Pastores, ovelhas, tuítes e posts para lá e para cá

Quem está reivindicando sua energia hoje em dia – os seguidores ou o rebanho?

“Vivemos em uma era dividida” é tão evidentemente verdadeiro que, francamente, é chato de se escrever. Abundam as teorias sobre como chegamos aqui; o que é indiscutível é que estamos aqui. É notável que o clima de praticamente todas as conversas e debates, por mais triviais que sejam, está muito quente.

E o pior de tudo, o parágrafo anterior não descreve apenas o mundo – ele descreve muitas igrejas. Em vez de brilhar em contraste com a máquina de indignação perpétua, muitos de nós estamos ocupados demais nos conformando com este século (Romanos 12.2).

Como, então, os crentes podem forjar uma unidade significativa em um tempo de divisões? Parece improvável que tuitemos nossa saída do problema. Então, qual é o caminho a seguir?

Mundo de solavancos

Como o autor Yuval Levin observou em A time to build, a função das instituições na vida moderna mudou bastante, indo de formativa para performática – de habitats de crescimento para plataformas de expressão pessoal.  Entre em uma universidade secular, por exemplo, e você pode sair mais mimado do que formado. Essa dinâmica performativa não se limita às faculdades, mas também infecta as igrejas locais.

Longe estão os dias em que os frequentadores de igrejas americanas procuravam seus pastores primeiro (ou talvez até segundo ou terceiro) em busca de ajuda para navegar em um cenário cultural carregado. Hoje em dia, são os especialistas – seja no noticiário a cabo, no rádio ou na rede social – cujas vozes são mais formativas. Em um nível, isso é compreensível. Pastores não são onicompetentes. Eles não são especialistas em tudo, nem mesmo na maioria das coisas. Assim, quando se trata de eventos atuais, os cristãos devem (em certo sentido) esperar menos de seus pastores.

Todavia, a tendência maior é preocupante. Quando a igreja se torna apenas mais uma arena para performar – seja por meio de uma “posição de liderança” ou simplesmente mantendo as aparências – em vez de uma família na qual se é moldado, ela deixa de ocupar o centro gravitacional da vida de alguém. Não é de admirar que as prioridades saiam da órbita, nem que as pessoas exijam que seus pastores afirmem e ecoem publicamente suas opiniões estabelecidas sobre assuntos discutíveis. Já ouvi inúmeras histórias de alguém deixando sua igreja por causa da política. O que ainda não ouvi é alguém deixando a política por causa da igreja.

Uma razão pela qual as igrejas têm perdido a batalha de formar corações é que os cristãos que visitam, participam e aparecem para adorar domingo após domingo são bombardeados pela tempestade dos discursos digitais. Eles estão mancando, exaustos, distraídos e confusos.

Não mais levados pelo vento

Esse é precisamente o porquê da unidade congregacional ser tão essencial. Unidade não é apenas um sentimento ou algo opcional para a vida cristã. Ela é algo pelo qual Jesus orou, sangrou e morreu (João 17.22). Apenas considere a lógica do apóstolo Paulo em Efésios 4. O ascendido rei Jesus deu o dom dos pastores para equipar as igrejas para o ministério (versos 8-12). Assim como o ministério edifica o corpo (verso 13), a unidade resultante destrói tudo o que o ameaça (verso 14). Em outras palavras, o ministério gera unidade e unidade gera estabilidade. Assim, o propósito da unidade é claro: “Para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro” (verso 14)

Vivendo em um tempo turbulento? Trabalhe por unidade. Isso terá um efeito estabilizador.

Mas como, na prática, nós fazemos isso na igreja local? Como protegemos um ao outro de sermos atingidos pelas furiosas correntezas da mídia moderna? Aqui estão duas sugestões:

1. Tire o pó de seus documentos

Uma boa declaração de fé, usada propriamente, é uma mina de ouro para a unidade da igreja. Isso vale também para uma aliança de membresia. Esses documentos não devem ficar pegando pó em uma gaveta, nem confinados em um site. Eles devem ser usados, pois eles estão impregnados com um potencial forjador de unidade. Por quê? Eles fornecem um núcleo comum, permitindo que as igrejas mantenham as coisas principais no centro e ajudando a regular a temperatura de nossos debates. A pergunta de um milhão de dólares torna-se então se nossa declaração de fé fala sobre um determinado tópico. Sim, claramente? Então nós também iremos. Sim, mais ou menos? Então podemos. Não, de jeito nenhum? Então provavelmente não faremos. 

Na minha opinião, uma boa declaração não é nem tão exaustiva que que um cristão não discipulado não possa se unir à igreja, nem tão simples que haja pouco que a igreja realmente defenda. Mas nos recusamos a dividir sobre coisas que nunca concordamos em concordar.

Como um plantador de igreja, tive que pensar sobre desenvolver documentos que estabeleceriam barreiras bíblicas – enquanto reconhecia que nem todas as doutrinas são igualmente importantes ou claras. Em uma recente classe de membros, alguém perguntou por que nós não assumíamos uma posição mais clara sobre o fim dos tempos. É uma boa pergunta. Eu expliquei brevemente a ideia da triagem teológica – existem as doutrinas que ocupam o primeiro lugar do pódio, as quais devemos concordar para sermos cristão, as doutrinas que estão em segundo lugar, as quais devemos concordar para pertencermos à mesma igreja e as doutrinas que estão em terceiro lugar, as quais podemos discordar e continuarmos fazendo parte da mesma igreja.

Ainda que várias igrejas proclamadoras do evangelho classifiquem doutrinas de segundo e terceiro lugar de formas diferentes, o sistema classificatório em si é uma ferramenta muito útil. Ao codificar apenas certas doutrinas (declaração de fé) e promessas (aliança), uma igreja cristaliza o que os membros devem concordar – e onde há espaço para discordar. Isso gera confiança no essencial e liberdade em tudo o mais. Isso não quer dizer que um pastor deva evitar assuntos discutíveis em sua pregação – conforme ele anuncia “todo o desígnio de Deus” (Atos 20.27) muitos desses assuntos surgirão. É simplesmente para dizer que uma igreja não pode obrigar a consciência dos membros sobre questões em que (de acordo com a igreja, conforme refletido em seus documentos) Deus não falou claramente.

É contraintuitivo, mas verdadeiro: uma maneira de preservar a sã doutrina é deixar amplo espaço para a liberdade cristã. Caso contrário, as igrejas podem facilmente sucumbir ao legalismo exigindo um acordo sobre questões de terceiro nível. Mas, ao diminuir as barreiras sobre assuntos discutíveis, aumentamos as barreiras sobre os não-discutíveis. Ou, para mudar a metáfora, diminuindo nossa voz coletiva em questões em que a Escritura não é clara – digamos, uma proposta política específica – podemos elevar nossa voz em questões em que ela é. É por isso que a liberdade de consciência é tão crítica em uma era de indignação. Como observou Mark Dever, deixar espaço para desacordo (em muitos outros assuntos além da clareza do evangelho) é, em parte, o que mantém o evangelho claro. Quando carecemos de uma compreensão clara da liberdade cristã e do espaço para a consciência, seremos tentados a nos ater mais ao evangelho — isto é, a um acordo sobre uma ampla variedade de questões.

Não subestime o valor prático de documentos da igreja. Eles são seus amigos; incorpore-os à vida da sua igreja. Confesse coletivamente partes de sua declaração de fé aos domingos. Ensaie as promessas do pacto ao convocar uma reunião de membros ou celebrar a Ceia do Senhor. Cite os documentos em aplicações de sermões. Ao fazer isso, você criará unidade em torno do que foi acordado – e evitará a divisão em torno do que não foi.

2. Tenha uma mesa

Outra maneira de promover a unidade da igreja, sem falar na sanidade, é trocar a linha do tempo do Twitter por uma mesa. Quero dizer isso literalmente. Quantas horas por semana você normalmente gasta navegando nas mídias sociais? (Estatisticamente, provavelmente é mais do que você pensa). Em comparação, quanto tempo você gasta conversando com outros membros da igreja durante as refeições? (Estatisticamente, pode ser menos do que você pensa). Se o primeiro número supera o segundo, considere isso como uma luz vermelha acesa no painel da sua alma. A proximidade pode nem sempre gerar unidade, mas a distância certamente não o fará. É mais difícil ressentir-se de alguém quando você está pedindo para que ele lhe passe o sal.

Cristão, você é espiritualmente responsável pelos membros da sua igreja, não por estranhos na internet. Mesmo assim, quem está recebendo sua energia nos últimos dias? – os membros ou estranhos? Do mesmo modo, se você é um pastor, lembre-se de que, no juízo final, você prestará contas sobre seu rebanho, não sobre seus seguidores (Hebreus 13.17). Quem está reivindicando sua energia hoje em dia – os seguidores ou o rebanho?

Insubstituível

Ministérios de tecnologia e paraeclesiásticos são um presente, mas eles não são substitutos para a igreja local. Ancore sua identidade lá, amigo, pois somente na comunhão dos santos você encontrará refúgio em meio às tempestades. Em um mundo de opções infindáveis, a igreja deixa nossos compromissos claros. Em um mundo de enorme complexidade, a igreja torna o nosso dever simples. Em um mundo de divisão, a igreja se torna nossa unidade doce.

Esse é o meu povo, e eu sou deles.

Por: Matt Smethurst. © Desiring God Foundation. Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: Tweeted To and Fro © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Tradução: Lara Sayuri. Revisão: Renata Gandolfo. Editor: Vinicius Lima.