Um câncer pode estar a serviço de Deus?

O que eu vi nos últimos anos de minha esposa

Em março, minha amada esposa, Nanci, perdeu sua batalha de quatro anos contra um câncer no cólon. Por todos os 54 anos em que a conheci, Nanci amou Jesus. Mas, da primeira fileira, eu assisti uma maravilhosa  — e sobrenatural  — mudança nesses últimos quatro anos. 

Em 2019, Nanci escreveu para uma amiga e companheira que também sofria com câncer, 

A batalha contra o câncer tem sido difícil. Contudo, meu tempo com o Ancião de Dias (um dos meus nomes favoritos para Deus) tem sido épico! Ele me encontrou de maneiras que nunca achei que fossem possíveis. Eu tenho experimentado sua soberania, misericórdia e amor inabalável de formas tangíveis. Agora, eu confio nele como nunca achei que pudesse. 

Eu vi Nanci meditar nas Escrituras diariamente, ler ótimos livros sobre Deus e escrever — anotar versículos, citações poderosas de Spurgeon e tantos outros, suas reflexões pessoais. Em uma manhã inesquecível, depois de meditar em Salmos 119.91, “Ao teu dispor estão todas as coisas”, ela compartilhou comigo o que tinha acabado de escrever. 

Meu câncer está a serviço de Deus em minha vida. Ele está usando-o de maneiras que já revelou a mim e em muitas outras que ainda devo compreender. Eu posso descansar sabendo que meu câncer está sob o controle de um Deus soberano que é bom e faz o que é bom. 

De coração partido e grata

Nove meses depois, por um pedido de Nanci e quase que de surpresa, nossas filhas e suas famílias se reuniram para ouvir suas últimas palavras de amor transbordante por nós e a inabalável confiança em seu soberano Rei. 

Um de nossos netos sentou ao seu lado, ouvindo-a lutando para falar e a mim lendo as poderosas palavras de seus cadernos de anotações, ele disse, “Vovó, se você pode confiar em Deus nisso, eu sei que posso confiar nele em qualquer situação”. Outro neto lhe disse: “Nunca vou esquecer o que você nos disse hoje”.

Uma semana depois, exatamente, eu segurei suas mãos e a vi dando seu último suspiro neste mundo sob a maldição do pecado.

Todos os dias durante esses quatro anos, eu testemunhei o  trabalho santificador e bem-aventurado de Deus em minha esposa:E não somente isto, mas também nos gloriamos nas próprias tribulações, sabendo que a tribulação produz perseverança; e a perseverança, experiência; e a experiência, esperança. Ora, a esperança não confunde, porque o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado” (Romanos 5.3-5).

Nanci e eu — e milhares ao redor do mundo — oramos diariamente por sua cura. A resposta final de Deus foi resgatá-la de seu sofrimento e trazê-la para sua presença que “é ainda muito melhor” (Filipenses 1.23). Por meio de suas aflições, ele alcançou nela um peso de glória eterno que, de longe, supera a todos eles (2 Coríntios 4.17). Ela louvou a Jesus por isso, e eu farei o mesmo para sempre, embora sinta sua falta imensamente. 

Por que Deus permite o que Ele faz

Quando nosso ministério postou as palavras de Nanci, “Meu câncer é servo de Deus”, alguém respondeu, “O QUÊ? Deus NÃO faz com que as pessoas tenham câncer. Jesus suportou nossas enfermidades e carregou nossas dores na cruz”.

“Tudo que Deus faz flui de sua sabedoria e serve a sua santidade e amor, no fim das contas.”

Aquele leitor não está sozinho ao tentar distanciar Deus da ideia de sofrimento. Mas, ao dizer que a enfermidade só vem pelo Diabo e pela queda, não de Deus, nós desconectamos Deus e seus propósitos profundos de nosso sofrimento. Deus é soberano. Ele nunca permite ou usa o mal de forma arbitrária; tudo que ele faz flui de sua sabedoria e serve a sua santidade e amor, no fim das contas.”

Joni Eareckson Tada frequentemente compartilha as palavras de seu amigo Steve Estes: “Deus permite o que ele odeia para alcançar o que ele ama”. Deus “permitir” algo é uma fala muito mais forte do que pode parecer. Afinal de contas, o que Deus permite, realmente acontece; o que ele não permite, não acontece.                                                                                     No último capítulo de Jó, Deus revela que a família e os amigos de Jó “se condoeram dele, e o consolaram de todo o mal que o Senhor lhe havia enviado” (Jó 42.11). O autor nos conta, desde o início, que os problemas que Jó enfrentava eram ideias e ações de Satanás. No entanto, a Palavra inspirada indica que os esforços de Satanás foram, indiretamente, por permissão soberana, obra de Deus. Muitos acham essa verdade perturbadora, mas devidamente compreendida, ela deveria ser reconfortante. O que seria profundamente perturbador é a noção de que Deus permanece passivo enquanto Satanás, malfeitores, doenças e acidentes aleatórios arruínam a vida de seus filhos amados.

Charles Spurgeon sofreu muito por depressão, gota, reumatismo, neurites e uma inflamação renal ardente. Ainda assim, ele disse: “Seria uma experiência muito aguçada e tentadora para mim pensar que sofro de uma aflição que Deus nunca me enviou … que minhas provações nunca foram medidas por ele, nem enviadas a mim por sua disposição de peso e quantidade”.

A misericórdia supera as dificuldades

Nanci e eu experimentamos muitos vislumbres dos propósitos soberanos de Deus por anos antes de seu diagnóstico de câncer. Vimos que o fato de eu ter me tornado um diabético, dependente de insulina há 35 anos, era o plano de Deus para aumentar minha dependência nele. E vimos, há 30 anos, que uma ação judicial de 8,2 milhões de dólares por parte de uma clínica de aborto era sua maneira de me fazer deixar de pastorear uma igreja que amávamos para começar um ministério que chega mais longe do que jamais imaginaríamos. 

As mãos de Deus não estavam atadas pela minha propensão genética para o diabetes tipo 1 (o resultado da queda), ou pela vingança dos assassinos de crianças (o resultado do pecado humano e da estratégia demoníaca). Ele não se limitou a “fazer o melhor das más situações”. Ele pegou situações ruins e as usou para sua glória e nosso bem maior. Sua graça soberana superou de longe nossas dificuldades.

Se isso não for verdade, qualquer um que estivesse enfrentando uma doença terminal teria que acreditar que tem má sorte, e que Deus ou não é tão poderoso ou não é tão amoroso quando diz ser. Pais que perderam um filho teriam que acreditar que a morte é um acidente sem sentido, que não teria acontecido se o filho não estivesse naquele lugar, naquela hora, ou se aquele homem não estivesse dirigindo bêbado, ou milhares de outras circunstâncias tivessem sido diferentes. 

“Se somentes” e “e ses” podem controlar nossas vidas e nos levar à loucura. Ao invés disso, aceitar os planos elevados de Deus — mesmo que eles sejam invisíveis para nós em momentos de dor e em eventos trágicos —  confirmam sua grandiosidade. E isso não é fatalismo. 

É sobre confiar no caráter e nas promessas do nosso Deus, que é fiel e grande em sabedoria.

Meu amigo David O’Brien me contou, com sua voz arrastada e extenuante, que Deus usou sua paralisia cerebral para que ele depositasse sua dependência em Cristo. Ele estava melhor assim? Ele viveu convencido de que seus 81 anos de sofrimento não foram um acidente cósmico ou uma vitória de Satanás, mas sim parte da grande misericórdia vinda da mão do Deus todo poderoso. 

Razões fora do alcance da nossa visão

Pela graça de Deus, Nanci fixou sua atenção nos atributos dele. Somente oito meses desde que começou sua jornada contra o câncer, ela escreveu,

Eu, honestamente, não trocaria essa experiência com o câncer para voltar para o estado como estava. Esses últimos meses têm sido usados por Deus para me impulsionar a um entendimento e experiências mais profundas com sua soberania, sabedoria, amor inabalável, misericórdia, graça, fidelidade, imanência, lealdade e onipotência.

Salmos 119.71 diz, “Foi-me bom ter eu passado pela aflição, para que aprendesse os teus decretos”. Se a aflição foi algo bom para o salmista, então retê-la teria significado reter o próprio Deus. O universo é, antes de tudo, sobre os propósitos, planos e a glória de Deus. Deus vê propósitos e planos eternos e conhece o bem final de formas que nós não conseguimos.

Nosso soberano Deus tece milhões de detalhes em nossas vidas. Ele pode ter um grande motivo, ou mil pequenos, para trazer a uma certa pessoa sucesso ou fracasso, doença ou algum acidente. Suas razões, muitas vezes, ficam fora de nosso atual campo de visão. Se Deus usa o câncer ou um acidente de carro para nos conformar a ele mesmo, então independentemente das forças humanas, demoníacas ou naturais envolvidas, Ele será glorificado.

“Deus está trabalhando por trás das cortinas, e um dia entenderemos os propósitos ocultos do nosso sofrimento.”

“Tu és o grande, o poderoso Deus, cujo nome é o Senhor dos Exércitos, grande em conselho e magnífico em obras” (Jeremias 32.1819). Deus está trabalhando por trás das cortinas, e um dia entenderemos os propósitos ocultos do nosso sofrimento.

Você verá o que ela viu?

Sem dúvida alguma, assim como eu vi tão claramente, mesmo quando minhas lágrimas transbordavam, o câncer serviu aos propósitos de Deus na vida de Nanci. Eu disse em seu funeral: “A coisa mais visível sobre Nanci, em seus anos com câncer, foi sua maravilhosa e grandiosa visão sobre Deus, que ela alimentou a partir das Escrituras e de grandes livros. Quanto mais ela contemplava o amor, a graça e a soberania de Deus, mais crescia sua confiança nele”.

Então eu disse a nossa família, amigos e membros da igreja reunidos – muitos deles enfrentando suas próprias provações dolorosas – o que eu sentia Deus me dizendo: “Essa enorme, bela e transformadora visão de Deus também é para você”. Então, por que não passar o resto de sua vida em busca dela?”

Por: Randy Alcorn. © Desiring God Foundation.Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: Can Cancer Be God’s Servant? -What I Saw In My Wife’s Last Years. Traduzido por Luise Massa Santos. Revisado por Renata Gandolfo. Editor: Vinicius Lima.