A ansiedade e suas consequências

Anseios exacerbados pelo futuro interrompem nosso presente

Às vezes, mesmo sabendo que algo está errado, podemos demorar um pouco para enxergar o lado feio da coisa. Por exemplo, ligar o gerador do lado de fora da varanda, em uma tempestade, pode parecer a princípio uma boa ideia, no entanto, as dores de cabeça decorrentes do envenenamento por monóxido de carbono logo nos dirão o contrário. Como qualquer outra coisa sobre a qual a Bíblia nos adverte, a ansiedade tem também alguns efeitos muito perigosos. A palavra do Novo Testamento para ansiedade, merimna, é também traduzida como “cuidado” ou “preocupação”. Pelo fato de a ansiedade ser real e predominante no mundo, seu impacto também é. A ansiedade pode vir de cenários imaginários, problemas reais e presentes, ela traz uma sensação de destruição iminente; assim, o que se percebe é que uma vida de permanente ansiedade torna impossível amar a Deus e ao próximo como deveríamos. Independentemente da causa ou fonte, a ansiedade interrompe a vida em vários níveis.

EFEITOS FÍSICOS

Há uma razão para a pergunta de Jesus: “Qual de vós, por ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso de sua vida?” (Mt. 6:27). Todos sabemos que a ansiedade não é a chave para uma saudável longevidade. Sentir medo, desânimo e perder o sono é apenas o começo. Embora condições como dor crônica, deficiência ou doenças prolongadas possam de fato gerar ansiedade, as coisas podem também acontecer no sentido inverso. Ansiedade crônica pode criar dor, distúrbios e outros problemas físicos decorrentes de uma condição física anormal. A adrenalina e o cortisol são essenciais para o funcionamento do nosso corpo, Deus nos deu essas substâncias por uma boa razão. Um aumento desses hormônios nos dá condições de enfrentar situações estressantes por meio de uma fisiologia alterada: nosso pulso acelera, nossa respiração acelera e os vasos sanguíneos se expandem, fornecendo mais oxigênio a nosso cérebro, focalizando assim a nossa concentração. No entanto, quando esses mesmos hormônios fluem por nosso sistema com muita frequência ou por muito tempo isso pode resultar em uma série de doenças.

Os cientistas, cada vez mais, estão encontrando conexões entre ansiedade e efeitos físicos negativos. Estudos revelam que a ansiedade pode levar a doenças cardíacas em adultos saudáveis e que estresse emocional crônico e ansiedade estão ligados a predisposições a uma série de problemas no sistema digestivo, desde refluxo ácido até síndrome do intestino irritável e câncer. A situação se torna ainda mais preocupante com a idade, afinal os idosos são mais propensos a apresentar comorbidades que acabam acelerando doenças físicas relacionadas à ansiedade. O volume de pesquisas sobre o tema tem crescido. “Morrer de preocupação” pode ser um perigo mais real do que pensávamos.

EFEITOS RELACIONAIS

A ansiedade tem efeitos demonstráveis e mensuráveis em nosso corpo. No entanto, a raiz do problema está frequentemente em nossa mente e espírito. Por esse motivo, não podemos esperar que nossos relacionamentos não sejam afetados de alguma maneira. Os efeitos relacionados à ansiedade também são prejudiciais. Clinicamente, a ansiedade está ligada à dificuldade com memória de curto prazo, concentração, desempenho verbal e espacial, atenção à leitura e muitas outras condições. Não é de admirar, portanto, que isso dificulte a socialização.

Entretanto, as dificuldades vão além dos aspectos funcionais. Sabemos como é difícil visitar uma pessoa realmente ansiosa. Se a conversa consegue engrenar, ela tende a se concentrar no superficial ou nos arrasta para o mundo de preocupações obscuras onde nosso interlocutor vive. Uma idosa que eu conhecia costumava, durante as visitas, não apenas recitar litanias de terríveis acidentes e diagnósticos como também listar as possíveis duras providências a serem tomadas devido aos medos que ela tinha do futuro. Alheia aos efeitos disso, parecia que essa senhora abria a larga porta para os pensamentos sombrios. Sim, ela havia enfrentado uma dor real em sua vida, mas era sua ansiedade sobre o futuro que impedia uma proximidade relacional verdadeira com outras pessoas.

A ansiedade de fato nos transforma, ela acaba se tornando nós mesmos, ela assume a identidade de nossos problemas. Dessa forma, nos encolhemos em nós mesmos, sobrecarregados por fardos que não fomos feitos para carregar, fardos que nos arrastam e esbarram em outras pessoas à medida que caminhamos. Jeannie Marie Guyon disse a um amigo: “A melancolia contrai e murcha o coração […] amplia e dá uma falsa coloração aos objetos. Dessa maneira, torna teus fardos pesados demais para suportar”. A ansiedade acaba colorindo nossa visão de mundo com uma lente pecaminosamente negativa. Vê-se, de maneira clara, que esses tipos de efeitos dificultarão a socialização e os relacionamentos saudáveis.

Todavia, os efeitos vão além da socialização. Em seu hino de oração Father, I Know That All My Life [Pai, eu sei durante toda a minha vida], Anna Waring pede “um coração livre de si mesma, para que possa acalmar e se solidarizar”. A ansiedade nos rouba essa oportunidade. Retorcidos em nós mesmos, não estamos à vontade em relação a nossa própria vida. Em vez disso, somos consumidos por nossos pensamentos e preocupações e, portanto, somos afastados de oportunidades reais ao nosso redor. A ansiedade, assim, rouba-nos as relações sociais, mas não apenas isso, rouba também a capacidade e a oportunidade de servir. Ela nos rouba as conexões espirituais que fluem da comunhão e do serviço mútuo. O isolamento relacional que vem da ansiedade não é por acaso, essa é uma das táticas de Satanás. Afinal, um crente sem relacionamentos próximos e envolvimento comunitário é um alvo fácil para dúvidas e desespero. Convém também salientar que os efeitos relacionais e espirituais da ansiedade estão intimamente ligados.

EFEITOS ESPIRITUAIS

De fato, o impacto da ansiedade realmente começa e termina na alma. Se a ansiedade afeta nossos relacionamentos humanos, como não poderia afetar nosso relacionamento com Deus? Geralmente, a ansiedade acontece quando duvidamos ou perdemos de vista a sabedoria e a bondade de Deus. Ao invés de se assemelharem a uma criança desmamada no colo de sua mãe, nossas almas estão agitadas, à procura de grandes coisas, preocupadas com coisas que estão além de nós (Sl. 131:2). Não somos capazes, assim, de descansar na providência. Isso é particularmente verdadeiro quando estamos ansiosos por coisas que não aconteceram.

Elisabeth Elliot nos lembra que Deus promete graça não para a nossa imaginação, mas apenas para a realidade. Ele nos promete que Suas misericórdias se renovarão a cada manhã, não que elas serão renovadas para todas as nossas preocupações. É bom recorrer, mais uma vez, à canção de Waring, assim diz um trecho: “Há sarças cercando todos os caminhos, elas nos convocam a cuidar dos doentes, há uma cruz em cada terreno e uma fervorosa necessidade de oração; mas um coração humilde que se apoia em ti é feliz em qualquer lugar”. Certamente, reconhecer os perigos espirituais da ansiedade não é negar que existem coisas difíceis e assustadoras neste mundo. No entanto, como Guyon adverte: “É mais fácil um exterior triste repelir do que atrair a piedade. É necessário servir a Deus com certa alegria de espírito, com liberdade e disponibilidade, que torne manifesto que seu jugo é suave”.

Esse é o âmago da questão, não é? Na maioria das vezes, estamos ansiosos porque não acreditamos ou não percebemos que nosso Pastor é bom. Às vezes a escuridão pressiona e é realmente uma batalha espiritual acreditar que Deus é bom o tempo todo. Às vezes sentimos que a verdade é uma esperança distante. É por isso que a ansiedade tem um efeito tão perigoso em nossas almas. Ela nos faz duvidar do Pai, duvidamos daquele que nem mesmo o Seu único Filho poupou. A ansiedade dá ouvidos à mentira. Mentiras que até soam às vezes estrondosas e astutamente invasivas, mas que são mentiras mesmo assim. No entanto, quando estamos ansiosos acabamos difundindo essas mentiras, pois levamos conosco o nome de Cristo na igreja e no mundo enquanto nos comportamos como se Ele não fosse onipotente, onisciente, onipresente e bom. A ansiedade tenta extrair a verdade e, onde isso acontece, as mentiras se alinham para entrar. As mais devastadoras são as mentiras sobre o caráter e as promessas de Deus, pois elas procuram criar dúvidas sobre Aquele que é nosso único Ajudador.

A ansiedade e as mentiras que a acompanham nos separam de Deus. Talvez seja por isso que Elaine Townsend escreveu: “Senhor, ensina-me a nunca ficar ansiosa, ao invés disso, me ensina a compartilhar contigo meu coração, e muito obrigada pela paz concedida enquanto compartilho contigo”.

CONCLUSÃO

Algo tão destrutivo para nossos corpos, mentes e almas deve ser devidamente combatido. Algo que tem o potencial de nos distanciar de Deus, de nossas comunidades e de uma boa saúde não pode ser realmente justificado, pode? Não temos desculpa para dar ocasião ou espaço à ansiedade. Nenhuma razão é justificativa para isso. Muitas vezes valorizamos as preocupações tal como valorizamos o discernimento, chegamos até mesmo a igualar as preocupações ao amor e à oração. Porém, o fruto do discernimento, do amor e da oração é ação piedosa e confiança. Eles geram um fruto que dá vida. Entretanto, o fruto da ansiedade mata em níveis variados, não a justifiquemos, portanto. As apostas são muito altas, é necessário combatê-las. Tal combate não será breve nem mesmo óbvio, pode envolver a ajuda de pastores, médicos e outros profissionais, mas desistir desse bom combate não pode ser uma opção para os filhos de Deus.

Por:  Rebecca VanDoodewaard. © Ligonier Ministries. Website: ligonier.org. Traduzido com permissão. Fonte: Os efeitos da ansiedadeTraduzido e Revisado por Zípora Dias Vieira. Editor: Vinicius Lima.