Discipulado por algoritmo

Para onde as big techs estão nos levando?

Eu e minha esposa nos perguntamos uma pergunta rotineira sobre tecnologia—e pode não ser o que você espera. Sim, perguntamos se o outro nos ouviu e pedimos para outro colocar o celular de lado um pouco durante o tempo de família. Nós, assim como a maioria das famílias na era digital, temos maneiras de incutir melhores hábitos tecnológicos em nossos lares. Mas a pergunta mais frequente que fazemos para o outro é, Você viu isso na internet?

Apesar desta ser uma pergunta estranha a se fazer, ela revela uma questão muito mais profunda com a tecnologia, uma que costumamos falhar em considerá-la em meio às preocupações sobre tempo de tela, limites para aplicativos e filtros de internet. A pergunta nos lembra que vivemos em um mundo de informações pessoalmente curado e habilmente elaborado, movido por algoritmos que frequentemente exercem uma influência significativa sobre nossas vidas e nossa perspectiva de questões sociais e éticas do nosso tempo. O mundo que você vê online é frequentemente bem diferente do que o que eu vejo, o que, por sua vez, dificulta que tratemos muitos dos problemas centrais do nosso tempo.

A tecnologia é neutra?

No ano passado, muitos Cristãos começaram a acordar para a realidade de que a tecnologia não é uma ferramenta neutra que podemos simplesmente escolher usar para o bem ou para o mau.

Das maneiras que a desinformação e teorias da conspiração alteram nossa percepção da verdade e realidade, até as drásticas exposições de grandes companhias de redes sociais sobre como seus produtos estão mudando nosso tecido social, ficou claro que a tecnologia não é simplesmente uma ferramenta; tecnologia é uma força que pode racialmente moldar nossas vidas, frequentemente nos empurrando em direção para fins específicos que se chocam com os objetivos da vida Cristã.

Tome, por exemplo, as maneiras como essas ferramentas nos instigam a comentar a respeito de cada notícia ou evento cultural no momento em que eles ocorrem. Somos encorajados (e frequentemente bem mais do que encorajados) a imediatamente compartilhar nossa opinião, frequentemente sem contexto ou conhecimento de uma questão em particular. Ao invés de cultivar sabedoria e autocontrole (Tiago 1.19), a tecnologia frequentemente nos impele a reações instintivas, pontos de discussão partidários e apelos a nossas tribos, tudo isto conforme construímos e customizamos nossas identidades virtuais.

Esses objetivos e fins  tecnológicos podem ser observados nos escritos do sociólogo e teólogo protestante francês Jacques Ellul (1912–1994), no qual ele descreve a tecnologia como um movimento que agarra firme a humanidade e transforma tudo no nome da eficácia (The Technological Society, p. 80). Percebemos esse movimento em direção ao técnico e impulso em direção a eficácia nas maneiras como somos constantemente encorajados a ver a tecnologia apenas como algo que torna nossas vidas mais fáceis, aumentando nossa produtividade e facilitando nossas habilidades para formar conexões com outros online.

Quase tudo na vida é tocado pela tecnologia. E porque ela tem se tornado tão onipresente, estamos perdendo nossa habilidade de pensar criticamente sobre o seu papel em nossas vidas. Frequentemente falhamos em perceber como essas ferramentas, especialmente algoritmos, estão moldando nossa visão de mundo, incluindo como enxergamos a nós mesmos e o próximo.

Catecismo Algorítmico

Uma das formas mais prevalentes de tecnologia que sutilmente altera como enxergamos o mundo à nossa volta, incluindo o próximo, é a inteligência artificial (IA), ou o que é popularmente chamado de o algoritmo. Embora algoritmos básicos são um conjunto de instruções codificadas, IA é um termo mais abrangente que engloba sistemas dinâmicos que permitem que uma máquina se adapte ao longo do caminho através do uso de algoritmos altamente sofisticados e aprendizado mecânico. Frequentemente em conversa, IA soa mais como um elemento no enredo de um filme de ficção científica do que o motor de aparelhos comuns de plataformas de redes sociais que usamos todos os dias, às vezes durante a maior parte do dia.

Quer percebamos ou não, os algoritmos estão discipulando cada um de nós de formas muito particulares—ao curar as notícias que vemos, as coisas que compramos, o entretenimento que aproveitamos, as vezes funcionando de formas que parecem quase humanas—todas alimentando o senso de que esse mundo é em última análise sobre você. Embora IA pode parecer inofensivo à primeira vista, ela também pode ter efeitos devastadores no nosso relacionamento com Deus, nosso cônjuge, colegas de quarto, membros de nossa igreja local e nossas comunidades mais amplas à medida em que optamos por eficácia ao invés de sabedoria, e pelo virtual ao invés do corporificado. 

Pressuposto e assimilado

Ao longo do ano passado vimos inúmeros apelos a tomar as rédeas das “Big Techs”, um termo focado na influência desproporcional de certas companhias de tecnologia como Facebook da Meta, Amazon, Twitter, Google entre outras. Em ambos os lados da política, um esforço direcionado começou a alterar como essas companhias fazem negócios e em quanta influência elas têm sobre a praça pública digital.

Por trás de muitos desses apelos a uma regulação está o entendimento de que essas companhias, incluindo seus algoritmos, nos moldam negativamente como sociedade ou censuram certos pontos de vista para aumentar suas margens de lucro. Embora esses problemas sejam obviamente complexos (e Cristãos vão discordar quanto a natureza e limites de várias propostas), uma realidade é cada vez mais compreendida: a tecnologia frequentemente pressuposta e assimilada, ao invés de questionada e examinada, em nossas vidas. Precisamos dar uma boa olhada nessas ferramentas e buscar navegá-las com sabedoria bíblica e discernimento.

Uma das ferramentas mais eficazes usadas para nos manter constantemente conectados e online nos dias de hoje é o algoritmo. Ele fornece um mundo perfeitamente curado e personalizado para nós cada vez que acessamos ou olhamos o feed de nossas redes sociais. Muitos de nós fomos fisgados por esses sistemas que criam essas experiências online complexas e curadas para nos manter engajados e constantemente conectados. Embora essas experiências personalizadas sejam benéficas até certo ponto em termos de conveniência, elas também correm o risco de nos isolar uns dos outros e exacerbar ainda mais as divisões marcantes que enfrentamos em toda a sociedade.

Vontade impulsiva de conferir

Você conhece aquela sensação incômoda ou vontade impulsiva de conferir seu celular uma última vez antes de fechar os olhos para dormir? Ou a vontade aparentemente mecânica de conferir o que perdeu durante a noite antes mesmo do seus pés encostarem no chão?

Em nossa era digital, também sentimos regularmente uma vontade de conferir esses aparelhos até mesmo sem notificação alguma ou sinal de que possamos ter perdido alguma coisa. De “síndrome da vibração fantasma”, quando sentimos como se nosso aparelho estivesse vibrando mesmo sem estar, a chegar em inclinação a enxergar tudo à nossa volta como uma atualização de status em potencial, estamos sendo profundamente moldados pela tecnologia todos os dias.

Esse ponto é apropriadamente ilustrado no documentário da Netflix, O dilema das redes, onde um especialista entrevistado afirma que a questão não é se você confere o Twitter de manhã depois de acordar, mas se você confere antes ou enquanto usa o banheiro toda manhã. Fomos condicionados a conferir nossos aparelhos sem descanso e muitos de nós tem dificuldade para simplesmente desconectar. Na era digital, é muito fácil começar a enxergar os outros como meras engrenagens em uma máquina gigante ao invés de indivíduos e almas corporificadas com agência moral e responsabilidade.

Como a tecnologia está moldando você?

Embora a tecnologia tenha benefícios óbvios e possa ser subordinada para amarmos a Deus e ao próximo (Mateus 22:37–39), tem se tornado cada vez mais difícil dar um passo atrás e avaliar essas ferramentas com clareza ética e discernimento bíblico.

Em meio ao bem da tecnologia, Cristãos precisam reconhecer as maneiras em que os algoritmos estão constantemente expandindo nosso horizonte moral ao abrir opções que nunca pensamos serem possíveis e permitindo nossos corações pecadores a usarem essas tecnologias para explorar os outros, manipular a verdade e atiçar divisão. Embora vícios ordinários como raiva, ganância, luxúria e arrogância não sejam novos, eles ainda assim são exacerbados em um primeiro mundo digital onde temos novas oportunidades de satisfazê-los e, por sua vez, abusar dessas tecnologias de maneiras que tratamos nosso próximo como nada mais do que um meio para um fim.

Uma das tendências perigosas é a deslocação de nossa responsabilidade moral com os outros com essas ferramentas ao recusarmos reconhecermos nossos papéis, não apenas em seus desenvolvimentos, mas também em como as usamos. A sabedoria nos chama a avaliar o design e o objetivo das ferramentas com as quais interagimos diariamente por causa das maneiras profundas que estamos sendo moldados e formados a cada uso.

Verdadeira mudança não virá até que admitamos que essas tecnologias não surgiram, e não operam, em um vácuo moral neutro — mas dentro de um ambiente penetrante de pecado e um desejo de toda a sociedade por completa autonomia moral e pessoal. Embora haja alguma verdade na visão de que a tecnologia media muito de nossa experiência online, nós simplesmente não podemos abdicar de nossa responsabilidade moral e culpar somente essa tecnologias pela ascensão das fake news, polarização e outras mazelas sociais, sem reconhecermos que essas ferramentas funcionam como combustível de avião derramado em uma sociedade já em chamas com pecado egoísta e orgulho.

Dois passos para frente

O que devemos fazer nessa era de influência algorítmica? Primeiro, conhecimento pode ser metade da batalha. Frequentemente nós simplesmente falhamos em entender como essas ferramentas estão nos moldando e como elas estão nos condicionando em direção aos seus objetivos finais de maior engajamento e tempo gasto colados aos nossos aparelhos. Ter uma visão bíblica da tecnologia pode ajudar a treinar novamente nossas mentes a questionar esses avanços antes de simplesmente pressupor que eles sempre irão se alinhar aos nossos valores e objetivos para vida.

Há uma crescente biblioteca de recursos para auxiliá-lo nessa batalha de autores clássicos como Jacques Ellul, George Grant e Neil Postman a pensadores contemporâneos tais como Andy Crouch, O. Alan Noble, Jeffrey Bilbro, John Dyer e Tony Reinke. Embora cada um engaje com esses problemas com perspectivas diferentes, cada um deles pode nos ajudar a expandirmos como pensamos sobre o papel da tecnologia em nossas vidas como também em como usamos a tecnologia de maneira sábia e responsável.

Segundo, ao reconhecermos como estamos sendo formados, podemos buscar enfrentar essa transformação através do cultivo de hábitos com a tecnologia que sejam realistas e saudáveis. A tecnologia não irá desaparecer e afirmações ousadas de nos livrarmos dessas ferramentas podem não ser a solução mais eficaz a longo prazo. Como Paulo nos lembra em Efésios 4.17–24, a vida cristã envolve mais do que abandonar velhos hábitos; ela também envolve adquirir novos hábitos direcionados a nos tornar mais parecidos com Cristo.

Esses hábitos variam de família para família e de pessoa para pessoa, mas o objetivo é moldar nossa mente e coração para nos tornarmos mais parecidos com Cristo, que é a própria sabedoria de Deus (1 Coríntios 1.24). Uma lista que sirva para todos pode parecer eficaz a curto prazo, mas ela não leva em consideração as diferentes personalidades e níveis de maturidade. Nosso objetivo é nos tornarmos mais sábios e maduros, não apenas melhores cumpridores de regras.

Algoritmos não governam

Ser treinado em sabedoria pode significar limitar telas, desligar recomendações de algoritmos e notificações, tirar sabáticos regularmente dos aplicativos de redes sociais ou até mesmo remover algumas das distrações digitais de nossas vidas—por um tempo ou completamente. Sabedoria pode significar práticas diferentes para pessoas diferentes, mas em uma era como a nossa, ela sempre significará foco e restrição.

Embora seja verdade que as tecnologias algorítmicas tenham o poder de não apenas responder ao nosso comportamento, mas de modificá-lo, nos condicionando a agir de maneiras preocupantes em graus cada vez maiores, nós não somos peões impotentes e nosso comportamento online não é uma conclusão renunciada, não importa quão sutil e poderosamente os algoritmos possam se tornar.

Sob Deus, seres humanos podem escolher desenvolver essas ferramentas e podemos escolher como usá-las—ou não. De fato, a maior questão para os Cristãos nessa era algorítmica—dado que sabemos a natureza do nosso pecado e a nossa vulnerabilidade a tentação—não é se essas ferramentas estão nos moldando, mas, ao invés disso, se essas tecnologias estão nos transformando a sermos mais parecidos com Cristo ou se estamos sendo discipulados em conformidade a esse mundo (Romanos 12.2).

Por: Jason Thacker. © Desiring God Foundation.Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: Discipled By Algorithms: Where Is ‘big Tech’ Leading You? Traduzido por Alex Motta. Revisão por Renata Gandolfo. Editor: Vinicius Lima.