Humilhe-se — Semelhante a Cristo

O poder da humildade de Jesus

“eis aí te vem o teu Rei […] montado em jumento” (Zc 9.9).

Deus ordena que sejamos humildes. “Buscai a humildade” (Sf 2.3 A21). “Revesti-vos […] de humildade” (Cl 3.12). “[…] sede todos […] humildes” (1Pe 3.8). “[…] no trato de uns com os outros, cingi-vos todos de humildade” (1Pe 5.5). A promessa de Jesus de que Deus exaltará os humildes nos ordena a buscar essa humildade (Mt 18.4; 23.12; Lc 14.11; 18.14). E seus apóstolos também dizem: “Humilhai-vos” (Tg 4.10; 1Pe 5.6).

No entanto, a humildade, de acordo com o testemunho regular das Escrituras, não é algo que podemos simplesmente levantar e fazer. Ao considerarmos os exemplos positivos daqueles que se humilharam (de Josias e Ezequias a Roboão, Acabe e Manassés) — bem como os exemplos negativos daqueles que não o fizeram (Faraó, Amom, Zedequias, Belsazar) — o que fica claro é que essa humilhação primeiro pertence à mão de Deus. Ele inicia a humilhação de suas criaturas. Uma vez que ele o tenha feito, a questão nos confronta: você vai recebê-la? Você vai se humilhar em resposta à sua mão humilhante, ou vai dar coices contra os aguilhões?

“Humilhai-vos”, Pedro escreve, “sob a poderosa mão de Deus” (1Pe 5.6). Primeiro, Deus desce sua mão de humilhação. Então a criatura tem a sua vez: Deus está me humilhando. Vou abraçar isso? Vou me humilhar?

Dado esse pano de fundo, é impressionante ler sobre Cristo em Filipenses 2.8 — onde, talvez, esteja uma das afirmações mais impressionantes de toda a Escritura: “a si mesmo se humilhou”. O próprio Deus, plenamente divino e plenamente humano na pessoa de seu Filho, se humilhou. Isso merece a nossa cuidadosa meditação e nossa contínua admiração.

Mas antes de assumirmos isso plenamente, vamos perguntar o que é humildade em termos bíblicos. Entenda isso errado e podemos nos maravilhar pelas razões erradas. Mas então, com algumas orientações bíblicas, vamos ver o que há de tão maravilhoso em nosso Cristo que a si mesmo se humilhou.

O que é humildade?

Apropriadamente, a primeira menção de humildade em toda a Bíblia vem no confronto crescente entre o Faraó do Egito e o Deus de Israel, mediado por Moisés.

Moisés primeiro se atreveu a se apresentar diante de Faraó em Êxodo 5, e falou em nome de Yahweh: “Deixa ir o meu povo” (Êx 5.1). Ao que Faraó respondeu: “Quem é o Senhor, para que lhe ouça eu a voz e deixe ir a Israel? Não conheço o Senhor, nem tampouco deixarei ir a Israel” (Êx 5.2). Marque isso. Faraó, inchado de orgulho, calculou mal seu status, como criatura, em relação ao Deus Criador. Por meio de Moisés, Deus fala ao principal homem do Egito e pede que ele obedeça. E Faraó se recusa.

Então, Êxodo 10.3 descreve isso como um chamado à humildade. Depois de sete pragas, na iminência da oitava, Deus fala a Faraó: “Até quando recusarás humilhar-te perante mim?” A pergunta penetrante, no contexto deste encontro prolongado de poder, nos dá esse vislumbre do âmago da humildade: a humildade reconhece e obedece àquele que é verdadeiramente Senhor. A humildade implica uma visão correta do eu, como criado por Deus e responsável perante Deus, o que requer uma visão correta de Deus, como Criador e autoridade em relação às suas criaturas. A humildade não está, então, preocupada com o eu e com a própria humildade, mas primeiro ela está atenta e consciente de Deus e de sua grandeza, e depois do eu em relação a ele.

Deus é humilde?

Dito de outra forma, a humildade abraça a realidade de que eu não sou Deus. O orgulho levou à queda da humanidade quando, contrariando o mandamento divino, Adão e Eva desejaram “ser como Deus” (Gn 3.5). A humildade teria obedecido ao seu mandamento — que é o que veremos em Cristo, logo abaixo.

A humildade, então, é uma virtude da criatura. É uma postura de alma, corpo e vida que reconhece e abraça a divindade de Deus e a humanidade do eu. Perguntar, então, “Deus é humilde?” é uma pergunta complicada. A resposta é não, mas não porque Deus seja o oposto do que consideramos humilde. Ele não é arrogante ou orgulhoso. Em vez disso, a humildade é uma virtude da criatura, e ele é Deus. A essência da humildade, podemos dizer como John Piper, é “sentir, pensar, dizer e agir de maneira que mostre que não sou Deus”; o que contribui para ficarmos maravilhados ao lermos que o Deus-homem, Jesus Cristo, “humilhou a si mesmo”.

Cristo a si mesmo se humilhou

Vamos nos maravilhar, então, com esta palavra notável do apóstolo Paulo — que Cristo “a si mesmo se humilhou” (Fp 2.8). Observe, antes de tudo, confirmando nossa definição e humildade, acima, como uma virtude da criatura, que o Filho eterno primeiro se tornou homem (versículo 7), depois se humilhou (versículo 8). O verbo que Paulo usa para capturar a ação da encarnação não é humilhado, mas esvaziado:

[…] subsistindo em forma de Deus, [Cristo] não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana […]. (Fp 2. 6-7)

O movimento do céu para a terra, por assim dizer, é um “esvaziamento”. O Filho divino se esvaziou não da divindade, como se isso fosse possível, mas do privilégio de não ser humano, não ser criatura, não sofrer os limites e limitações de nossa finitude e as dores e aflições de nosso mundo caído. Ele poderia ter como usurpação o privilégio divino de não estar sujeito às regras e realidades da criação, mas ao invés disso ele se esvaziou tomando nossa humanidade. O seu esvaziamento não foi por subtração (da divindade), mas por adição (da humanidade): “assumindo”.

Tornando-se obediente

Então, primeiro, ele se tornou homem. Então, como homem, veio a virtude da criatura: “ele a si mesmo se humilhou”. Paulo confirma o que aprendemos sobre humildade no exemplo negativo de Faraó em Êxodo 10:

[…] e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz. (Fp 2. 7-8)

Como Jesus “a si mesmo se humilhou”? Tornando-se obediente. Humilhar-se é reconhecer a Deus como Senhor e obedecer como servo. Para fazer isso, então, o Filho teve que assumir “a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens” (Fp 2.7).

É uma marca da plenitude de sua humanidade e identificação conosco, que ele não tenha vindo em condições especiais, de modo que fosse poupado das frustrações de nossos limites e das dores de nosso mundo. Em vez disso, ele assumiu totalmente a natureza: totalmente humano em corpo, mente, coração, vontade e contexto. Totalmente humano em nossa finitude e frustrações comuns. Totalmente humano em nossa vulnerabilidade ao pior que um mundo pecaminoso pode oferecer. Ele nem foi, no fundo, poupado da própria essência de ser humano: ser responsável perante Deus.

“Embora sendo filho”, relembra Hebreus 5.8-9, “aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu e, tendo sido aperfeiçoado, tornou-se o Autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem”. Nós, como criaturas, devemos obedecer ao nosso Criador — e ele, como nosso irmão, fez o mesmo.

Até à morte

Mas sua auto-humilhação não para na obediência. O apóstolo acrescenta: “até à morte”. A obediência de Cristo foi uma obediência total. Uma verdadeira obediência. Ele não obedeceu por um tempo, desde que fosse confortável, e então tentou outro caminho. Não, ele obedeceu até à morte.

A verdadeira obediência se mantém na obediência. Cristo não começou em obediência e depois se rendeu à desobediência quando a maior das ameaças surgiu. Ele obedeceu a seus pais (Lc 2.51), e obedeceu a seu Pai, na infância, na adolescência, na idade adulta, em Nazaré e Galileia, e até Jerusalém. A obediência genuína vê a palavra de Deus em nossas vidas — tanto imediatamente quanto a longo prazo.

A humildade não apenas obedece a Deus como Senhor, mas continua a obedecer mesmo quando a obediência aumenta seus custos. Ela não diz: “Vou obedecer por um tempo, até ter o suficiente, e então farei do meu jeito”. Ela diz: “Do seu jeito, até o fim, Deus”. Começa na Galileia, fez o seu rosto como um seixo em Jerusalém, e no jardim, no ponto sem retorno — mesmo através de gotas de suor como sangue — confia no Pai, mantém o curso e se levanta para enfrentar seus inimigos.

Mais uma frase então coloca o ponto de exclamação na humildade de Jesus: “e morte de cruz” (Fp 2.8). De todos os fins, o seu era o mais cruel: a cruz romana, emblema de sofrimento e vergonha. Uma coisa é morrer; outra é sofrer tortura; outra ainda é ser totalmente envergonhado diante dos olhos do público enquanto você é torturado até a morte.

E essa obediência — esse reconhecimento e obediência à palavra e à vontade de seu Pai até à morte, até mesmo à morte de cruz — é a forma como Paulo expande a afirmação mais notável de que “ele a si mesmo se humilhou”.

Humilhado com ele

Deus realmente ordena nossa humildade. Sua mão e plano conspiram para nos humilhar, seja por meio de pandemias ou pelas consequências de pecados pessoais. E em nossa humilhação, quer nosso próprio pecado tenha desempenhado um papel nisso ou não, ele nos convida para que nos humilhemos — aprendendo com a auto-humilhação de Cristo, em grande medida.

A humildade de Cristo nos mostra que a verdadeira humildade não é denegrir a humanidade, mas mostrar a imagem de Deus brilhando em sua plenitude. Humilhar-se não é ser menos que humano. Pelo contrário, é o orgulho que é o câncer, é o orgulho que corrói nossa verdadeira dignidade. Humilhar-se é aproximar-se cada vez mais, passo a passo, da bem-aventurança e do pleno florescimento para o qual fomos feitos.

A humildade de Cristo também esclarece que nem todas as nossas humilhações se devem ao nosso próprio pecado. Cristo não teve nenhum, mas se humilhou. Às vezes, o arrependimento é o primeiro passo para a auto-humilhação; outras vezes não é. Nossa auto-humilhação muitas vezes pode vir em resposta à exposição de nosso pecado, mas mesmo Cristo, sem pecado como era, atendeu ao chamado do Pai para se humilhar.

A humildade de Cristo também significa que o mandamento de Deus não é algo que ele mesmo não experimentou. Por mais solitários que nos sintamos em nossos momentos mais humildes, não estamos lá sozinhos. Cristo esteve lá e está conosco, cumprindo sua promessa (Mt 28.20), e ainda mais tangivelmente quando o momento é mais difícil. Ele se humilhou e se aproxima em tua humilhação, para libertá-lo, para recebê-lo, acolhê-lo, ajudá-lo a arrepender-se, declarar seu Pai Justo, aprender com ele e traçar um novo curso sob sua orientação e presença.

Ele o levantará

A humildade de Cristo, em sua vida, morte e ressurreição, também atesta uma das promessas mais claras e memoráveis de Deus em todas as Escrituras: ele humilha os orgulhosos e exalta os humildes. Assim foi com Cristo. Ele se humilhou e “Deus o exaltou sobremaneira” (Fp 2.9) — literalmente, “superexaltado” (do grego hyperypsōsen). E assim também nosso Deus, sem exceção, exaltará aqueles que são seus em Cristo.

Não importa quão profundo seja o seu vale, não importa quanto tempo pareça que você foi deixado para apodrecer em sua humilhação, não importa o quão sozinho você tenha se sentido, ele o levantará. Em Cristo, você será, com o tempo, superexaltado. O favor de Deus para os humildes brilhará. Sua graça salvadora chegará. Ele exaltará seus humilhados.

Por: John Piper. © Desiring God Foundation.Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: Humble Yourself — Like God

© Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Tradutor: Paulo Reiss Junior. Editor: Vinicius Lima. Revisor: Zípora Dias.