Dispensacionalismo ou Aliancismo?

A promessa e o progresso da salvação em Cristo no decorrer das Escrituras

Nota do Editor: A posição apresentada e defendida neste artigo não representa, necessariamente, a posição do Voltemos ao Evangelho e Ministério Fiel. A escolha da publicação deste artigo se dá ao fato de considerarmos seu conteúdo como uma grande contribuição para este assunto ainda tão debatido na teologia cristã.


RESUMO: Dispensacionalismo ou Aliancismo? Desde o início da Igreja, os cristãos têm lutado sobre a melhor forma de relacionar as alianças. Nas gerações recentes, duas grandes tradições governaram o pensamento sobre isso na Igreja. Ao buscar “juntar as alianças” na teologia cristã, precisamos fazer justiça à pluralidade das alianças de Deus, cada uma das quais alcança seu cumprimento em Cristo; postulando uma Aliança da Criação implícita como fundamental para as alianças futuras; e considerando seriamente a novidade do povo da Nova Aliança de Deus. Da criação à cruz, Deus cumpre seu plano redentor, aliança por aliança, revelando progressivamente a Nova Aliança maior agora ratificada em Cristo.

Todos os cristãos concordam que as alianças são essenciais para a história redentora da Bíblia, cujo centro é nosso Senhor Jesus Cristo. Entretanto, continuamos a discordar sobre as relações entre essas alianças. Este não é um novo debate. Na Igreja primitiva, os apóstolos lutaram com as implicações da obra da Nova Aliança de Cristo. De fato, muitos dos desafios enfrentados pela Igreja primitiva só podem ser compreendidos quando vistos como debates relacionados às alianças. Por exemplo, a razão para o Concílio de Jerusalém foi devido a debates sobre isso (Atos 15), especialmente sobre as relações entre judeus e gentios (Atos 10–11; Efésios 2.11–22; 3.1–13) e diferenças teológicas com os judaizantes. (Gálatas 3–4).

Embora os cristãos de hoje compartilhem um acordo básico de que a história da Bíblia se move de Adão a Abraão, do Sinai até Cristo, ainda discordamos sobre como juntar as alianças.[1] Essas diferenças afetam outras questões teológicas importantes, como a novidade do que Cristo realizou, como os Dez Mandamentos e as leis do sábado se aplicam à Igreja e como as promessas do Antigo Testamento agora são cumpridas em Cristo e na Igreja (uma questão relacionada à uma maior relação Israel-Igreja). Quando essas diferenças vêm à tona, descobrimos que ainda existem divergências significativas sobre como as alianças são feitas.

Este artigo aborda o tópico de como juntar as alianças, e o faz respondendo a três perguntas: (1) Por que discordamos? (2) Como resolvemos nossas diferenças? (3) Como podemos juntar as alianças de uma forma que não venha a distorcer os dados e ênfases das Escrituras?

Por que discordamos?

Por que muitos de nós que afirmamos a plena autoridade das Escrituras discordamos sobre verdades significativas? A resposta é complicada e multifacetada. Para começar, as visões teológicas não estão simplesmente ligadas a um ou dois textos. Em vez disso, as visões envolvem discussões sobre como os textos são interpretados em seu contexto, inter-relacionados com outros textos e lidos em termos das Escrituras como um todo.

Além disso, as visões estão ligadas à Teologia Histórica e à tradição. Não abordamos as Escrituras com uma lousa em branco; somos informados pela tradição e por uma herança teológica, que afeta como tiramos conclusões teológicas. Dentro da teologia evangélica, duas grandes tradições geralmente governam nosso pensamento sobre as alianças: o Dispensacionalismo e a Teologia da Aliança.

O Dispensacionalismo começou na Inglaterra do século XIX e passou por várias revisões. No entanto, o que é único em todas as suas formas é a distinção Israel-Igreja, e isso depende de uma compreensão particular das alianças. Para os dispensacionalistas, Israel se refere a um povo étnico e nacional, e a Igreja nunca é o Israel escatológico transformado no plano de Deus. A salvação dos gentios não é parte do cumprimento das promessas feitas ao Israel nacional e agora realizadas na Igreja. Em vez disso, Deus prometeu à nação de Israel, primeiro na aliança abraâmica e depois reafirmada pelos profetas, a posse da terra prometida sob o governo de Cristo, que ainda aguarda seu cumprimento no retorno pré-milenar de Cristo e no Estado Eterno.

A Igreja, então, é distintamente nova no plano de Deus e ontologicamente diferente de Israel. Embora a Igreja seja atualmente composta por judeus e gentios crentes, ela está recebendo apenas as bênçãos espirituais que foram prometidas a Israel. No futuro, Cristo governará as nações redimidas, e não a Igreja em sua forma atual. A Igreja não receberá todas as promessas de Deus igualmente, plenamente e para sempre em Cristo. Em vez disso, judeus e gentios crentes, que agora constituem a Igreja, se juntarão aos redimidos da nação de Israel, junto com as nações gentias, para viver sob o governo de Cristo de acordo com suas respectivas identidades nacionais e as promessas específicas dadas a cada um. O Dispensacionalismo também ensina que a Igreja é constituída como uma comunidade regenerada, o que implica que o sinal do batismo deve ser aplicado apenas àqueles que professam a fé em Cristo.

A Teologia do Pacto [Aliancismo, ou Teologia da Aliança] começou formalmente na era da Reforma e pós-Reforma, e é melhor representada pela Confissão de Fé de Westminster e outras confissões reformadas. Ela organiza o plano de Deus na história por meio da aliança de Deus com os seres humanos. Embora a Teologia da Aliança não seja monolítica, aqueles que a defendem normalmente defendem três alianças: a Aliança Intratrinitária da Redenção; a Aliança temporal de Obras feitas com Adão em nome da humanidade, que, tragicamente, ele quebrou, resultando em pecado e morte; e a Aliança da Graça feita em Cristo para a salvação do povo de Deus, que se desenvolveu ao longo do tempo por meio de diferentes administrações da aliança.

Embora a Teologia do Pacto reconheça a pluralidade dos pactos, ela inclui todos os pactos pós-queda sob a categoria abrangente do pacto da graça. Como resultado, o relacionamento Israel-Igreja é visto em termos de continuidade – isto é, os dois por natureza são essencialmente os mesmos, mas administrados de forma diferente. Por esta razão, Israel e a Igreja são constituídos como um povo misto (eleitos e não eleitos), e seus respectivos sinais da aliança (circuncisão e batismo) significam a mesma realidade espiritual – daí porque o batismo pode ser aplicado aos bebês na Igreja.

Embora a Teologia do Pacto reconheça a pluralidade dos pactos, ela inclui todos os pactos pós-queda sob a categoria abrangente do pacto da graça. Como resultado, a relação entre Israel-Igreja é vista em termos de continuidade, ou seja, ambas são essencialmente as mesmas por natureza, mas são administradas de maneira diferente. Por essa razão, Israel e a Igreja são constituídos como um povo misto, composto por eleitos e não eleitos, e os seus respectivos sinais do pacto (circuncisão e batismo) simbolizam a mesma realidade espiritual. Isso explica por que o batismo pode ser aplicado a bebês na igreja.

Dado que tendemos a ler as Escrituras à luz de nossas tradições teológicas, não é surpreendente que as pessoas discordem sobre as alianças. Como, então, resolvemos nossas diferenças?

Como resolvemos nossas diferenças?

Sem parecer ingênuos, resolvemos nossas diferenças voltando às Escrituras. Sim, resolver nossas diferenças não é uma tarefa fácil; exigirá que examinemos nossos pontos de vista novamente. Mas dado ao Sola Scriptura, a Escritura deve sempre ser capaz de confirmar ou corrigir nossas tradições. Assim, a resolução para os desacordos sobre as alianças é esta: nossa composição das alianças é fiel à própria apresentação das Escrituras das alianças desde a Criação até Cristo? Isso levanta algumas questões hermenêuticas, especialmente o que significa falar da própria apresentação da Escritura, ou de seus próprios termos. Minha breve resposta é observar três verdades sobre o que a Escritura é em seus próprios termos, todas as quais são importantes para formar adequadamente as alianças.

Primeiro, a Escritura é a Palavra de Deus, escrita por autores humanos e revelando o plano eterno de Deus centrado em Cristo (2 Timóteo 3.15–17; 2 Pedro 1.20–21; Lucas 24.25–27; Hebreus 1.1–3). Apesar do conteúdo diversificado da Escritura, ela exibe uma unidade e coerência geral precisamente porque é a Palavra de Deus escrita.

Além disso, uma vez que as Escrituras são a Palavra de Deus transmitida por meio de autores humanos, não podemos compreender o que Deus nos diz sem considerar a escrita e a intenção desses autores humanos. E, dado que Deus falou por meio de múltiplos autores ao longo do tempo, isso requer uma leitura cuidadosa que leve em conta uma análise intertextual e canônica deste textos a fim de compreender os propósitos e planos de Deus. As Escrituras não foram reveladas de uma só vez.

À medida que o plano de Deus se desenrola, mais revelações são dadas — e revelações posteriores, construídas sobre as anteriores, resultam em mais entendimento à medida que descobrimos como as partes se encaixam no todo. A melhor visão das alianças explicará como todas as alianças estão organicamente relacionadas entre si e como cada aliança aponta profeticamente para Cristo e à Nova Aliança.

Em segundo lugar, com base no primeiro ponto, a Escritura não é apenas a Palavra de Deus escrita ao longo do tempo, mas o desdobramento da revelação é amplamente demarcado pelo desdobramento progressivo das alianças. Para entender o cânon, então, devemos traçar cuidadosamente o desdobramento do plano de Deus conforme revelado por meio das alianças. Nossa exegese de livros inteiros deve reunir o cânon em termos de seu desdobramento histórico-redentor, e a melhor visão das alianças explicará a natureza do desdobramento do plano de Deus por meio das alianças, começando na Criação e culminando em Cristo e na Nova Aliança.

Em terceiro lugar, dada a revelação progressiva, a Escritura e as alianças devem ser colocadas juntas de acordo com três contextos que se desdobram. O primeiro contexto é o contexto imediato de qualquer livro. O segundo contexto localiza o livro no plano revelador de Deus, porque os textos estão inseridos no contexto mais amplo do que os precede. O terceiro contexto é o contexto canônico. Ao localizar textos (e alianças) no plano de Deus em desenvolvimento, descobrimos ligações intertextuais entre revelações anteriores e posteriores. À medida que os autores posteriores se referem a textos (e alianças) anteriores, eles se baseiam nelas, tanto em termos de maior compreensão quanto pela identificação de relações tipológicas — padrões dados por Deus entre pessoas, eventos e instituições anteriores e posteriores. Esses padrões são uma maneira crucial de Deus desenvolver seu plano por meio das alianças para alcançar seu cumprimento em Cristo e na Nova Aliança. As conclusões teológicas, então, incluindo a formulação da aliança, são feitas à luz do cânon. A melhor visão das alianças explicará como cada aliança contribui para o plano de Deus, começando na criação e alcançando seu cumprimento em Cristo.

Existe uma maneira melhor?

Buscar um caminho “melhor” não é questionar a ortodoxia de pontos de vista alternativos. Apesar de nossas diferenças, concordamos muito mais do que discordamos, especialmente no que diz respeito às verdades centrais da teologia cristã. Em vez disso, falar de uma maneira “melhor” é afirmar que as duas tradições dominantes não estão muito certas em unir as alianças, o que resulta em várias diferenças teológicas entre nós. Neste artigo, não posso fornecer uma defesa detalhada da minha afirmação.[2] Em vez disso, apresento apenas três motivos pelos quais precisamos de uma análise mais completa da forma como as próprias Escrituras apresentam as alianças.

Alianças plurais cumpridas em Cristo

Em primeiro lugar, como afirma a Teologia do Pacto, os pactos são a forma central pela qual Deus desdobrou seu plano redentor. Mas, em vez de dividir a história em duas alianças históricas — a Aliança das Obras (uma aliança condicional da “lei”) e a Aliança da Graça (uma aliança incondicional do “evangelho”) — e então agrupar todas as alianças pós-queda (Noética, Abraâmica, Mosaica, Davídica e Nova) sob a categoria mais ampla da aliança da graça, a Escritura descreve o plano e as promessas de Deus como progressivamente reveladas e cumpridas por meio de uma pluralidade de alianças (Efésios 2.12), cada uma das quais atinge seu cumprimento em Cristo e na Nova Aliança. Essa formulação explica melhor como cada aliança bíblica contribui para o plano unificado de Deus sem incluir todas as alianças sob uma única aliança. Também explica melhor como todas as promessas de Deus são cumpridas em Cristo (Hebreus 1.1–3; Efésios 1.9–10) e aplicadas à Igreja, além de enfatizar a grande novidade da Nova Aliança.

O plano e as promessas de Deus são progressivamente reveladas e cumpridas por meio de uma pluralidade de alianças.

Essa formulação é melhor porque explica as alianças primeiro em categorias bíblicas e não teológicas, de acordo com a apresentação das alianças nas Escrituras. Afinal, não há garantia textual específica para o Pacto da Graça; é mais uma categoria teológica. As categorias teológicas são boas, mas devem ser fiéis às Escrituras. Em contraste, há muita garantia bíblica para o plano de Deus revelado por meio de alianças plurais (ver, por exemplo, Efésios 2.12; Romanos 9.4). Sem dúvida, a estrutura bi-pactual da Teologia do Pacto fundamenta as categorias teológicas de “lei” e “evangelho” e destaca bem os dois cabeças da aliança com a humanidade: Adão e Cristo. No entanto, esta não é a única maneira de fundamentar essas verdades teológicas, e a principal fraqueza da Teologia do Pacto é que ela fundamenta essas verdades por uma construção pactual estranha à Escritura.

Além disso, há pouca garantia para a ratificação de duas alianças distintas em Gênesis 1–3 , primeiro em Gênesis 2.15–17 e depois em Gênesis 3.15 (como afirma a Teologia da Aliança). Em vez disso, é melhor ver Gênesis 3.15 como a graciosa promessa pós-queda de Deus de que, apesar do pecado e da rebelião de Adão, o propósito de Deus para os humanos permanecerá e que, da humanidade, Deus graciosamente fornecerá um Redentor para desfazer o que Adão fez. Assim, de Gênesis 3.15 em diante — e por meio das alianças — vemos o desdobramento da revelação da Nova Aliança.

Além disso, leitores cuidadosos das Escrituras devem evitar categorizar as alianças como condicionais/bilaterais (lei) ou incondicionais/unilaterais (evangelho), como a Teologia da Aliança tende a fazer. Em vez disso, a Escritura ensina que cada aliança contém ambos os elementos, mas com uma distinção clara entre a aliança na criação antes e depois da queda. Assim, o que foi exigido de Adão antes da Queda não é confundido com a promessa de redenção de Deus após a Queda, e a promessa cristológica de Gênesis 3.15 é descompactada nas alianças, revelando que a redenção é sempre e somente em Cristo. Na verdade, é por causa dessa mistura de ambos os elementos que podemos explicar a tensão deliberada que é criada na história da aliança da Bíblia — uma tensão que aumenta à medida que o plano de Deus se desenrola e é resolvida apenas na perfeita vida e morte obediente de Cristo por nós.

Por um lado, as alianças revelam nosso Deus trino, que faz e cumpre suas promessas. Quando Deus inicia relacionamentos de aliança com suas criaturas, ele é sempre o parceiro fiel (Hebreus 6.17–18). Independentemente de nossa infidelidade, as promessas de Deus, começando em Gênesis 3.15, são certas. No entanto, Deus exige perfeita obediência de nós, explicando assim o aspecto bilateral das alianças. Mas à medida que as alianças progridem, cresce uma tensão entre a fidelidade de Deus às suas promessas e a nossa desobediência. Deus é santo e justo, mas nós pecamos contra ele. E devido a Gênesis 3.15, as promessas de Deus estão ligadas à provisão de um filho obediente que desfará a escolha desastrosa de Adão. Mas onde encontrar tal filho/semente, que obedece totalmente a Deus? Como Deus pode permanecer em relacionamento conosco a menos que nosso pecado seja removido? É por meio das alianças que essa tensão aumenta, e é por meio das alianças que a resposta é dada: o próprio Deus agirá unilateralmente para manter sua própria promessa pela provisão de um parceiro de aliança obediente — a saber, Cristo.

Somente Cristo pode garantir nossa salvação e somente nele as alianças são cumpridas.

Se mantivermos essa ênfase dupla nas alianças, podemos explicar como e por que em Cristo a Nova Aliança é inquebrantável, o que também ressalta o glorioso foco cristológico da Escritura. A história da aliança da Bíblia nos leva a ele. Somente Cristo pode garantir nossa salvação, e somente nele as alianças são cumpridas.

Como, então, as Escrituras apresentam as alianças? Não em termos de uma estrutura bi-pactual, mas como o único plano redentor de Deus desdobrado por meio de múltiplas alianças que revelam progressivamente a Nova Aliança maior. Por esta razão, não podemos simplesmente apelar para a “aliança da graça” e traçar linhas diretas de continuidade, especialmente no que diz respeito à circuncisão-batismo e à natureza mista de Israel-Igreja, sem pensar em como cada aliança funciona no plano geral de Deus, e como Cristo traz todas as alianças ao cumprimento nele, o que resulta em mudanças cruciais nas alianças, alcançando seu maior cumprimento na Nova Aliança.

Pacto da Criação como Fundação

Em segundo lugar, como na Teologia da Aliança (diferente do Dispensacionalismo), precisamos explicar por que as alianças são mais do que apenas um tema unificador da Escritura, mas a espinha dorsal do enredo redentor da Escritura, começando na Criação e culminando em Cristo. Embora o Dispensacionalismo reconheça a importância de Gênesis 1–11 para a história da Bíblia, “A ideia de uma aliança da criação . . . não tem função”.[3] Mas este é o problema. Há evidências abundantes para tal aliança, e seu significado para unir as alianças é duplo.[4]

Primeiro, a Aliança da Criação é fundamental para todas as alianças futuras, uma vez que todas as alianças subsequentes desvendam o papel de Adão no mundo como nosso cabeça representativo (Romanos 5.12–21; Hebreus 2:5–18). Adão e toda a humanidade foram criados como o filho à imagem de Deus para governar a Criação (Gênesis 1.26–28; Salmo 8). Adão foi criado para conhecer a Deus ao mediar o governo de Deus para o mundo. Deus exige obediência perfeita de seu parceiro de aliança, o que, infelizmente, ele falha em cumprir (Gênesis 2.16–17 ; cf. Gênesis 3.1–6). Mas Deus graciosamente promete que a semente de uma mulher virá (Gênesis 3.15), um Adão maior que reverterá os efeitos do pecado e da morte. Todos os cabeças subsequentes da aliança (Noé, Abraão, Israel, Davi) funcionam como subconjuntos de Adão, mas não são o Adão maior; em vez disso, eles apenas apontam para ele. Sem um Pacto da Criação como base, os pactos restantes ficam suspensos no ar.

Em segundo lugar, a Aliança da Criação é fundamental para estabelecer padrões tipológicos cruciais que atingem seu cumprimento em Cristo e na Nova Aliança – por exemplo, o descanso do sétimo dia (Gênesis 2.1–3) e o descanso da salvação em Cristo (Hebreus 3.7 – 4.13); O Éden como santuário do templo cumprido por Cristo como o Novo Templo (João 2.19–22); e Adão como profeta, sacerdote e rei cumprido em Cristo (Atos 2.36; 3.22–26; Hebreus 7). À medida que esses padrões tipológicos são revelados por meio das alianças, eles finalmente terminam em Cristo e sua Igreja.

Assim, para juntar as alianças de acordo com as Escrituras, devemos começar na Criação. Gênesis 1–11 é enquadrado pela Aliança da Criação de Deus feita primeiro com Adão e confirmada em Noé. Então, à medida que a promessa salvífica de Deus (Gênesis 3.15) recebe maior clareza por meio das alianças Abraâmica e Mosaica, ela chega ao clímax na promessa de um indivíduo, o Filho-Rei Davídico que governará o mundo para sempre (2 Samuel 7.14, 19). Nesta promessa de um filho, ouvimos não apenas ecos de Israel como filho de Deus (Êxodo 4.22), mas também ecos de Adão e da promessa inicial da Semente (Gênesis 3.15). O ponto central do plano da aliança de Deus é a restauração do papel da humanidade na Criação e, quando chegarmos a Davi, sabemos que isso ocorrerá por meio do Filho maior de Davi.

No entanto, Davi e seus filhos desobedecem, deixando assim as promessas de Deus em questão. Mas a mensagem dos Profetas é que, embora Israel tenha violado sua aliança, Deus manterá sua promessa de redimir por meio da provisão de um fiel Rei davídico (Salmos 2 ; 72; 110; Isaías 7.14; 9.6–7; 11.1–10; 49.1–7; 52.13–53.12; 55.3; 61.1–3; Jeremias 23.5–6; Ezequiel 34.23–24). Neste Rei, identificado como o “Servo do Senhor”, uma Nova/Eterna Aliança virá com o derramamento do Espírito (Ezequiel 36–37; Joel 2.28–32), o reinado salvador de Deus entre as nações, o perdão do pecado (Jeremias 31.34) e uma Nova Criação (Isaías 65.17). A esperança dos Profetas é encontrada na Nova Aliança.

Por esta razão, a Nova Aliança não é meramente uma renovação das anteriores, como ensina a Teologia da Aliança. Em vez disso, é o cumprimento das alianças anteriores e é, como tal, maior. Uma vez que todas as alianças fazem parte do único plano de Deus, nenhuma aliança está separada do que a precedeu, e nenhuma aliança faz sentido à parte de seu cumprimento em Cristo. Sem dúvida, o cumprimento da Nova Aliança envolve um aspecto já – ainda não. No entanto, o que as alianças anteriores revelaram, anteciparam e predisseram agora está aqui. É por isso que Jesus é o último Adão e o cabeça da Nova Criação (Romanos 5.12–21; 1 Coríntios 15.21–22); a verdadeira semente e descendência de Abraão, que traz bênçãos às nações (Gálatas 3.16); o verdadeiro Israel, cumprindo tudo o que ela falhou em ser (Mateus 2.15; João 15.1–6); e o filho maior de Davi, que governa as nações e toda a criação como Senhor.

A história da aliança da Bíblia começa na Criação, e juntar as alianças apropriadamente requer que comecemos com uma Aliança da Criação que se move para Cristo e o cumprimento de todo o plano e promessas de Deus na ratificação de uma Nova Aliança.

Nova e Maior Aliança

Em terceiro lugar, nossa composição das alianças também deve levar em conta a relação Israel-Igreja. No mínimo, a Escritura ensina duas verdades sobre essa relação que os teólogos devem explicar.

Primeiro, contra o Dispensacionalismo, a Escritura ensina que Deus tem um só povo e que a relação Israel-Igreja deve ser vista cristologicamente. A Igreja não é diretamente o novo Israel ou seu substituto. Em vez disso, em Cristo, a Igreja é o povo da Nova Aliança de Deus porque Jesus é o cumprimento antitipo de Adão e Israel, a verdadeira semente de Abraão que herda as promessas por sua obra (Gálatas 3.16). Como a Nova Criação/Humanidade de Deus, a Igreja permanece para sempre, composta de judeus e gentios crentes, que igualmente e plenamente recebem todas as promessas de Deus em Cristo, plenamente realizadas na Nova Criação (Romanos 4.13; Hebreus 11.10, 16). Como ensina Efésios 2.11-22, a Igreja não é a extensão de Israel, ou um amálgama de judeus e gentios, ou meramente uma fase no plano de Deus que termina quando Cristo retornar para restaurar a nação de Israel e as nações. Em vez disso, a Igreja é o povo da Nova Criação de Deus, a noiva de Cristo que dura para sempre (Apocalipse 21.1–4). O Dispensacionalismo e sua construção pactual não explicam suficientemente essas verdades.

Mas segundo, contra a Teologia da Aliança, a Igreja também é nova e constituída de forma diferente de Israel. A Teologia da Aliança observa corretamente que Israel, sob a antiga aliança, foi constituído como um povo misto (Romanos 9.6). No entanto, não explica suficientemente a novidade da Igreja. Ele falha em reconhecer que o que os profetas do Antigo Testamento previram está agora aqui em Cristo em sua Igreja – ou seja, que na Nova Aliança, todo o povo de Deus conhecerá a Deus, e todo crente nascerá capacitado, habitado pelo Espírito e receber o perdão total dos pecados (Jeremias 31.31–34).

A pessoa está em Cristo não pela circuncisão/batismo externo, mas pela obra do Espírito no renascimento e na concessão da fé salvadora.

Dada sua visão bi-pactual, a Teologia da Aliança falha em ver que o relacionamento entre Deus e seu povo mudou do primeiro pacto para o novo; não é por nascimento natural, mas por nascimento espiritual que entramos na Nova Aliança. Por esta razão, a Igreja é constituída não por “você e seus filhos biológicos”, mas por todos os que conhecem a Deus de maneira salvífica. Alguém está em Cristo não pela circuncisão/batismo externo, mas pela obra do Espírito no renascimento e na concessão da fé salvadora. Em contraste com Israel, a Igreja é constituída como um povo crente e regenerado. É por isso que o batismo no Novo Testamento — o sinal da Nova Aliança — é aplicado apenas àqueles que professam a fé e dão provas críveis de que não estão mais em Adão, mas em Cristo. Além disso, explica por que a circuncisão e o batismo não significam as mesmas realidades, devido às suas respectivas diferenças pactuais. Pensar que circuncisão e batismo significam a mesma realidade é um erro de categoria pactual.

Essa visão da Igreja é confirmada por outras verdades. Embora esperemos nossa glorificação, a Igreja agora é escatológica, pessoas reunidas que se identificam com a “era por vir”. Para aqueles que colocaram sua fé em Cristo, agora somos cidadãos da Nova/Celestial Jerusalém, não mais em Adão, mas em Cristo, com todos os benefícios dessa união (Hebreus 12.18–29). Além disso, a Igreja é uma nova Criação/Templo em quem o Espírito habita (1 Coríntios 6.19; Efésios 2.21), o que pode ser verdade apenas para um povo regenerado, ao contrário do antigo Israel. Sobre esses pontos, a Teologia do Pacto, devido à sua imprecisão na composição dos pactos, não explica suficientemente como todos os pactos alcançaram seu cumprimento em Cristo, resultando na novidade da Igreja.

Somente em Cristo

À medida que continuamos a discutir esses assuntos importantes, faríamos bem em não apenas procurar conformar nossos pontos de vista com a própria apresentação das Escrituras, mas ainda mais significativamente, gloriar-nos em Cristo Jesus, que é o centro de todos os planos e propósitos de Deus. Somente em Cristo, todas as promessas de Deus são “Sim e Amém” (2 Coríntios 1.20), e em nossos debates sobre a aliança nunca devemos esquecer esta verdade.

Em Cristo, o Filho divino tornou-se o filho humano prometido, a semente de Abraão, o verdadeiro Israel e o filho maior de Davi. Pela vida, morte, ressurreição e ascensão de Cristo, e pelo derramamento do Espírito no Pentecostes, ele paga por nosso pecado e nos refaz como sua Nova Criação. Em última análise, o ponto central das alianças é que, somente em Cristo, todas as promessas de Deus são cumpridas, o propósito original de nossa criação está agora cumprido e, pela graça, nós, como Igreja, somos os beneficiários de sua obra gloriosa e triunfante, agora e para sempre. Que esta gloriosa verdade una a Igreja de Cristo à medida que continuamos a lutar para saber como juntar as alianças de acordo com as Escrituras.

 


[1] Por “alianças”, estou me referindo às seis alianças associadas a Adão, Noé, Abraão, Israel, Davi e a Nova Aliança.

[2] Para tal defesa, veja Peter Gentry e Stephen Wellum, O reino de Deus por meio das alianças de Deus (Editora Vida Nova, 2021); Stephen Wellum e Brent Parker, Aliancismo Progressivo (Editora 371, 2020).

[3] Darrell Bock, Dispensacionalismo Progresivo (Editora Concílio, 2020).

[4] Sobre a evidência de um Pacto da Criação, veja Gentry e Wellum, O reino de Deus por meio das alianças de Deus (Editora Vida Nova, 2021).

Por: Sthepen J. Wellum. © Desiring God Foundation. Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: Dispensational or Covenantal? Tradução, revisão e edição por Vinicius Lima.