Conheça o criador da terra média

A magia na história de Tolkien

Tolkien, filme biográfico do diretor finlandês Dome Karukosi, foca no início da vida do famoso autor J. R. R. Tolkien. As cenas se intercalam, cronologicamente o filme começa com o final de sua infância na vila idílica de Sarahole e termina com seus anos na graduação em Oxford e com suas experiências como um oficial recém-comissionado no horror e lama da Batalha do Somme. 

Depois de ler muitas resenhas depreciativas, eu estava preparado para um mix de frustração e desapontamento, mas, ao invés disso, eu descobri que eu gostei muito mais de Tolkien do que eu esperava. 

Histórias que nos acompanham

É sabido que quando se trata da Terra Média não existe meio-termo. Ou os leitores são grandes admiradores de O Hobbit e O Senhor dos Anéis ou não gostam muito deles. Provavelmente, aqueles que os admiram já leram várias, talvez até inúmeras, resenhas como esta, por isso não vou gastar  muito tempo falando do que é terreno comum. 

Qualquer um que esteja procurando um resumo extenso do enredo, uma avaliação completa dos elementos cinematográficos ou um relato detalhado da precisão histórica do filme pode, facilmente, encontrar essas informações em outro lugar. Minha breve conclusão é que os elementos cinematográficos em Tolkien são muito impressionantes – particularmente o elenco, a atuação e a ambientação do período histórico – e que o filme é, em sua maioria, historicamente exato, embora esse tipo de filme seja normalmente feito  para capturar a verdade emocional dos eventos e não os fatos reais. Por exemplo, no filme vemos Tolkien prestes a ser enviado para a França momentos depois que ele e Edith estão reunidos. Enquanto isso é ótimo para a narrativa cinematográfica, na realidade eles estavam reunidos há três anos e casados há dois meses, antes de ele ser enviado para a batalha.

Tolkien previu esses embelezamentos. No capítulo três de O Hobbit, o narrador aponta: “Coisas que são boas para se ter e dias que são bons para serem vividos são logo contados, mas não há muito para se ouvir”. Algumas boas vidas não são dignas de serem assistidas na tela do cinema, e, ainda assim, as pessoas tendem a pensar que autores de ficção particularmente interessante também devem ter levado vidas particularmente interessantes. Se a vida de Tolkien não era exatamente o material de que são feitos os filmes de Hollywood, em que está o apelo de um filme que se propõe a retratá-la? Embora haja um grande número de possíveis respostas, eu sugeriria que a melhor tem a ver com a qualidade única da ficção de Tolkien.

Daniel Taylor escreveu que existem certas histórias especiais que “nos recebem ao nascer, nos acompanham ao longo das etapas da vida e nos preparam para a morte”, dando certo padrão à “experiência senão caótica, tornando-a memorável e significativa”. Para inúmeros leitores, O Senhor dos Anéis é esse tipo de história, por isso ver os primeiros anos do autor trazidos amorosamente à vida será um deleite raro para eles. Para outros, Tolkien pode servir apenas como uma homenagem comovente à forma como a arte – seja ela ficção, poesia, música ou pintura – tem o poder, como nos é dito no filme, de mudar o mundo. E, é claro, o poder de mudar a vida de uma pessoa.

A ausência gritante

No filme, é notável o quanto foi perdido sobre a fé cristã de Tolkien e ela foi esquecida de um jeito específico — não como uma peça de um quebra cabeça ou uma fatia tirada de um bolo, mas como um elemento que é, ou teria sido, parte de tudo. 

Nós conhecemos o padre católico que se tornou o tutor de Tolkien, mas nunca nos é dada a indicação de que Tolkien tinha sua própria fé — aquela que era uma profunda fonte de conforto nas trincheiras e, mais tarde, um fator crucial em sua escrita. O filme tenta mostrar outros elementos que participaram da formação do um dos autores mais amados do mundo — o encantamento de Tolkien pela linguagem durante toda sua vida, a curta convivência com seus amigos na Tea Club and Barrovian Society e a devoção de Tolkien ao seu primeiro e único amor romântico. Entretanto, nós nunca vemos a devoção que mais tarde o levaria a falar a um correspondente em busca de fatos realmente significativos sobre ele, “Eu sou cristão (o que pode ser deduzido de minhas histórias)”.

No início de O Senhor dos Anéis, Gilbor diz a Frodo, “A coragem é encontrada em lugares improváveis”. Tolkien é repleto de momentos de coragem, do tipo que se encontra em campos de batalha, assim como a que é encontrada no viver de uma vida ordinária. Fica claro que os criadores de Tolkien abordaram seu tema com muita afeição, entendimento e reverência. Apesar deles terem extraído o coração do homem, nós que temos olhos para ver ainda podemos nos beneficiar com o filme. 

Um outro ponto importante deve ser ressaltado. De uma forma que não faz jus ao processo criativo, os produtores se esforçam para nos mostrar as alucinações de Tolkien que envolvem monstros, dragões que respiram fogo e guerreiros a cavalo que aparecem no campo de batalha, bem como um soldado chamado Sam que cuida do jovem Lieutenant – como se essa fosse a forma que os autores têm suas ideias.

Em Sarehole, nós quase esperamos uma festa de aniversário debaixo de uma grande árvore ou mais tarde, quando as balas e os projéteis começam a voar, que ouçamos alguém repetir as palavras de Gandalf para Frodo: “Muitos que vivem merecem morrer. E alguns dos que morrem merecem viver. Você pode dar isso a eles? Então não esteja muito ansioso para lidar com a morte no julgamento”.

Uma magia que é maior do que o luto

Em A Sociedade do Anel, enquanto os membros da missão chegam nas fronteira de Lothlorien, seu guia, um elfo chamado Haldir, observa que apesar do mundo ser cheio de perigos e lugares escuros, “Ainda há muito do que é justo, e mesmo que agora o amor esteja, em todas as terras, misturado com a dor, ele cresce, talvez, ainda mais”.

Enquanto viajamos pelos nossos próprios lugares escuros, temos bom ânimo sabendo que assim como velas brilham mais no escuro e fogueiras esquentam mais em noites frias — os raios do amor atravessam de forma mais bela pelas sombras da dor. “Entristecidos, mas sempre alegres”, disse o apóstolo (2 Coríntios 6.10) e se alegrando ainda mais calorosamente por causa das dificuldades, replica o cristão. Nosso riso vem de poços mais profundos – poços que Tolkien retratou bem.

Em Tolkien, nós vemos seu mundo caído em uma mistura de amor e dor, alegria e tristeza. Companheirismo, sacrifício, perda e sofrimento, riso e tristeza tomam lugar aqui, onde dragões não habitam. Ainda assim, mesmo sem golpes de espadas de Morgul ou perambulando por Nazgul, aqui o amor também cresce para além da dor e se torna o maior entre eles.

Por: Jon Bloom. © Desiring God Foundation. Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: Do You Love Your Country? © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Tradutor: Laura Denário. Revisor: Renata Gandolfo. Editor: Vinicius Lima.