Entropia e Queda

Seria a entropia resultado da Queda?

Outro dia me perguntaram se a entropia entrou no universo a partir da Queda de Adão. A pergunta vinha com o seguinte argumento: antes da Queda tudo o que Deus fizera era muito bom, logo nada poderia sofrer degradação. Como a 2ª lei da termodinâmica revela que tudo vai para desordem, não é factível pensar que a entropia é fruto da queda? Ainda que interessante, não é uma pergunta nova, e para começar a respondê-la devemos entender que as Escrituras ao afirmar que tudo o que foi criado era muito bom (Gn 1:31) não está ensinando que a 2ª lei da termodinâmica não existia, e que, portanto, nada poderia sofrer degradação entrópica. Admitir isso viola as normas básicas de hermenêutica, além de um grave atentado à exegese do texto, sem falar que, caso isso fosse verdade, a entropia seria um tipo de maldição sobre o mundo material e a 2ª lei algo inerentemente má em si (e sendo má, nada de bom poderia dela resultar). Deixando isso claro, devemos agora nos perguntar o que exatamente é a 2ª lei da termodinâmica e qual seu propósito no universo criado por Deus.

De forma resumida, a 2ª lei reza que todo processo espontâneo, sem interferência externa, leva a um aumento na desordem do sistema. A essa desordem chamamos entropia, uma propriedade extensiva que regula a quantidade de energia que se pode aproveitar para manter um sistema ordenado funcionando às custas do aumento da desordem total do sistema. Sistemas altamente ordenados como os sistemas vivos, devem retirar energia de alguma fonte térmica para manter-se com baixa entropia. A essa energia chamamos de trabalho útil, cuja quantidade é sempre menor que a quantidade total da fonte. Isso implica que, em processos naturais, a entropia de um sistema tende a aumentar com o tempo, tornando a energia térmica menos disponível para realizar trabalho útil. Qualquer sistema ordenado seja biológico, mecânico, ou outro, para funcionar deve retirar energia útil de uma fonte às custas da desorganização desta. De certa forma, a 2ª lei impõe uma dependência das coisas criadas a uma fonte de energia, que é limitada, e por ser uma lei universal regula desde o funcionamento da menor célula até o núcleo da estrela mais quente do universo. Ao mesmo tempo, é uma prova inequívoca que este universo foi criado por Deus, pois se todos os processos espontâneos levam naturalmente à desordem, a não ser que haja uma interferência externa para manter o grau de entropia baixo o suficiente para manutenção do universo, todas as coisas ordenadas não poderiam existir. Se o universo nasceu de uma grande e quente explosão, que se expandiu contra o nada de forma espontânea, criando no processo matéria/energia, tempo e espaço, a 2ª lei é taxativa ao afirmar que a desordem resultante seria máxima, tanto na escala micro quanto na macro. No entanto, existimos, e em um grau de ordenação surpreendentemente alto e belo, bem como o universo finamente ordenado e ajustado. Algo Maior sustenta esse universo e o mantém em ordem, minimizando os efeitos da 2ª lei. Dito isso, voltemos ao relato de Gênesis e tentemos ver algo da 2ª lei agindo desde o princípio.

O Senhor Deus, no princípio, criou todas as coisas, incluindo o homem e a mulher, feitos à sua imagem e semelhança. No relato de Gn 1, a obra da Criação termina no sexto dia com o Senhor declarando Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom” (Gn 1:31). No relato não há menção de algum fenômeno natural de degradação biológica relacionado às coisas vivas. Nada indica degradação material ou biológica, no entanto, como fenômeno, ela está indiretamente presente, ou se faz potencialmente existente. Explico. A vida dos seres criados não é uma dádiva intrínseca da própria criatura, antes é derivada, vem do Criador. Esta vida biológica não pode ser mantida indefinidamente, pois só o Criador tem a vida em si mesmo, pois como diz o apóstolo João a Vida estava nEle (Jo 1.4), não nos homens, não nos animais, não na natureza. Há uma clara dependência de Deus para a manutenção da vida, e o Senhor regula esta dependência natural em termos de regras e condições para um organismo se manter vivo. Do ponto de vista puramente biológico, a manutenção da vida depende de outras vidas em termos de mantimento, como indicado na própria Escritura (Gn 1.29-30). Não dá para fazer isso comendo terra, mastigando pedra, tomando banho de sol, ou tentando tirar energia de qualquer outra fonte não-viva. Se há necessidade de alimentos, há necessidade de processamento metabólico para obtenção de energia, e isso só é possível pela atuação de uma lei natural que regerá o processo. Assim, as leis da termodinâmica já estavam lá antes da Queda e tinham papel fundamental no processo de transformação dos alimentos necessários à manutenção da vida, na limitação da energia útil dos sistemas, etc. Para meu corpo permanecer vivo, dentro do tempo e do espaço, eu preciso de mantimento e isso implica em fontes vivas, animais ou vegetais. Contudo, e isso é importante frisar, a energia que os alimentos me proporcionam não me dão vida, apenas atrasam a degradação biológica e mantém de forma frágil e limitada a vida que existe. Nossos corpos não têm capacidade de se auto sustentar para sempre, eles se deterioram, mesmo com o consumo regular de fontes de energia. A vida é dádiva de Deus, e somos todos dependentes de sua graça para mantermos vida, tanto a biológica como a vida eterna por vir.

Aqui vale uma digressão. Há quem defenda que com a Queda as leis universais mudaram e não são mais as mesmas e que antes do pecado as coisas eram diferentes e existiam outras leis físicas. Quais leis? O que regiam? Em que ponto das Escrituras temos essa informação? Esse é um tipo de argumento que aponta para o desconhecido, e nada acrescenta à questão, antes levanta novas interrogações. O que sabemos é que o Senhor criou o universo de forma abrangente, consistente e antevidente, e as leis físicas não mudaram com a Queda (Jr 33.25-26). Química, física, biologia continuam as mesmas de antes da Queda. Mas devemos ser sábios nesse ponto, algo mudou com a entrada do pecado no mundo, alguma qualidade se perdeu, mas não foram as leis universais. O universo como máquina continua funcionando segundo as leis fixas que o Senhor criou e vemos isso na perfeição das coisas criadas e no ajuste preciso das leis que regem todos os fenômenos físicos. Dizer que as leis mudaram com a Queda é dizer que as leis não mais funcionam de modo perfeito, que não há um ajuste fino e a inteligibilidade do mundo é baseada em leis erráticas. O problema não é com as leis que regulam o funcionamento do motor, mas algo que não deveria estar no motor e agora se faz presente, impedindo que funcione de forma equilibrada e sem problemas. E essa coisa que não deveria existir se chama pecado, uma pedra atirada dentro do motor que causa ruídos, solavancos, e até fumaça escura e malcheirosa, mas é incapaz de mudar a natureza das leis que regem o funcionamento do motor universal. É como uma camisa que foi abotoada na casa errada, e todo o resto fica desalinhado, mas os botões permanecem com sua função e a camisa continua sendo camisa.

Assim, a entropia não é consequência da Queda. Pode-se até defender que o ritmo de degradação entrópica tenha aumentado com a Queda, mas ela estava lá antes do pecado do homem. Se havia comida e necessidade de mantimento, tanto para Adão e Eva e para todos os demais seres vivos, já estava em pleno funcionamento a 2ª lei da termodinâmica regendo os processos metabólicos e energéticos, e isso nada tem a ver com o pecado, mas com a forma como Deus organizou as leis que mantêm o universo funcionando. Ela impõe limites ao quanto de energia podemos aproveitar de uma fonte, e aponta para uma dependência maior dAquele que é a Fonte da qual todas as fontes derivam. É benção, não maldição.

Somente Aquele que é a própria Vida, pode nos comunicar vida em meio à lenta morte entrópica que experimentamos dia após dia, desde nosso nascimento, e a espiritual em que estamos mergulhados desde a Queda.

A ciência busca desesperadamente uma fórmula, um meio, um jeito de estender os anos de vida do corpo humano, uma saída de nos livrar da morte entrópica que inevitavelmente sofreremos. A solução não está em melhores alimentos, poderosos medicamentos ou estilo de vida saudável, estes são apenas paliativos que nos rendem alguns poucos anos a mais, se rendem. Somente Aquele que é a própria Vida, pode nos comunicar vida em meio à lenta morte entrópica que experimentamos dia após dia, desde nosso nascimento, e a espiritual em que estamos mergulhados desde a Queda. A Ele toda a glória, inclusive pela maravilhosa 2ª lei da termodinâmica.


 

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Autor: KELSON MOTA. © Voltemos ao Evangelho. Website: voltemosaoevangelho.com. Todos os direitos reservados. Revisão e Edição por Vinicius Lima.