Entenda melhor o livro de Levítico

Uma introdução ao livro de Levítico e sua linguagem

RESUMO: Como pode um Deus vivo e santo habitar em meio ao seu povo pecador em um mundo cheio de morte? O livro de Levítico responde essa pergunta, mas compreender sua mensagem exige aprender com paciência o idioma, a linguagem do sistema de sacrifício. Assim como qualquer outro idioma, o livro de Levítico possui uma gramática básica com substantivos, adjetivos e verbos nos quais contribuem para a mensagem geral do livro. Sobretudo nas cinco ofertas, vemos como Deus atrai um povo pecador e impuro para si e temos referências da única oferta para o qual todos sacrifícios apontavam. O Deus santo quer habitar, conhecer e cear em meio ao seu povo e o livro de Levítico dá ao leitor um entendimento mais profundo de como o Senhor se relaciona.

O comediante Brian Regan conta uma história engraçada sobre seus conflitos escolares quando ele era criança. Ele conta a respeito da humilhação pública no concurso de soletração e de sua dificuldade com a regra dos plurais: -ães, -ãos, -ões, -ais. Em um momento especificamente engraçado, Brian descreve as perguntas da professora para ele e para Erwin (o aluno mais inteligente da classe) sobre como fazer o plural.

Professora: Brian, como fazemos o plural de uma palavra?
Brian: Colocamos a letra -S no fim dela.
Professora: Erwin, qual é o plural de cão?
Erwin: Cães. O fazendeiro tinha cães.
Professora: Brian, qual é o plural de lampião?
Brian: Lampiães. Meu pai comprou dois lampiães.
Professora: Não, Brian! Erwin, qual é o plural de leão?
Erwin: Leões. Eu vi uma alcateia de leões.
Professora: Brian, qual é o plural de melão?
Brian: Melães. Eu vi muitos melães… Havia muitos deles… Muitos, muitos melães… Lá, nos matagões, nos matagãos, nos matagães

Evidentemente, a piada trata da ignorância de Brian. Mas, na verdade, ela demonstra a complexidade e a dificuldade da língua portuguesa (o gringo que já aprendeu português como segundo idioma pode confirmar). Como falante nativo do idioma, nem sempre pensamos nessa dificuldade e complexidade porque estamos bem acostumados com ela. Fazemos parte do idioma, usamos o idioma, portanto (geralmente) parece ser compreensível para nós.

Para muitos leitores, o livro de Levítico nos deixa confusos. Achamos os sacrifícios, as regras e as normas complexas e confusas. Para nós, Levítico é igual a um idioma estrangeiro. Confunde-nos porque não estamos acostumados com ele. Como Brian Regan fazendo os plurais, as complexidades enganam e confundem.[1]

A linguagem de Levítico

Pensar no livro de Levítico como uma linguagem ou um idioma pode ajudar a desmistificá-lo. Pense no que consiste um idioma. Primeiro, temos um alfabeto. Organizamos as letras do alfabeto para formar palavras. Existem categorias de palavras — substantivos, verbos, adjetivos, preposições e advérbios. Organizamos as palavras em frases com sentido e significado. Alteramos as palavras acrescentando ou subtraindo letras no começo ou no final para fazer o plural ou falarmos do pretérito ou do futuro, ou comunicar uma ação já concluída ou não.

Aliás, em português, para formar frases, temos que colocar as palavras da maneira certa. “Bill chuta a bola” significa algo bem diferente de “A bola chuta Bill.” Organizar as palavras corretamente é necessário para expressar com clareza.

O sistema de sacrifício é parecido. Em vez de substantivos, verbos e adjetivos, temos indivíduos, lugares, pecados, animais, partes do corpo de animais, ações; e são organizados e reunidos de várias formas para expressar algo, para se comunicar.

O sistema de sacrifício se parece com o aprendizado de um idioma de uma outra maneira. Na verdade, não aprendemos nosso idioma materno primeiro decorando o alfabeto, depois aprendendo as palavras e, por fim, organizando as palavras em frases. Ou seja, não passamos do básico ao avançado.

Pelo contrário, quando somos crianças, primeiro aprendemos os substantivos — como “mamãe”, “papai” e “leite” — e frases — as mais simples, como “quero”, “não” e “dá.” Conforme amadurecemos, aprendemos mais substantivos e mais frases complexas. Em certa idade, aprendemos a ler, separar as sílabas e nomear os termos da oração em sujeito, verbo e objeto direto, assim podemos entender as regras de ortografia e gramática.

A Bíblia nos ensina o sistema de sacrifício da mesma maneira. Temos vislumbres desde o início. Deus faz para Adão e Eva vestimentas de peles após o pecado original no jardim do Éden (Gênesis 3.21). Caim e Abel ofertam a Deus (Gênesis 4.3-3). Noé oferece holocaustos de animais puros após o dilúvio (Gênesis 8.20). Abraão se prepara para oferecer Isaque como holocausto e Deus substitui o menino por um cordeiro no último minuto (Gênesis 22.1-19). Moisés oferece holocausto, sacrifícios pacíficos e asperge sangue sobre o povo no monte Sinai (Êxodo 24.4-8).

Finalmente, em Levítico, é como se pegássemos um livro de gramática que estabelece regras mais detalhadas de como todos esses sacrifícios funcionam na aliança estabelecida por Deus com seu povo após o Êxodo. Levítico, assim como o livro de Números, fornece a ortografia, a gramática e a sintaxe básicas do sistema de sacrifício e, ao aprender a linguagem, podemos entender melhor o que Deus fala conosco.

Três imagens em Levítico

Para entendermos o sistema simbólico de Levítico, começamos com três imagens. Levítico baseia-se no livro de Gênesis, sobretudo nos primeiros capítulos. Traz à memória a história básica. Deus criou o mundo e tudo o que há nele em seis dias. A coroa da criação é o homem, feito no sexto dia, homem e mulher, à imagem do próprio Deus, como seus representantes e mordomos. Ele atribui ao primeiro homem e mulher uma missão — sede fecundos, multiplicai, enchei a terra e sujeitai-a, dominai sobre seus habitantes. Ele os coloca no jardim para trabalhar e cultivá-lo e lhes faz uma proibição: “Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comerdes, certamente morrerás” (Gênesis 2.17).

Sob influência da serpente sagaz, Adão e Eva se rebelam contra Deus, comem do fruto e são confrontados por sua rebeldia. Deus os julga por sua rebeldia, amaldiçoa a terra, multiplica o sofrimento e a dor em seu relacionamento e os amaldiçoa para morrerem e voltarem ao pó. Mas o Senhor mescla misericórdia com sua justiça, prometendo-lhes descendentes e, principalmente, um redentor que ferirá a cabeça da serpente. Depois ele lhes dá vestimenta de peles e os expulsa do jardim.

Agora, temos aqui uma imagem importante: para evitar que Adão e Eva comessem do fruto da árvore da vida em meio do jardim, “colocou querubins ao oriente do jardim do Éden e o refulgir de uma espada que se revolvia, para guardar o caminho da árvore da vida” (Gênesis 3.24).

Isso é importantíssimo. A presença santa de Deus no jardim. A vida está no jardim. E há um querubim armado com uma espada para afastar o homem da eternidade. Não há uma maneira de se aproximar de Deus sem perder sua cabeça e ser fulminado.

A segunda imagem surge no livro de Êxodo. Iavé tinha acabado de libertar seu povo da escravidão e reunir no monte santo. Deus desce em uma nuvem escura e relâmpagos e fala ao povo por meio de Moisés: “Tendes visto o que fiz aos egípcios, como vos levei sobre asas de águia e vos cheguei a mim. Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então, sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos; porque toda a terra é minha; vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa” (Êxodo 19.4-6).

Há uma tensão enorme entre essa imagem e aquela descrita em Gênesis. Em Gênesis 3, vemos vida e glória no jardim, com um querubim guardando o caminho com uma espada que se revolvia. Em Êxodo 19, vemos vida e glória no monte, através das palavras “sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos”.

A tensão entre essas duas cenas bíblicas produz uma terceira imagem. Imagine que o sol — essa bola gigante escaldante no céu — quisesse vir morar perto de você. O que aconteceria? Não há atmosfera para proteger você, nem filtro solar potente, nenhum teto para se abrigar: apenas o inferno ardente e o seu ser humano fraco e frágil. Como isso daria certo? Você pode lidar com esse calor?

A resposta é óbvia. Não podemos lidar com esse calor. A cena no monte Sinai confirma essa tese. Iavé convida o povo para se aproximar, mas Ele também ordena a se consagrar e se preparar; eles têm que lavar suas vestes e se absterem das relações sexuais por três dias (Êxodo 19:10-11,15). Além disso, Ele marca limites no monte, um limite que eles não devem ultrapassar sob pena de morte (versículos 12-13). Parece que não deixamos totalmente o querubim para trás. Pois ultrapassar o limite, tocar no monte santo é igual a procurar a morte. E a passagem não podia ser mais clara: o perigo real é que o Senhor vai ferir o povo (versículos 21–24). O perigo é chegar perto demais do sol. E eles não podem lidar com esse calor.

O Deus vivo e santo deseja habitar em meio ao seu povo pecador em um mundo cheio de morte.

Podemos resumir o problema da seguinte maneira: o Deus vivo é santo. Somos pecadores em um mundo cheio de morte. Mas o Deus vivo e santo deseja habitar em meio ao seu povo pecador em um mundo cheio de morte. Como isso é possível? Se voltarmos ao jardim do Éden, se nos aproximarmos do Deus santo, como vamos passar pelo querubim com a espada?

As regras gramaticais básicas 

A resposta de Deus para esse problema é todo o sistema levítico. É todo um sistema simbólico – uma linguagem – que testifica tanto a santidade e a vida de Deus quanto a nossa pecaminosidade e morte. E no centro desse sistema está a expiação — a aliança dada por Deus que nos capacita a nos aproximarmos dele de maneira notável, milagrosa e misericordiosa; lidarmos com o calor.

Então, quais são as regras gramaticais básicas dessa linguagem levítica? Vamos pensar em substantivos, adjetivos e verbos.

Substantivos

De volta ao ensino fundamental, aprendemos que existem três categorias básicas de substantivos: pessoas, lugares e coisas. Essas categorias também demonstram uma boa forma de abordar a gramática do livro de Levítico.

Vamos começar com as pessoas. Primeiro, temos homens e mulheres. O livro se inicia com uma retomada de Gênesis: “Quando um homem oferecer um animal em sacrifício a Deus” (Levítico 1.2; NTLH). A palavra adam lembra que somos filhos da terra, já que adam veio do pó de adamah. Mas não somos apenas “homens da terra”; somos homens e mulheres, ish e ishah (Gênesis 2.23).

No sistema levítico, podemos fragmentar ainda mais o povo de Deus. Primeiro, temos a congregação como um todo. Dentro da congregação, temos os levitas, os sacerdotes, e principalmente o sumo sacerdote. Além deles, temos os líderes ou governadores do povo. Depois temos os israelitas, alguns ricos e outros pobres. Ou seja, o sistema levítico reconhece a distinção entre pessoas.

E quanto aos lugares? Aqui precisamos nos conectar com a geografia e a arquitetura santas. Levítico baseia-se no livro de Gênesis, sobretudo nos primeiros capítulos. E lá lembramos do jardim, na terra do Éden e o restante do mundo (inabitado e ainda não subjugado): céu, terra e mar (Gênesis 2.8) O jardim ficava num cimo e um rio saía para regar o jardim e dali se repartia em quatro braços, espalhando-se pela terra (Gênesis 2.10). Em termos geográficos, pense num cimo, num monte, numa terra ao redor e depois as águas e o oceano nas extremidades.

Essa geografia santa se repetia no Sinai, com a nuvem e o fogo no cimo (no qual Moisés sobe) e depois o monte (onde os anciãos aguardam) e daí a base do monte (onde o povo se reúne) e o deserto em volta deles (Êxodo 19.20-24; 24.9-18).

O acampamento israelita reflete essa geografia santa. O tabernáculo é tipo um Monte Sinai portátil. Nas extremidades, temos o lado de “fora do acampamento,” que corresponde às águas da morte e do caos. Depois temos o acampamento em si, com as tribos organizadas em volta do tabernáculo. Aí temos o pátio, onde há uma bacia de bronze para lavar os vasos e o altar para queimar os sacrifícios. No meio do pátio, temos a tenda. Dentro da tenda, temos o santuário, com um candelabro (como a árvore da vida), o altar do incenso e a mesa dos pães da proposição. Em seguida no centro do tabernáculo (ou no topo do monte), há o santuário, a sala do trono de Deus, com a arca da aliança e os querubins acima dela.

Assim, o acampamento dos israelitas é um cosmos em miniatura, um monte na horizontal. Se você adentrar, você sobe. Conforme você se move de fora para dentro do acampamento (ou para cima), chega mais perto do sol. E para estar perto do sol, você tem que ser como o sol, acostumado com ele. Ou usando a linguagem bíblica, você tem que ser santo, porque o sol (Iavé) é santo. Quanto mais fundo e mais alto você caminha, maior é a santidade necessária. Em cada estágio, há um limite com um portão. E para atravessar o portão, você deve ter as qualificações necessárias, o status correto e proteção. O sistema levítico reconhece essas distinções de lugares.

Finalmente, temos as coisas, os utensílios. Talvez pensamos primeiro em vários objetos envolvidos na adoração de Israel: vestes, vasos, bacias, instrumentos e similares. Mas também podemos pensar nos animais e suas partes e nos manjares. Levítico distingue vários tipos de animais. Há uma distinção básica entre animais de manada (vacas e bois) e animais de rebanho (ovelha e bode). Levítico então distingue esses animais com base no sexo (macho e fêmea) e idade (cordeiros versus ovelhas adultas). Além disso, temos as aves (pombos e rolas) e os grãos (farinha e afins). E depois há vários outros elementos, alguns proibidos (como o fermento e o mel) e outros obrigatórios (como o sal). Todos eles possuem um valor simbólico. Significam algo no sistema.

E além do mais, as partes dos animais têm um significado no sistema. Os animais são desmembrados entre cabeça, a gordura (coração, rim, fígado, etc.) e as entranhas e as pernas. Essas partes são constantemente queimadas em sacrifício. Daí temos outras partes dos animais: pele, ossos, carne e assim por diante. Novamente, todos têm um valor simbólico. Portanto, o sistema levítico faz distinção entre coisas.

Adjetivos

Depois, passamos dos substantivos para os adjetivos. Aqui precisamos pensar em termos de distinções interligadas. Uma distinção básica é a vida e a morte (vivos e mortos). A vida é o sangue (Levítico 17.14). Uma distinção relacionada é puro e impuro. Uma outra série de distinções diz respeito à santidade. Por um lado, santo é o oposto de pecaminoso. Por outro lado, santo é o oposto de comum.

No primeiro caso, a impureza ou a profanação envolve uma contaminação moral. Pense na iniquidade como um tipo de estado moral, algo que simplesmente já nascemos com ela. Somos pecadores em um mundo cheio de morte. No segundo caso, quando o santo é distinguido do comum, ser comum não é um problema em si. As coisas comuns são perfeitamente boas. Elas podem ser transformadas em utensílios santos pelos rituais de consagração. Deus estabelece rituais que transformam as pessoas e objetos de comuns para santas, de ordinárias para separadas. E elas são separadas ou consagradas a fim de possibilitar que o Deus vivo e santo habite em meio ao seu povo pecador em um mundo cheio de morte.

Imagine uma tigela comum, feita de barro. Através de um processo de lavagens, essa tigela podia ser transformada em comum para santa, para que pudesse ser usada nas ofertas. Ou uma túnica podia ser consagrada para que fosse vestida dentro do pátio ou dentro do santuário.

Podemos ver alguns desses substantivos e adjetivos interligados em Levítico 6.9-11:

Dá ordem a Arão e a seus filhos, dizendo: Esta é a lei do holocausto: o holocausto ficará na lareira do altar toda a noite até pela manhã, e nela se manterá aceso o fogo do altar. O sacerdote vestirá a sua túnica de linho e os calções de linho sobre a pele nua [essas são as vestes santas ou consagradas], e levantará a cinza, quando o fogo houver consumido o holocausto sobre o altar, e a porá junto a este. Depois, despirá as suas vestes e porá outras; e levará a cinza para fora do arraial a um lugar limpo.

É uma tarefa simples: retirar as cinzas do altar. Mas uma pessoa santa e consagrada (um sacerdote) tem que vestir vestes santas e consagradas para se aproximar do altar (atravessar o portão para subir o monte). Então, para levar as cinzas para fora, ele tem que passar pelo portão que vai para o outro lado e, portanto, precisa vestir as vestes comuns antes de levar as cinzas para um local limpo fora do acampamento (não para um local impuro, como a latrina).

Qual é a importância simbólica desses rituais e práticas? Anteriormente percebemos que, para Deus habitar em meio ao seu povo, este tem que se acostumar com o sol. Pense em adaptação. Em Minnesota, não é incomum marcar 7°C tanto em outubro quanto em março. Mas reagimos às mesmas temperaturas de modo bem distinto em várias estações do ano.

Em outubro, quando a temperatura cai para 7°C, agasalhamo-nos — casacos grossos, luvas e gorros. Em março, quando a temperatura sobe para 7°C, tiramos do guarda-roupa as camisetas e shorts. Por que? Porque estamos acostumados. Em outubro, estamos acostumados com o clima quente, então 7°C é frio. Em março, estamos acostumados com o clima frio, então 7°C é quente.

Como pecadores em um mundo cheio de morte, somos tentados a nos acostumar ao pecado e à morte. O sistema levítico foi projetado para ser contra essa adaptação mundana, contra a sensação de que o pecado e a morte são normais. Pelo contrário, foi projetado para acostumar Israel à vida e à santidade, à presença do Deus vivo e santo.

Então, quando passados do frio e da morte de fora do acampamento rumo ao sol no cume no monte, devemos vestir as vestes e as luvas certas — as santas. Quando voltamos do monte, longe do sol, temos que despir as vestes santas e vestir as roupas comuns. Contaminar o sagrado acontece quando o comum entra em contato com o que é santo, tornando-o impuro. Além disso, é tornar o comum em algo santo de forma inapropriada. Na Bíblia, a santidade é contagiante e você não quer alcançá-la — não quer ter nada santo em você — a menos que você tenha sido devidamente consagrado e protegido. Pois a não ser que você tenha sido consagrado e protegido, você não conseguirá lidar com o calor.

Verbos

Isso nos leva aos verbos do sistema levítico. Nós os chamamos de sacrifícios ou ofertas. O significado mais básico do termo é “oferecer.” “Quando um homem oferecer um animal em sacrifício a Deus” (Levítico 1.2; NTLH). O objetivo das ofertas é se aproximar de Deus.

Existem cinco tipos básicos de ofertas identificadas nos primeiros capítulos de Levítico: o holocausto, a oferta de manjares, o sacrifício pacífico, o sacrifício pelo pecado e o sacrifício pelos pecados ocultos. Mas em vez de usarmos esses termos, muitos comentaristas bíblicos preferem destacar a função básica ou ato de cada oferta.

O (todo) holocausto é uma oferta queimada. A oferta de manjares é chamada de oferta de cereais. O sacrifício pacífico ainda é a oferta pacífica, conforme reconhecemos que a paz está relacionada à comunhão com Deus. O sacrifício pelos pecados é chamado de oferta de purificação. Finalmente, o sacrifício pelo pecado oculto é chamado de oferta de restituição. As primeiras três ofertas formam a base do sistema levítico; elas o sustentam. As duas últimas reparam as brechas no sistema em circunstâncias particulares. As três primeiras são como o alimento: elas mantêm a saúde sempre boa. As ofertas de purificação e restituição são como remédios; eles são usados quando você está mal, com uma doença específica.

As ofertas geralmente envolvem alguns dos mesmos elementos básicos. Um homem traz o animal para o pátio e impõe as mãos sobre ele. Alguém mata o animal e o sangue é drenado. O sangue é então usado de várias maneiras no ritual de sacrifício: aspergido nas pontas/cantos do altar, ou na base do altar, ou no altar de incenso, no santuário. Em seguida, o sacerdote desmembra o animal e dispõe as partes em certa ordem no altar para serem queimadas. Outras partes são levadas e queimadas fora do acampamento. E, em alguns casos, algumas partes são comidas, seja pelo sacerdote ou pelo homem.

Esta é a progressão básica: impor as mãos, matar o animal, aspergir o sangue, arrumar e queimar certas partes principais, retirar e/ou comer outras partes. Todas essas etapas são definidas de uma forma ou de outra para fazer a expiação, para dar uma proteção para que possamos lidar com o calor.

PURIFICAÇÕES E RESTITUIÇÕES

Vamos considerar com mais profundidade as ofertas medicinais — a purificação e as ofertas de restituições. Todas as ofertas presumem que somos pecadores em um mundo cheio de morte. Mas não somos apenas pecadores; mas também estamos sempre pecando. Ou seja, cometemos pecados e ficamos contaminados. Nós nos tornamos impuros. E quando nos tornamos, precisamos ser purificados antes de nos aproximarmos de Deus. A oferta de purificação lida com esses tipos de pecados e erros.

A Bíblia distingue entre iniquidade e “pecados por ignorância” ou erros (Números 15.30-31). Os pecados de iniquidade são descarados, rebeldes e impenitentes. Não há sacrifício para tais pecados, pois não há arrependimento. Você não pode ser purificado de um pecado do qual não se arrepende.

Os erros incluem pecados reais, mas a principal diferença é que o pecador “percebe sua culpa” (Levítico 4.22, 27, 5.2). Ou seja, ele é convencido do pecado e quer ter sua comunhão com Deus restaurada. Ele se arrepende. Os erros incluem pecados de omissão (negligência ou descuido, quando você não faz o que é certo) e os pecados de comissão (quando você faz o que é errado). A questão é que o homem se tornou contaminado e impuro de alguma forma, seja por ação voluntária ou por passividade, ou por negligência e ignorância, e só mais tarde percebeu sua culpa e se arrependeu.

É aqui onde as pessoas, lugares e animais se tornam importantes. Pessoas distintas estão interligadas a animais diferentes dentro do sistema. Se a congregação peca, ou se o sumo sacerdote peca, eles (e ele) são representados por um novilho do rebanho (Levítico 4.13-21). Se um líder do povo peca, ele é representado por um bode (4:22–27). Se qualquer pessoa peca, ele ou ela é representado por uma cabra (4.27–35). Se a pessoa for pobre e não puder arcar com os animais, ele ou ela podem usar duas pombinhas (5.7–10) — ou, se ainda assim for muito caro, trazer a décima parte de um efa de flor de farinha (5.11–13). O fato importante é que pessoas distintas são representadas por animais diferentes na linguagem simbólica de Levítico.

Além do mais, a oferta de purificação dá uma ênfase especial no sangue do animal. Se a congregação peca, o sangue é aspergido não só no altar no pátio, mas também no altar do incenso no santuário. Se qualquer pessoa pecar, o sangue é aspergido apenas no altar do pátio. O pecado da congregação (ou do sumo sacerdote) é mais grave do que o mero pecado individual.

As restituições ou ofertas pela culpa oculta é igual a oferta de purificação, mas a diferença é que o pecado cometido está relacionado com a profanação dos itens sagrados de Deus ou pelo roubo de outros itens. Em ambos os casos, a ideia é que o pecador roubou algo e precisa ser não só purificado, mas também de alguma forma restituir (geralmente 20% a mais do que foi roubado).

Em ambos os casos, o propósito dessas ofertas é reparar uma brecha no sistema com base em uma ação concreta (ou passividade).

ASCENSÃO, OFERTA E PAZ

Isso nos leva às três ofertas básicas no cerne do sistema. O holocausto é uma oferta queimada mais básica. Nela, o homem coloca suas mãos no animal puro, para que o animal sem mácula agora represente o homem pecador. Então o animal é morto e seu sangue (que representa a vida) é aspergido no altar. Daí o animal é desmembrado e colocado sobre o altar, separando a cabeça e a gordura (que estão intimamente ligadas às emoções na Bíblia). Nesse sentido, o altar é como uma miniatura do monte, subindo fogo, madeira, a cabeça e a gordura  do altar — tudo isso é queimado e sobe para Deus  como um aroma agradável.[2]

Essa oferta simboliza a rendição total do homem, o desejo sincero de se aproximar do Deus vivo e santo, apesar de nosso pecado e morte. Há morte e ressurreição nessa oferta, pois o animal morre e depois é transformado pelo fogo para subir até à presença de Deus. Pela fé, o homem sobe à presença de Deus na fumaça, e Deus se agrada da fé do pecador que vem até ele, representada pela vida e morte de um animal imaculado.

O holocausto é a oferta principal, onde o homem oferece a si próprio. Mas então, além de oferecer a si mesmo, o homem pode também ofertar a Iavé. Ele pode trazer uma porção que representa sua riqueza em forma de oferta de manjares ou cereais. Essa oferta não é feita sozinha, mas sempre com um holocausto. Como um comentarista argumenta, o holocausto é como um hambúrguer e a oferta de manjares é como as batatas fritas.[3] (E de fato, o livro de Números descreve as ofertas de bebida que são feitas iguais às outras.)

Então o homem faz as ofertas de purificação e restituição para reparar as brechas no relacionamento causadas pelas ações pecaminosas e impuras. Então o homem se oferece em total rendição a Iavé, aproximando-se dele como um aroma agradável no holocausto. E ele também pode fazer um holocausto a Iavé por toda sua bondade para com o homem. Mas ainda não acabou.

Deus não quer apenas conhecer seu povo; ele quer cear em meio ao seu povo.

Todas essas ofertas — de purificação, restituição, rendição total e holocausto — são realizadas para levar o povo à comunhão. Existem dois termos diferentes para o tabernáculo em Levítico: “tabernáculo” (ou “morada”) e “tenda de reunião.” Os dois termos são importantes. Deus não quer apenas habitar em meio ao seu povo; ele quer conhecer seu povo. E ele não quer apenas conhecer seu povo, ele quer cear em meio ao seu povo.

A oferta pacífica é a culminação e o clímax da adoração israelita. Uma parte dela se assemelha ao holocausto com as gorduras queimadas e ofertadas a Deus como aroma agradável. Outra parte dela se assemelha à oferta memorial de bolos ázimos. Mas o que distingue a oferta pacífica é que o homem é convidado a cear com Deus. Seja dando graças por uma bênção específica, ou dando graças porque Deus o capacitou a cumprir um voto, ou apenas dar graças com uma oferta voluntária, o homem reconhece que Deus proveu para que seu povo possa se aproximar do Senhor e ter comunhão com ele em paz.

Ceando em um mundo cheio de morte

Essa é a mensagem de Levítico. É o que os substantivos, adjetivos e verbos comunicaram a Israel e o que ainda podem nos comunicar hoje. Ainda que não habitemos no mesmo mundo de Israel, Levítico ainda foi escrito para nossa instrução, que “pela paciência e pela consolação das Escrituras, tenhamos esperança” (Romanos 15.4). Levítico nos capacita a ver Cristo e sua obra em nosso favor sob uma luz mais forte e clara. Ao aprender a linguagem de Levítico, atingimos um conhecimento mais profundo de que o Deus vivo e santo deseja habitar, conhecer e cear em meio ao seu povo pecador em um mundo cheio de morte. Graças a Deus por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor.


[1] Para este artigo, estou recorrendo e condensando artigos de vários estudiosos bíblicos que estudaram profundamente o livro de Levítico. Os leitores que queiram explorar esses tópicos mais profundamente devem examinar Alastair Roberts, “Leviticus: Chapter-by-Chapter Commentary,” 1 de maio de 2022, YouTube video, https://www.youtube.com/watch?v=UZJl8RxLkEw; Peter Leithart, “Theopolis Course: Leviticus,” série de palestras, Theopolis Institute, 2015, https://www.wordmp3.com/product-group.aspx?id=503; James Jordan, “Book of Leviticus,” série de palestras, Biblical Horizons, https://www.wordmp3.com/product-group.aspx?id=133; Jason DeRouchie, What the Old Testament Authors Really Cared About: A Survey of Jesus’s Bible (Grand Rapids: Kregel Academic, 2013); e Michael Morales, Who Shall Ascend the Mountain of the Lord? A Biblical Theology of Leviticus (Downers Grove, IL: IVP Academic, 2015).

[2] Veja Leithart, “Theopolis Course: Leviticus”; Jordan, “Book of Leviticus.”

[3] Veja Roberts, “Leviticus.”

Por: Joe Rigney. © Desiring God Foundation.Website: desiringGod.org. Traduzido com permissão. Fonte: The Syntax of Sacrifice. Traduzido por Ana Paula Argentino. Revisor e Editor: Vinicius Lima.