Trindade: a família mais feliz de todas

Como Pai e Filho glorificam um ao outro

As famílias mais felizes podem ser surpreendentemente competitivas. E não apenas nos momentos de brincadeira e recreação, nos quais competimos uns contra os outros, no amor e no bom humor, mas ainda mais na “competição” cotidiana para honrar e abençoar uns aos outros.

“Quanto à honra, deem sempre preferência aos outros.” (Rm 12.10 NAA). Paulo escreve para toda a igreja, e tal visão começa em casa. No entanto, a glória e a alegria de tal “competição” são muito, muito maiores e mais fundamentais do que até mesmo nossos lares e igrejas. Podemos encarar toda a história como o Pai divino e seu Filho procurando “dar preferência um ao outro em honra”.

“Serviço é grandeza”, escreve Donald Macleod, “e pode-se até perguntar […] se as pessoas da divindade não parecem competir umas com as outras pelo privilégio de servir” (Person of Christ, p. 88). É uma competição surpreendente e sagrada percorrer as páginas das Escrituras e a história do mundo — uma história de sua glória que encanta todos aqueles que foram acolhidos na maior das famílias.

Um grande desígnio e o “grande meio”

Maravilhar-se com a evidente orientação para o outro, do Pai e do Filho, não é minimizar a centralidade de Deus em Deus, mas sim aprofundar-se nela. Deus fez o mundo para glorificar a si mesmo. Esse, em suma, é o “grande desígnio” de Deus, como Jonathan Edwards pregou em dezembro de 1744, em um sermão chamado “Aproximando-se do fim do grande desígnio de Deus”. No entanto, quanto mais podemos dizer do que simplesmente isso? Edwards diz mais.

Ele também fala do “grande meio” de Deus, dizendo: “O único grande meio pelo qual ele se glorifica em tudo é Jesus Cristo, Deus-homem”. Outra maneira, então, com mais detalhes, de capturar o grande desígnio de Deus, diz Edwards, é esta:

[Deus fez o mundo] para apresentar a seu Filho uma esposa em perfeita glória dentre a humanidade pecadora e miserável, abençoando todos os que obedecem à sua vontade nesse assunto e destruindo todos os seus inimigos que se opõem a ela, e assim se comunicar e glorificar a si mesmo através Jesus Cristo, Deus-homem.

A centralidade de Deus não está em desacordo com a centralidade de Cristo. Na verdade, não podemos ter uma sem a outra. Em uma é o grande desígnio; na outra, o grande meio. Deus se glorifica por meio de seu Filho.

Levados por Edwards, então, é maravilhoso retornar à própria Palavra de Deus, ver se a dinâmica está lá, e observar com deleite nosso Pai e nosso Senhor Jesus “competir um com o outro”, por assim dizer, buscando “dar preferência um ao outro em honra”.

Para o Pai glorificar o Filho

Considere primeiro aquele inesperado atributo da glória do Filho nas magníficas linhas iniciais de Hebreus. “Nestes últimos dias, [Deus] nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas” (Hb 1.2). Somente depois de notar essa designação, Hebreus acrescenta “pelo qual também fez o universo”. Antes da criação, o Pai designou seu Filho para ser herdeiro de tudo; então o Pai fez tudo por meio dele e para ele. Paulo apoia isso em Colossenses 1.16: “Tudo foi criado por meio dele [o Filho] e para ele”.

Em outras palavras, o Pai fez o mundo para dá-lo ao Filho. O Pai ama seu Filho (Jo 3.35; 5.20) com um amor tão cheio, tão denso, tão profundo, tão abundante que transbordou em criar um mundo que desse muito valor a seu Filho. O Pai fez o universo e ordenou que toda a história se desenvolvesse como ela tem se desenvolvido, para glorificar seu Filho e demonstrar seu infinito deleite e amor por seu Filho. E isso não subtrai, por assim dizer, a glória do Pai, mas apenas a aumenta no aumento da glória de seu Filho. Como o Pai corretamente busca sua glória na criação, ele o faz em e através da honra e louvor de seu Filho.

O Pai glorificado no Filho

Jesus, o Deus-homem, viveu sua vida humana em total dedicação ao seu Pai. Com razão os anjos proclamaram “Glória a Deus!” no nascimento de Jesus (Lc 2.14), quando a glória do Pai veio à tona na vida e ministério do Filho. Em seu “estado de humilhação”, da manjedoura à cruz, o homem Cristo Jesus não “glorificou a si mesmo” (Jo 8.54; Hb 5.5), mas suas palavras, ações, o efeito e intenção de sua vida humana, estavam em plena e alegre submissão à vontade e glória de seu Pai. Como ele diz sem impetuosidade em João 8.49: “Eu honro a meu Pai”.

O Filho ama seu Pai (Jo 14.31). O Filho viveu como homem e caminhou em direção à cruz, impulsionado por seu grande prazer e amor por seu Pai. Ele instruiu seus discípulos a viver e produzir frutos para que seu Pai fosse glorificado (Mt 5.16; Jo 15.8), e os ensinou a orar pela santificação do nome de seu Pai (Mt 6.9; Lc 11.2). Na noite anterior à sua morte, Jesus resumiu, em oração, a obra de sua vida como “Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer” (Jo 17.4). Quando ele vê que finalmente chegou a sua “hora”, Jesus ora: “Pai, glorifica o teu nome” (Jo 12.28).

À medida que o Filho se aproxima da cruz, nos maravilhamos ao ver ambas as glórias — do Pai e do Filho — vindo à tona, não em competição, mas cada um dando preferência para acentuar a outra. Surpreendentemente, a exaltação do Filho, sua vinda para sua glória como Deus-homem, começa não apenas com sua ressurreição, mas até mesmo na vergonha e horror de ser “levantado” na cruz (Jo 3.14; 8.28; 12.32). Vendo que sua hora chegou, e que agora ele irá para além de seu “estado de humilhação” e entrará na glória (Lc 24.26) com seu grande ato final de auto-humilhação (Fp 2.8), Jesus diz: “Agora, foi glorificado o Filho do Homem, e Deus foi glorificado nele” (Jo 13.31).

Não apenas o Filho encarnado continuará a glorificar seu Pai, como tem feito desde Belém, mas agora ele o fará em alguma nova medida — e o Pai também glorificará seu Filho. “Tão entrelaçadas estão as operações do Pai e do Filho”, comenta D.A. Carson, “que toda a missão pode ser vista de outra maneira […]. Pode-se inverter a ordem” (John, p. 482). Eles glorificam um ao outro.

O Filho glorificado no Pai

Na maior reviravolta da história, a cruz, em todo o seu ódio e vergonha indescritíveis, inicia a exaltação do Filho encarnado. Aqui, no Gólgota, a antecipada glorificação do Filho pelo Pai, como o Filho falou e orou, começa a ser realizada. O Pai glorificou seu Filho, em certa medida, em sua vida e ministério ungidos (Jo 8.54; 11.4), mas agora sua glória chega de forma decisiva e completa na cruz, e em sua ressurreição (Jo 7.39; 12.16, 23). O sermão de Pedro no Pentecostes reconhecerá que Deus “glorificou a seu Servo Jesus […] a quem Deus ressuscitou dentre os mortos” (At 3.13, 15). Ou, como Pedro escreveu mais tarde, ligando a ressurreição e a glorificação do Filho, “Deus […] o ressuscitou dentre os mortos e lhe deu glória” (1Pe 1.21).

Então, a ressurreição de Cristo — e com ela, sua ascensão e entronização no céu — inaugura uma nova era, a era em que vivemos, da Igreja e do Espírito. Se o Pai parecia dar preferência ao Filho em mostrar sua honra antes da criação, e se o Filho tentou dar preferência ao Pai em sua vida terrena, e o Pai colocou a glória de seu Filho em primeiro plano, na história, na terrível cruz e na triunfante ressurreição, nós agora — como felizes filhos de Deus e irmãos de Cristo — nos emocionamos enquanto nosso Pai e seu Filho lutam ainda mais pelo privilégio de exaltar um ao outro.

Glorificados juntos agora

O Novo Testamento está repleto da glória de Deus e da glória de Cristo, à medida que os santos veem o que Edwards chamou de “o grande desígnio” e “o grande meio” acontecerem diante de nossos olhos. A glória que vemos em Cristo, o Verbo Eterno feito carne, não exclui o Pai, mas é “glória como do [Filho] unigênito do Pai” (Jo 1.14). Todos os séculos de promessas de Deus, diz 2 Coríntios 1.20, encontram seu “sim” em Jesus — “porquanto também por ele é o amém para glória de Deus, por nosso intermédio”. O fruto da justiça que produzimos na vida “é mediante Jesus Cristo, para a glória e louvor de Deus” (Fp 1.11). Ao Pai, por meio do Filho.

Nós servimos, diz 1 Pedro 4.11, “na força que Deus supre, para que, em todas as coisas, seja Deus glorificado, por meio de Jesus Cristo”. Em nossos sofrimentos no tempo presente, olhamos para o Deus de toda graça, que nos chamou para “sua glória eterna em Cristo” (1Pe 5.10). E na grande doxologia de Hebreus, nós olhamos para o Pai, “que tornou a trazer dentre os mortos nosso Senhor Jesus” para operar em nós o que é agradável aos seus olhos “por meio de Jesus Cristo, a quem seja glória para todo o sempre. Amém” (Hb 13.10-21).

Talvez o melhor de tudo seja Filipenses 2.9-11. Deus Pai “exaltou sobremaneira” seu Filho e lhe deu, sem inveja ou reserva, “o nome que está acima de todo nome”. Essa é uma concessão impressionante — uma das grandes realidades que o Pai deve ter sonhado ao nomear seu Filho “herdeiro de todas as coisas”, e agora tem o prazer de cumprir. E para que não nos preocupemos se a santa disputa possa ter ido longe demais, quando tomamos conhecimento que “ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor”, Paulo tem uma última frase para encantar a todos nesta família feliz: “para a glória de Deus Pai”.

Glórias no final

Mesmo agora, enquanto Cristo está entronizado no céu, o Pai está colocando todas as coisas debaixo de seus pés, e quando essa grande obra de redenção for feita (Ap 21.6), então “o próprio Filho também se sujeitará a ele” (1 Co 15.27-28). O Pai então, no final, se torna o último recipiente de glória, enquanto o Filho finalmente lhe dá preferência em mostrar honra? Macleod nos encoraja a “não negligenciar as complexidades da situação” (p. 88).

É aqui, precisamente com o fim em vista, que ele observa como Pai e Filho parecem “competir um com o outro pelo privilégio de servir”. À medida que nos esforçamos para olhar para o futuro, encontramos profundidades e dimensões para a glória divina, as quais devemos ter cuidado para não reduzir. Por um lado, Judas 24-25 nos diz que o Pai nos apresentará diante de si, enquanto em Efésios 5.27 Cristo apresenta a igreja a si mesmo em esplendor. Assim também, não somente o Filho apresentará o reino ao Pai (1Co 15), mas o Pai apresentará a noiva ao seu Filho (Ap 21.2, 9). Macleod observa: “A ideia do Pai entregando a noiva a Cristo é tão definitiva quanto a do Filho entregando o reino ao Pai” (p. 88).

Tais ênfases gêmeas têm, por dois milênios, levado a igreja a confessar com Cristo, e com temor, o abençoado mistério: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10.30).

Glória suficiente para ser compartilhada

Que emoção é ver que nosso Pai e nosso Irmão mais velho não são avarentos com a glória divina. Não há escassez de glória na Divindade para que ela seja acumulada e racionada. As pessoas divinas não competem pela glória, mesmo quando lutam para mostrar honra umas às outras. Como Dane Ortlund observa: “O Novo Testamento oscila tão frequentemente entre o Filho e o Pai como o objeto mais imediato de glorificação que se torna impensável imaginar uma pessoa da Trindade sendo glorificada e as outras não”.

Nosso Deus, de fato, como Deus, busca sua própria glória com justiça e amor, mas não devemos pensar em sua glória como escassa ou apertada em seus dedos. Ele não dá sua glória a outro, mesmo como “o Pai da glória” (Ef 1.17) e Jesus como “o Senhor da glória” (1Co 2.8; Tg 2.1) — e assim também “o Espírito da glória” (1Pe 4.14) — competem uns com os outros, dando preferência uns aos outros em honra.

Tal “competição” torna essa família a mais feliz de todas.

Por: David Mathis. © Desiring God Foundation.Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: THE HAPPIEST FAMILY OF ALL

Original: Trindade: a família mais feliz de todas © Ministério Fiel. Website: MinisterioFiel.com.br. Todos os direitos reservados. Tradução: Paulo Reiss Junior. Revisão: Zípora Dias Vieira. Edição: Vinicius Lima