Posso ser santo e não ser feliz?

Recém-noivado, eu procurava por um bom livro sobre casamento. Lembro-me de encontrar um, recomendado como um clássico moderno, que tinha uma pergunta memorável em sua capa: “E se Deus designou o casamento para nos fazer mais santos do que felizes?”.

Hmm. Eu não gostei da forma como a frase foi colocada. Por que colocar santidade contra felicidade? Era certeiro, com aquelas provocações “e se…” na capa. Ainda assim, não me pareceu um risco que valia a pena, mesmo que o slogan mirasse um ídolo comum de nossa geração.

É claro que, em certo nível, eu entendo, e garanto, que muitas pessoas têm uma definição superficial de felicidade. Na medida em que a “felicidade” se referir à nossa experiência momentânea, superficial, confortável, sem sofrimentos, prazerosa — e isso não requer um novo nascimento — então sim, a verdadeira santidade, nos termos de Deus, muitas vezes (senão sempre) será contrária à tal “felicidade”. Entretanto, não estou pronto para ceder o significado de felicidade a tais suposições superficiais e fracas. Não é isso que encontramos quando lemos as Escrituras. Nem encontramos uma santidade em tensão com a verdadeira felicidade. Na verdade, as duas estão initimamente interligadas.

Noções estranhas de santidade

Alguns de nós, que tivemos o inenarrável privilégio de sermos criados em famílias cristãs e igrejas piedosas, precisamos ter o nosso conceito de santidade renovado depois de chegarmos à fé genuína quando adolescentes ou adultos. Olhando para trás, e sendo mais ponderados, a culpa talvez não fosse dos nossos pais ou da igreja, mas nossa: estávamos mortos em nossos pecados (Efésios 2.1,5), vivos na carne, mas mortos no espírito; precisávamos nascer de novo. E quando Deus nos fez vivos em Cristo (Efésios 2.5), começamos a ver nosso Criador e seu mundo com novos olhos e também, por fim, a sua santidade e o nosso chamado para ser santos como ele é.

O desafio de despertar para a verdadeira santidade não é próprio da nossa geração. Trezentos anos atrás, o jovem Jonathan Edwards (1703 – 1758) se deparou com tal barreria e, com a ajuda de Deus, descobriu que ela era superável. Dissertando acerca do Edwards de 16 anos de idade, o biógrafo Geoge Mardsen escreve:

A autodisciplina falhou tanto quanto teve êxito. O autoexame também não era encorajado. Do que podia se lembrar, indignava-se com os ensinos e disciplinas infinitamente tediosos de seus pais. Santidade parecia ser uma coisa “melancólica, carrancuda, azeda e desagradável”. Ele não encontrava prazer nos longos cultos da igreja. Ele ainda possuía uma natureza rebelde. Ele era orgulhoso. Ele tinha uma personalidade difícil e arisca, e nele não havia sinais de caridade que fossem evidências da graça. Ele lutava contra desejos sexuais que, apesar de enormes esforços, ele não conseguia controlar completamente. (Jonathan Edwards: A Life [A breve vida de Jonathan Edwards], p. 36)

Aqui, Marsden resume os pensamentos de Edwards quando adolescente baseado em uma confissão que Edwards fez no final de sua vida, quando escreveu sobre a beleza da santidade: “Consumimos noções estranhas de santidade em nossa infância, como se ela fosse uma coisa melancólica, carrancuda, azeda e desagradável” (The Works of Jonathan Edwards [As obras de Jonathan Edwards], 13:163).

Edwards não está sozinho, em sua geração e na nossa. Muitos de nós, em nossa falta de fé, temos assimilado “noções estranhas de santidade” que parecem estar em desacordo com a felicidade, por mais fragmentada e temporal que seja nossa ideia de felicidade. Tendo nascido de novo, precisamos reconsiderar a santidade, começando pela santidade do próprio Deus, depois a nossa.

A própria Santidade

Santidade começa com Deus. Ele é o epicentro. Na verdade, podemos usar santo como adjetivo para o próprio Deus. Para isso, é difícil encontrar qualquer relato melhor do que o espantoso vislumbre que Isaías teve de Deus em sua santidade em Isaías 6. Na presença de Deus, ouvimos os serafins clamando uns aos outros, atribuindo a Deus o seu infinito valor:

“Santo, santo, santo é o SENHOR dos Exércitos;
toda a terra está cheia da sua glória!” (Isaías 6.3)

Talvez você tenha ouvido que a santidade de Deus se refere à sua singularidade ou seu caráter de separação: ele se separa das suas criaturas e de seus pecados e do mundo. Eles são comuns; ele é santo.

A singularidade de fato é um aspecto importante da santidade de Deus, mas ela não inclui a dimensão vital do que a santidade é, tal qual ela aparece na adoração dos serafins. Quando eles dizem “Santo, santo, santo”, não estão apenas clamando “Separado, separado, separado”. Eles clamam em adoração; eles louvam a Deus como santo e se deleitam em sua santidade. Eles não estão desinteressados. Ele não é apenas alguém separado; ele é bom. Os serafins veem e testemunham o valor infinito e intrínseco de Deus e, agora declaram, no temor de uma feliz adoração: “Santo, santo, santo”.

E, antes dos serafins e humanos redimidos verem e testemunharem isso, o próprio Deus vê e testemunha perfeitamente o seu valor e dignidade. Em outras palavras, Deus é feliz em si mesmo. Ele é o Deus feliz e bendito (1 Timóteo 1.11; 6.15). Foi o que Edwards, deixando suas “noções estranhas” de lado, veio a perceber:

A santidade de Deus é a consideração devida e adequada dele sobre tudo, e, portanto, consiste, majoritária e resumidamente, em sua infinita estima ou amor por si mesmo, sendo ele o Ser infinitamente maior e mais excelente. (As obras de Jonathan Edwards, 20:460)

No coração da santidade do próprio Deus está a sua perfeita estima e amor, ou felicidade, em si mesmo. Antes que Deus seja santo perante sua criação, ele é santo perante a si mesmo, significando que ele vê, percebe, goza, ama e se deleita perfeitamente na própria perfeição sendo “o Ser infinitamente maior e mais excelente”. Longe da santidade de Deus estar em tensão com a sua própria bem-aventurança ou felicidade, elas estão inexplicavelmente ligadas. O Deus Santo é primeiramente e acima de tudo feliz em si mesmo.

O coração da santidade

Mas e a “santidade” em nós, suas criaturas? Inevitavelmente, a santidade se refere à nossa vivência nesse mundo, nossas palavras, nossas ações e se elas estão de acordo com o valor e dignidade de Deus. Deveríamos nos perguntar, entretanto: “Qual é o coração das manifestações externas de santidade das criaturas?”. A essência da santidade nos humanos redimidos é o coração que estima, ama e se deleita em Deus de acordo com o valor dele.

O processo que chamamos de “santificação” (tornar-se mais santo, crescer em santidade), como escreve John Piper, é “a ação pela qual trazemos nossos sentimentos e pensamentos e ações à conformidade para com o valor de Deus” (Acting the Miracle [Expressando o milagre], p. 36). Santidade em nós, enquanto criaturas finitas de Deus, começa com nossa verdadeira percepção e devida estima da excelência e valor de Deus.

Assim, não apenas a verdadeira santidade traz grande felicidade, como também a felicidade em Deus é o coração da santidade. Como Piper diz, “tente explicar santidade sem felicidade e você falhará. A essência da santidade é a felicidade em Deus”.

E a santidade não termina nem fica contida na alma humana.

Santidade de carne e osso

A santidade também deve ser vivida nesse mundo. A santidade que tem sua essência em nossos corações deve ser expressada e estendida a nossas palavras e ações que tornam o valor de Deus, que não pode ser visto ou ouvido, conhecido por outras pessoas. Assim como a felicidade de Deus em si mesmo “se tornou pública” na criação do mundo visível, audível e tangível, também Deus deseja que nossa felicidade nele “se torne pública” para o mundo que ele criou através das nossas palavras audíveis e vidas frutíferas e visíveis.

A verdadeira felicidade em Deus é o coração da verdadeira santidade em nós. E a santidade genuína em nós, em alma e corpo, começa com almas felizes em Deus, levando a palavras e obras físicas que confirmem e testifiquem o valor dele.

Feliz e santo

Voltando ao slogan daquele livro que parecia jogar a santidade contra a felicidade. Eu gostaria de perguntar: por que transformar amigos em inimigos? Por que dar lugar à velha intriga de que o que Deus requer de suas criaturas deve inevitavelmente prejudicar nossa felicidade?

Há um pouco de verdade que precisamos reconhecer: Deus se importa mais com nossa santidade do que com a “felicidade” que vem de confortos meramente temporais. Se nossa definição de “felicidade” vem da sociedade secular, por meio de meros sentimentos decorrentes de experiências momentâneas, superficiais, confortáveis, sem sofrimentos e prazerosas, que não requerem um novo nascimento, então, sim, Deus realmente se importa mais com nossa santidade do que com isso. Mas eu não estou pronto para entregar ao mundo a palavra felicidade sem lutar por ela.

Quando contemplamos a verdadeira felicidade como o contentamento profundo, duradouro, enraizado em Deus, como o deslumbramento na pessoa e obras radiantes de Cristo, nós descobrimos que tal felicidade, longe de ser contrária à santidade, é o coração daquilo que significa ser santo. Isto dissipa nossas noções estranhas de santidade como o que é melancólico, carrancudo, azedo e desagradável. Venha e veja a santidade como algo belo, desejável e maravilhoso.

A verdadeira santidade no mundo começa com a verdadeira felicidade em Deus. E aqueles que verdadeiramente são felizes nele serão santos.

Por: David Mathis. © Desiring God Foundation. Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: Can I Be Holy Without Happiness?.

Original: Posso ser santo e não ser feliz?. © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados. Tradução: Juliane Teixeira Lima Peixoto. Revisão: Renan A. Monteiro.