O meteoro das lacunas

As respostas "transcendentes" do naturalismo materialista

Nota do Editor: Veja neste artigo do Dr Kelson Mota que o naturalismo materialista sempre tem um meteoro para explicar o inexplicável, e ainda assim se defendem com a falácia “Deus das lacunas”.


 

Uma acusação muito antiga contra o teísmo cristão, que volta e meia vem à tona,  afirma que todas as tentativas do Cristianismo em acomodar os fatos científicos à sua cosmovisão não passam de um argumento do tipo “Deus das lacunas”. Essa falácia defende que para os crédulos, devido à falta de explicação científica, certos fenômenos, especialmente os com algum matiz transcendental, teria a Deus como única explicação possível, ignorando qualquer outra possibilidade racional. É a velha cantilena que os cristãos usam a palavra Deus para explicar todas as lacunas do conhecimento científico que preferem ignorar. Em defesa do cristianismo afirmo que todas as vezes que a cosmovisão cristã usou Deus para explicar alguma lacuna, sempre o fez em termos dos “porquês” e nunca dos “comos”. Quem criou o universo? A resposta correta é Deus. Quem é soberano sobre todas as coisas? O Senhor Deus, é claro. Para que o homem foi criado? Para amar a Deus e se alegrar em Sua presença para sempre. E assim por diante. Todas as lacunas quanto ao sentido último das coisas sempre terão o Senhor Deus como resposta suficiente. No entanto, se eu pergunto quais os mecanismos que levaram ao aparecimento da vida na terra, o teísmo cristão, mesmo sabendo que o responsável por esses mecanismos é o Senhor Deus, responderá: como a natureza é criação de um Deus inteligente, poderoso e sábio, ela é inteligível, então vamos estudar a criação e descobrir os mecanismo e princípios que mantêm os processos vitais. Não há nada de “Deus nas lacunas” aqui, apenas a boa e saudável ciência, cuja origem vem de Deus. Sendo a cosmovisão cristã a única cosmovisão coerente, consistente, abrangente e contingente que existe, sempre chegará às respostas racionais e coerentes com a realidade como se apresenta. O mesmo não pode ser dito das demais cosmovisões, em especial ao naturalismo materialista, com seu cientificismo ideológico capenga, que alardeia ser a única lente pela qual o mundo deve ser entendido. São nessas cosmovisões que o argumento do “deus nas lacunas” de fato ocorre, usando algo no lugar de Deus para explicar o inexplicável. Tomemos o problema da origem da vida, no âmbito da teoria da evolução química da vida (TEQ) e vejamos o que acontece quando não se aceita a evidência que este universo foi planejado e criado por um Ser Todo Poderoso e Inteligente.

A TEQ advoga que em um período de bilhões de anos uma série linear de processos químicos prebióticos, em complexidade crescente, gerou as estruturas químicas complexas fundamentais necessárias ao surgimento da vida. Não há um consenso sobre as muitas etapas na TEQ, mas há ao menos seis consideradas essenciais. Há um período de formação do planeta, árido, sem vida, dominado apenas por moléculas simples (H2O, NH3, N2, CH4, etc). Em seguida estas evoluem para a etapa de síntese prebiótica, com a formação de açúcares, nucleobases, aminoácidos, etc. Mais alguns milhões de anos e surgem as proto-sequências curtas, quase-replicantes, de nucleotídeos, fosfolipídeos, entre outras. Estas sequências também evoluem e formam sequências complexas autorreplicantes de nucleotídeos, aminoácidos, RNA, DNA, proteínas e as primeiras protocélulas. Em certo momento há um salto espetacular do inorgânico para o biológico, onde sequências complexas geram o último ancestral comum de todos os seres vivos, e organismos celulares completos e funcionais surgem. Em uma última etapa esses organismos celulares evoluem darwinianamente e dão origem à vida em toda sua diversidade. Parece fazer sentido quando contado desse jeito, o problema é que até hoje não se conseguiu provar nem explicar a estabilidade de cada etapa e a passagem de uma para outra, em ordem crescente de complexidade. São enormes lacunas que não podem ser preenchidas de forma lógica seguindo os mais básicos fundamentos da física, química e biologia. O que se faz em um caso sem solução? Ora se preenche as lacunas com uma explicação que, se não transcendente em sua natureza, ao menos transcendente quanto a sua origem planetária. Explico.

Parece surreal, mas há centenas e centenas de artigos científicos, publicados em revistas cientificas de alto impacto, dedicados a preencher essas lacunas com a queda de algum corpo celeste na terra. Há sempre um meteoro, ou cometa, ou poeira espacial, disponível para prover uma explicação rasa para o vazio entre as etapas. Por exemplo, em 1963, Gilvarry já sugeria que ondas de choque oriundos de meteoros atravessando a atmosfera terrestre podem ter sintetizado compostos orgânicos na terra primitiva. Em 1992, Chyba e Carl Sagan, publicaram um artigo onde estimavam em 10 trilhões de toneladas (!) a quantidade de carbono orgânico que caiu do espaço na terra, com o fim de explicar a origem dos compostos orgânicos nas etapas iniciais da TEQ. Mais recentemente, em 2014, Ruiz-Milano, em um cálculo mais modesto, publicou que há cerca de 100 bilhões de toneladas de matéria orgânica na biosfera atual cuja origem é extraterrestre, oriunda de cometas e meteoros, os quais tiveram papel significativo na evolução da vida. Os exemplos se multiplicam. Chyba, em 1993, defendeu que a origem da vida na terra foi devido a dezenas de violentos impactos de bólidos espaciais, tão grandes ou maiores que o Cometa Halley (!). Benner e colaboradores, em 2019, publicaram a tese que um planetoide, com 1,7% da massa da terra (!), caiu em nosso planeta e revestiu sua superfície com metais nobres capazes de catalisar as reações químicas das primeiras três etapas (por que essa tese? Porque boa parte dessas reações só ocorrem com catalisadores metálicos caríssimos e ultra-puros, que não existiam na superfície da Terra). O profundo mistério da origem dos açúcares, necessários para a formação do DNA e RNA, e que não poderiam ocorrer naturalmente na terra antiga, também é explicado por esse expediente: outro meteoro, dessa vez açucarado, como defendido por Furukawa, em 2019 (como ao entrar na atmosfera um meteoro pode alcançar facilmente 1500°C, o açúcar estaria mais para caramelo). Há uma lacuna sem explicação? Dá-lhe meteoro! O que descongelou a terra primitiva para o surgimento da vida? Meteoros (Bada, 1994). O que resfriou a terra para possibilitar algumas reações químicas prebióticas? Meteoros, claro (Kasting, 1990). De onde veio a água dos oceanos e as pequenas moléculas como o HCN? De cometas, naturalmente (Matthews, 2006). Yasuhiro Oba, em 2022, foi mais longe e defendeu que TODOS os compostos, simples e complexos, vieram de meteoritos e “contribuíram para o surgimento de propriedades genéticas para a vida primitiva na terra”. Houve quem chutasse o pau da barraca das lacunas da TEQ e defendesse que a vida não poderia ter evoluído na terra, mas que veio prontinha na forma de bactérias de um meteorito marciano (Nicholson em 2009, Flandern, em 2007, entre muitos outros). O curioso nesse caso é saber como um meteorito de marte (que é um planeta com orbita fixa) caiu na terra. A explicação é, ao meu ver, a epítome da falácia das lacunas: um grande meteoro (isso mesmo) caiu em Marte arrancando parte de sua superfície cheio de bactérias, que se transformou em um outro meteoro, e que veio em direção à terra (uma lacuna explicando outra lacuna). E por aí vai. Poderia listar outros 50 casos em que a explicação apresentada para as lacunas da TEQ são impactos de corpos celestes.

Por que essa fixação em impactos de corpos celestes? Porque a TEQ tem lacunas intransponíveis em seu arcabouço teórico, e porque é uma solução simples para um problema insolúvel. Se não há uma mente inteligente que criou todas as coisas, o que sobra são explicações que não fecham, fantásticas a ponto de exigir uma fé irracional dos seus defensores. O naturalismo encontrou nos meteoros uma solução quase transcendente. Algo “de fora” do sistema, capaz de emular qualquer explicação necessária. E sendo “de fora”, que nos “visitou” no passado, não é passível de comprovação experimental. É o meteoro das lacunas. Tire-o de cena e o enredo não fecha, insira-o e sempre será possível dar a sensação que as coisas fazem algum sentido. Desconfio que cedo ou tarde lerei um artigo defendendo que o leite que existe na terra veio de um meteoro, afinal estamos na via láctea. Leite não há de faltar.

 

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Autor: KELSON MOTA. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Revisão e Edição por Vinicius Lima.