas, em geral, são as mais exigentes mental, emocional e fisicamente.

Olhe além da subida

Uma maneira de aprender a “encarar a subida” é aprender a olhar para a recompensa. Para o corredor, são “os olhos da fé” que o impulsionam a se esforçar ainda mais quando o corpo prefere desacelerar, porque estamos olhando além da subida à nossa frente. Só mais alguns minutos e a ladeira estará atrás de mim, e ficarei mais feliz por tê-la encarado em vez de ter cedido.

Quanto mais aprendemos a olhar para a recompensa além da subida, por mais estranho que possa parecer à primeira vista, mais aprendemos a saborear a alegria lá em cima. Inclusive agora. No momento de dificuldade, os olhos da fé começam a perceber, ou provar, em forma de semente, a alegria que está por vir. A fé é uma degustação, no desconforto presente, da plena recompensa por vir.

Independentemente de Paulo ter ou não o hábito de correr, ele aprendeu a se esforçar. Quando encontrou conflito em Filipos, ele o encarou e pediu à igreja também o fizesse “Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo e não somente de crerdes nele, pois tendes o mesmo combate que vistes em mim e, ainda agora, ouvis que é o meu” (Filipenses 1.29–30). A resistência ao evangelho desafiou o apóstolo, mas ele não recuou. Ele se envolveu. Ele se inclinou. Ele continuou a correr e convidou outros a se juntarem a ele.

Assim também foi em Tessalônica. O conflito veio, e Paulo o encarou. “Apesar de maltratados e ultrajados em Filipos, como é do vosso conhecimento, tivemos ousada confiança em nosso Deus, para vos anunciar o evangelho de Deus, em meio a muita luta” (1 Tessalonicenses 2.2). E, no entanto, por maior que seja o seu exemplo, Paulo não é o mestre a seguir, e sim o seu Senhor.

Jesus encarou as dificuldades

Jesus “manifestou, no semblante, a intrépida resolução de ir para Jerusalém” (Lucas 9.51). Por quê? “Porque não se espera que um profeta morra fora de Jerusalém” (Lucas 13.33). Esse não era o caminho mais fácil, mas o mais difícil. A maior das “ladeiras”. Ele pereceria, afirmou, e da pior maneira possível: em uma cruz.

Quando a carta aos Hebreus nos exorta a “correr, com perseverança, a carreira que nos está proposta” (Hebreus 12.1), ela também nos mostra como fazer isso: “olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus”, que encarou de frente, olhando para a recompensa; “o qual, em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia, e está assentado à destra do trono de Deus” (Hebreus 12.2).

A resistência mencionada não é a que poderíamos esperar: vergonha. Nós nos encolhemos até mesmo com o pensamento da angústia física da cruz. E devemos; foi literalmente excruciante. E, no entanto, o que Hebreus destaca aqui não é a dor física, por mais horrível que tenha sido, mas a vergonha. Foi uma execução pública, prolongada e nua em uma cruz. A dor corporal indescritível da cruz foi igualada, se não superada, pela vergonha.

No entanto, tal dor e vergonha não fizeram Jesus recuar. Em vez disso, ele enxergava a recompensa do outro lado da vergonha. Mesmo quando tais barreiras foram colocadas imediatamente diante dele, ele olhou para a alegria do outro lado e encarou o monte Calvário.

Por: David Mathis. © Desiring God Foundation. Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: Lean into the Hill: A Runner’s Lesson for the Christian Life.

Original: Encare a subida: lição de um corredor para a vida cristã. © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados. Tradução: Renan A. Monteiro.