O trilema de Paulo

Um poderoso argumento apologético

Sempre que faço uma afirmação séria, há duas — e somente duas — alternativas quanto à natureza do que falo, e apenas uma delas está correta: ou o que falo é verdadeiro, ou o que falo é falso. Caso a minha afirmação seja falsa, há duas — e somente duas — alternativas quanto à minha relação com a falsidade, e apenas uma delas é correta: ou a propago ciente de que é falsa (o que me torna um enganador), ou a propago sem ter ciência de que ela é falsa (o que me torna um enganado). Portanto, ao fazer uma afirmação séria, eu necessariamente devo ser encaixado em uma destas três categorias: (1) verdadeiro, (2) enganador ou (3) enganado. Cabe ao meu interlocutor avaliar a qual dessas categorias pertenço. Qualquer asserção séria que eu faça deixa a pessoa a quem me dirijo em um trilema — ela tem três opções diante de si, mas deve escolher somente uma.

Se, por exemplo, eu dissesse a você que, na semana passada, um extraterrestre apareceu na minha sala e conversou comigo por telepatia, você dificilmente creria que estou dizendo a verdade (confio muito na sensatez dos leitores do Voltemos ao Evangelho). Você acharia que ou estou propositalmente tentando ludibriá-lo, ou que talvez eu tenha tido uma alucinação ou sonho que creio sinceramente ser verdadeiro.

 

O trilema de Jesus

Um dos mais conhecidos e populares argumentos em favor da veracidade do cristianismo toma como base esse trilema em que nos achamos todas as vezes em que uma afirmação séria nos chega ao ouvido. Um judeu do primeiro século chamado Jesus afirmou algo extraordinário a respeito de si mesmo: que era o Deus eterno e verdadeiro. Temos, assim, três possibilidades quanto a Jesus, e devemos escolher apenas uma delas: ou ele era um enganador consciente, ou estava sinceramente enganado, ou era, de fato, Deus. Esse é o famoso trilema de Jesus.

Embora C. S. Lewis não tenha sido o primeiro a articular o trilema de Jesus, foi, por certo, o principal responsável por popularizá-lo. Em uma de suas obras mais influentes, Cristianismo Puro e Simples, Lewis afirma:

 

De duas uma, ou ele [Jesus] seria um lunático — do nível de alguém que afirmasse ser um ovo frito — ou então seria o diabo em pessoa. Faça a sua escolha. Ou esse homem era, e é, o Filho de Deus; ou então um louco ou algo pior. Você pode descartá-lo como sendo um tolo ou pode cuspir nele e matá-lo como a um demônio; ou, então, pode cair de joelhos a seus pés e chamá-lo de Senhor e Deus. Mas não me venha com essa conversa mole de ele ter sido um grande mestre de moral, pois ele não nos deu essa alternativa e nem tinha essa pretensão.[1]

 

Apesar de amplamente difundido, o trilema de Jesus tem sofrido severas críticas. De fato, esse argumento só possui algum valor para aquelas pessoas que já creem (1) que os relatos dos Evangelhos a respeito de Jesus são fidedignos e (2) que, segundo esses registros, Jesus alegou ser Deus, embora elas não acreditem que Jesus estivesse correto ao afirmar a sua divindade — um público bastante restrito, convenhamos. No entanto, o trilema de Jesus é de pouca ou nenhuma valia quando nos deparamos com pessoas que, mesmo crendo na exatidão histórica do relato dos Evangelhos, não aceitam que Jesus tenha se declarado Deus (as testemunhas de Jeová, por exemplo); ou quando interagimos com pessoas que não creem na confiabilidade histórica dos Evangelhos (os teólogos liberais, por exemplo), de acordo com quem o Jesus histórico (isto é, o Jesus que realmente existiu) era bem diferente daquele apresentado pelos evangelistas. O Jesus dos Evangelhos seria meramente uma lenda.

Para sermos justos com Lewis, ele deixa claro que, ao postular o trilema de Jesus, dirigiu- tão-somente àquele público hiper-restrito composto pelas pessoas que já aceitam que os Evangelhos são historicamente confiáveis e, ao mesmo tempo, que reconhecem que Jesus tenha se declarado Deus, ainda que não aceitem essa alegação de Cristo. No entanto, visto que, com frequência, muitos cristãos têm extrapolado os limites extraordinariamente reduzidos do argumento de Lewis e empregado o trilema de Jesus como, talvez, a maior evidência da veracidade da fé cristã, ele acabou por se tornar quase que completamente ineficaz e inócuo.

 

O trilema de Paulo

Contudo, se, por um lado, o trilema de Jesus — seja pela sua aplicabilidade ínfima, seja pela sua extrapolação indevida — acaba não sendo uma ferramenta apologética adequada, há, por outro lado, um trilema que constitui um argumento poderosíssimo na defesa do cristianismo: o trilema de Paulo.

Em sua vida pregressa, aquele que viria a se tornar o apóstolo dos gentios fora um ferrenho perseguidor dos cristãos. Porém, a sua vida mudou drasticamente depois que ele teve, segundo relata em suas cartas, um encontro pessoal com o Cristo ressurreto. O mesmo homem que se orgulhava de perseguir os cristãos tornou-se, de uma hora para outra, um dos maiores — senão o maior — propagador da fé cristã do primeiro século e, por certo, a mais influente figura da história do cristianismo.

A afirmação de Paulo é extraordinária: Jesus, depois de ressurreto, lhe apareceu, deu-lhe uma mensagem e lhe ordenou que a propagasse aos gentios. Eis as suas próprias palavras:

 

[…] Cristo morreu pelos nossos pecados […], foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. E apareceu a Cefas e, depois, aos doze. Depois, foi visto por mais de quinhentos irmãos […]. Depois, foi visto por Tiago, mais tarde, por todos os apóstolos e, afinal, depois de todos, foi visto também por mim […]. (1Co 15.3-8)

 

Faço-vos, porém, saber, irmãos, que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem, porque eu não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo. Porque ouvistes qual foi o meu proceder outrora no judaísmo, como sobremaneira perseguia eu a igreja de Deus e a devastava. E, na minha nação, quanto ao judaísmo, avantajava-me a muitos da minha idade, sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais. Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça, aprouve revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse entre os gentios, sem detença, não consultei carne e sangue, nem subi a Jerusalém para os que já eram apóstolos antes de mim […]. (Gl 1.11-17)

 

Uau! Que declarações formidáveis… e difíceis de aceitar. Não é muito mais plausível e razoável que Paulo, a fim de manter os supostos benefícios que auferia do ministério, estivesse mentindo deliberadamente para os seus leitores, mais ou menos como fazem muitos propagadores do evangelho da prosperidade hoje em dia? Não é a coisa mais mundana e corriqueira que pessoas inventem as mais estapafúrdias mentiras, simplesmente para conseguirem fama, reputação, dinheiro ou qualquer tipo de benefício? Esse não poderia ser o caso de Paulo? Não é, aliás, muito mais crível que esse tenha sido o exato caso de Paulo? Afinal, não é todos os dias que vemos alguém ressuscitando…

De forma similar, será que não seria muito mais verossímil que Paulo, ao asseverar que tinha visto o Cristo ressurreto, por mais bem intencionado que fosse, estivesse sinceramente enganado? Já que, como ele mesmo reconhece, vivia à caça dos seguidores de Jesus, completamente comprometido com o projeto de acabar com o ensino cristão de que Jesus, o Messias, havia ressuscitado, ele não estaria propenso a sonhar com Jesus ou a ter uma alucinação com aquele em quem ele, aparentemente, pensava o tempo inteiro (ainda que esses pensamentos não fossem os mais santos)?

Temos, assim, três opções diante da alegação de Paulo: (1) ou ele estava mentindo conscientemente, (2) ou estava honestamente enganado, (3) ou estava falando a verdade. E, como verificaremos nos próximos artigos, se ele estava falando a verdade, isso muda literalmente tudo em nossas vidas, assim como mudou tudo na vida de Paulo. Estamos diante de um trilema, ao qual, porém, não podemos nos mostrar indiferentes. Se o apóstolo estava falando a verdade, ele foi testemunha do evento mais extraordinário e importante da história, um evento, contudo, que não é apenas formidável em si mesmo, mas que possui profundas implicações para nós.

O trilema de Paulo, ao contrário do trilema de Jesus, constitui um argumento apologético relevante em nossa interação com não cristãos, visto que não existe virtualmente pessoa alguma — nem mesmo o mais cético dos opositores da fé cristã — que defenda que Paulo seja uma lenda ou que não sejamos capazes de conhecer o Paulo histórico e real em suas epístolas não disputadas (Romanos, 1 Coríntios, 2 Coríntios, Gálatas, Filipenses, 1 Tessalonicenses, Filemom), embora haja incrédulos que, como vimos, questionam o retrato de Jesus que os Evangelhos pintam. Da mesma forma, não há ninguém que sustente que Paulo nunca tenha alegado que viu o Cristo ressurreto, mas há muitas pessoas que creem que Jesus nunca afirmou a sua divindade. Assim, o trilema de Paulo faz muito mais sentido do que o trilema de Jesus. Comparando essas duas vias apologéticas, John Piper afirma:

 

[…] quanto a Paulo, temos um trilema real. Paulo era ou (1) uma fraude, que sabia que a sua mensagem era falsa, mas usava a religião com alguma motivação ulterior (mentiroso); ou (2) iludido (num par com lunático [referência ao trilema de Jesus]); ou (3) um porta-voz autorizado e verdadeiro do Senhor ressurreto, Jesus Cristo.[2]

 

Nos próximos artigos desta série, exploraremos o trilema de Paulo com mais profundidade, buscando demonstrar por que era impossível que o apóstolo fosse um enganador astutamente consciente ou um enganado sinceramente equivocado. Verificaremos que os escritos de Paulo deixam claro que ele só podia estar falando a verdade — o Jesus ressurreto, de fato, lhe apareceu em carne e osso, confiou-lhe uma mensagem e ordenou que ele a pregasse a todos os povos. Esse Jesus ressurreto que causou uma verdadeira revolução na vida de Paulo causará também uma revolução na nossa, uma vez que creiamos no testemunho daquele para quem ele apareceu.

[1] C. S. Lewis, Cristianismo Puro e Simples (Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017), p. 55-56.

[2] John Piper, Why I Love The Apostle Paul: 30 Reasons (Wheaton: Crossway, 2019), p. 11.

Por: André Soares. © Voltemos Ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Revisor e Editor: Vinicius Lima.