O que fazer com as questões LGBTQIA+ na igreja?

A importância de diretrizes bíblica, claras e formais

Ano passado alguns pais me pediram uma reunião. Eles expuseram que um garoto da escola de seus filhos voltou do recesso de Ação de Graças se identificando como uma garota. A política distrital da escola garantiu acesso ao banheiro de acordo com a identidade de gênero entendida por ele. Qualquer aluna que se sentisse desconfortável em usar uma cabine perto dele deveria ir ao banheiro no consultório da enfermeira. Essas crianças estavam na quarta série.

Toda igreja nos Estados Unidos tem escolas em sua vizinhança que passaram, estão, ou provavelmente irão em breve experimentar o que os pais de nossa igreja experimentaram. Os pastores devem discipular seu rebanho de modo a pensar biblicamente sobre questões LGBTQIA+. Esse é o caso, especialmente, no ministério de famílias. Apesar do discipulado envolver mais do que diretrizes, não podemos nos dar ao luxo de pensar que elas não são tão importantes. Diretrizes sábias possibilitam a uma congregação continuar o ministério do evangelho em uma cultura cada vez mais pagã. Boas diretrizes são urgentemente necessárias em ministérios de crianças e adolescentes. O objetivo deste artigo é nos ajudar a pensar bem em como podem ser essas diretrizes.

PREPARANDO O TERRENO

Diretrizes não são criadas no vácuo; as que são sábias devem considerar o momento e as perguntas em questão. Deixe-me preparar o terreno — para falar — dando contexto para minhas sugestões dos comos e porquês das diretrizes do ministério de famílias.

Nos Estados Unidos, dois departamentos governamentais federais supervisionam a educação pública, independente e colegial: o Departamento da Educação e o Departamento da Justiça. O Departamento da Educação apoia os esforços das diretorias de escolas locais e estaduais provendo normas, pesquisas e executando leis sobre educação. Já o Departamento da Justiça assegura que os direitos institucionais dos estudantes não estão sendo violados. Além disso, o Congresso aprovou as Emendas Educacionais de 1972 para vincular as prerrogativas do Governo Federal na educação a seu financiamento. 

A maior parte dos estadunidenses está familiarizada com o Artigo 9º da Emenda Educacional de 1972. Esses estatutos foram inseridos na legislação anterior para expandir a proteção dos estudantes com base em seu sexo. O objetivo era proteger os interesses das estudantes do sexo feminino. A lei estabelece: “Nenhuma pessoa nos Estados Unidos será, com base no sexo, excluída da participação, negados os benefícios ou sujeita a discriminação sob qualquer programa ou atividade educacional que receba assistência financeira federal”.1 Há algumas exceções na aplicação construídas pelo próprio estatuto, mas, em geral, a Suprema Corte tem aplicado o Artigo 9º para proteger os direitos constitucionais dos estudantes.

Cada administração presidencial determina como irá executar essa lei. Em 13 de março de 2016, o Departamento da Educação e o Departamento da Justiça do presidente Obama publicaram uma declaração conjunta indicando que os dois Departamentos iriam considerar os interesses de alunos LGBTQIA+ para serem protegidos pelo estatuto do Artigo 9º. Eles também forneceram diretrizes sobre as adaptações que as escolas deveriam cumprir, compreendendo a inclusão nos esportes e acesso protegido ao banheiro.2 O governo Trump revogou essa diretriz. A administração de Biden mudou o rumo e reaplicou a interpretação do governo Obama da “decisão da Suprema Corte dos EUA no condado de Bostock v. Clayton County“.3 Bostock garantiu os direitos civis dos funcionários LGBTQIA+ sob a Lei de Direitos Civis. Não é preciso pensar muito para ver porque a administração Biden vê uma implicação entre Bostock e a aplicação do Artigo 9º. Em 23 de junho de 2022, o Departamento da Educação anunciou regulamentos posteriores reforçando a cobertura do Artigo 9º aos estudantes transgêneros.4

Este é o mundo em que a próxima geração será catequizada. Esse é o mundo em que o ministério de famílias será exercido. 

Quando eu era um pastor de estudantes em Louisville, Kentucky, em 2014 — antes da administração Obama publicar as diretrizes do Artigo 9º — uma escola de ensino médio em nossa região, Atherton High School, tomou a iniciativa de emitir políticas LGBTQIA+. Os pais de Atherton se movimentaram para conceder acesso a banheiros e vestiários a estudantes transgêneros de acordo com sua identidade de gênero. Essas mudanças ganharam influência em todo o país rapidamente.

Tudo mudou rapidamente depois disso. Os alunos começaram a fazer muitas perguntas sobre transgeneridade. Em 2015, eu comecei a advogar para que a liderança de nossa igreja começasse a agir. Durante esse período, nos associamos a uma organização cristã para gerar oportunidades de evangelismo no campus de nossa escola local. Após um recesso de verão, uma sala na biblioteca foi convertida em um espaço seguro LGBTQIA+ com sinalização e uma bandeira de orgulho de 1m x 1,5m. Nossas equipes ministeriais começaram a ver um aumento no número de estudantes que experimentavam relacionamentos com pessoas do mesmo sexo. De volta à igreja, nossos alunos falavam persistentemente sobre questões relacionadas à sexualidade. Eles queriam saber o que a Bíblia ensinava.

Eu abordei meu pastor sênior com uma proposta de declaração para nosso manual de ministério sobre sexualidade humana e gênero. Precisávamos de políticas para  vestiários, banheiros, separação de dormitórios no acampamento, códigos de vestimenta e muito mais. Afinal, queremos que crianças não salvas venham aos eventos de nossa igreja, então escrevemos diretrizes que se aplicavam a crentes e não crentes, como uma condição para participação. Mais importante ainda, eu não queria que os regulamentos do Artigo 9° catequizassem meus voluntários, famílias ou crianças sobre como a igreja deveria lidar com cenários do mundo real. Pensamos que ter uma política declarada e estabelecida nos daria uma posição mais significativa caso alguém nos acusasse de discriminação.

Então, em 22 de dezembro de 2016, nós adicionamos a seguinte diretriz ao nosso manual do ministério de estudantes. Nós não estávamos tentando reinventar a roda, por isso algumas das sentenças eram diretamente de uma política elaborada pelo Southern Seminary. Como não faço mais parte da equipe daquela igreja, eu a deixei anônima para sua privacidade:

A política de [nosso ministério de estudantes] em relação à sexualidade e identidade de gênero é fundamentada no entendimento ortodoxo da sexualidade cristã, que está enraizado na Bíblia. Nós confessamos que o sexo e o gênero são presentes de Deus. Ao nascer, um ser humano é fisiologicamente macho ou fêmea; por extensão, o gênero é algo imutável, com uma característica exclusivamente binária arraigada na fisiologia de cada ser humano. Qualquer embaçamento da fronteira entre masculinidade e feminilidade, tal como identificar-se como travesti, transexual ou transgênero, é contrário aos padrões bíblicos. Também confessamos que qualquer orientação sexual que não seja a heterossexualidade estrita é um desvio do bom desígnio de Deus para a sexualidade humana.

No caso de um estudante que apresenta um gênero diferente de seu sexo biológico, esperamos que ele, quando envolvido em [nossos] eventos oficiais e não oficiais, viva e apresente-se de acordo com seu sexo biológico atribuído. Isso inclui o uso dos pronomes, vestimentas, banheiros apropriados, vestiários, dormitórios designados, agrupamentos, aulas, apesar de não estar limitado somente a isso. Devemos ver as ações ou intenções daqueles que buscam mudanças fundamentais de qualquer tipo em relação ao sexo de nascença como uma rejeição dos entendimentos bíblicos e teológicos com os quais [nossa congregação] está comprometida, portanto, temos base para o afastamento das atividades e do Ministério de Estudantes. O mesmo se aplica a exemplos persistentes ou exagerados da troca de vestuário e outras expressões ou ações que são deliberadamente discordantes com o sexo de nascença. As decisões serão tratadas caso a caso de forma pastoral e sensível. Cada caso deve ser levado ao pastor de estudantes imediatamente antes que haja qualquer correção.

Contudo, nenhum estudante será impedido de participar de eventos porque ele ou ela passa por dificuldades em relação a sua identidade de gênero ou orientação sexual. Nós acolhemos todos [em nossas reuniões], contanto, que ele ou ela esteja se forçando em prol de uma relação  de arrependimento e transformação de vida com Jesus Cristo, e que seja obediente às exigências éticas do Antigo e do Novo Testamento.

O que é esperado dos voluntários é que sejam compassivos, entendendo que a cultura confundiu (e mentiu!) para os que carregam uma imagem sobre a natureza do gênero e sexualidade. Eles devem compartilhar nossas normas de forma solidária e amorosamente convidar os estudantes a participar, mesmo que algum deles se sinta desconfortável em apresentar-se de forma diferente em relação ao seu gênero percebido. Somente após múltiplas e compassivas exortações para arrepender-se e experimentar a graça do Senhor Jesus Cristo, que transforma vidas, os estudantes serão convidados a não participar mais de [nossas] atividades estudantis.

Veja, “XVIII. The Family,” Baptist Faith and Message 2000. 

Veja “Transgender Identity” (http://www.sbc.net/resolutions/2250/on-transgender-identity).5

Nós precisamos abordar a cultura atual de nossa cidade de forma clara e ensinar nossos voluntários a ter compaixão por crianças confusas. Essa diretriz nos ajudou a atingir um equilíbrio entre esses dois aspectos. 

DIRETRIZES SERVEM AOS PASTORES 

Todos os dias, mais de 2.000 aviões sobrevoam o Oceano Atlântico com pouquíssima ajuda do radar terrestre ou do controle de tráfego aéreo. Por que não há colisões? Por causa de um tratado chamado NAT-OTS (North Atlantic Tracks). Espaçados dez minutos de distância, os aviões entram e seguem os trilhos em pontos de passagem designados, criados no dia anterior. O NAT-OS reduz drasticamente o risco de colisão devido à cobertura de um radar de manchas. Mais importante ainda, também reduz o cansaço de decisão dos pilotos das linhas aéreas.

Normas funcionam de forma semelhante na vida de uma congregação. Elas delegam sabiamente as tomadas de decisões. Geralmente, a maior parte dos pastores não entram no ministério ansiosos para escrever diretrizes. Além disso, poucas congregações consideram a destreza administrativa como uma característica pastoral importante. E ainda assim, Deus presenteou sua igreja com administradores. 

Paulo listou “administrar” como um dos dons para a igreja (1Co 12.28). Ao contrário da percepção comum, seu alcance é mais significativo do que planilhas e relatórios de despesas. A palavra se sobrepõe a conceitos como da navegação, e os tradutores da Septuaginta usaram a mesma palavra para traduzir Provérbios 1.5; 11.14; e 24.6. Cada um desses versos celebra a virtude de alguém que pode guiar um grupo através de circunstâncias difíceis. 

Diretrizes claras reduzem potenciais colisões e o cansaço por tomar decisões. Isso não quer dizer que as diretrizes pastoreiam pessoas por conta própria. No entanto, as políticas criam caminhos para decisões, reduzindo colisões. Uma diretriz pode, de fato, discriminar, mas uma boa norma não discrimina indivíduos específicos. Por exemplo, uma diretriz pode dizer: “você tem um histórico de condução ruim, portanto não pode dirigir nosso ônibus da igreja”. Além disso, uma política reduz o cansaço das decisões, automatizando um curso de ação. Assim como os pontos de passagem através do Atlântico, as normas fornecem orientação em questões em que os detalhes podem estar faltando.

Cada vez mais, os pastores terão que tomar decisões morais acerca de questões LGBTQIA+. As diretrizes delegam esse processo de decisão, dando aos pastores mais tempo para exortar, instruir e discipular indivíduos sobre identidade de gênero e orientação sexual. 

AS DIRETRIZES TORNAM AS ESTRADAS ESTREITAS E RETAS

Diretrizes não são exatamente como pilotos automáticos. Elas são mais como professores. Pastorear pessoas que foram discipuladas pela constante voz das políticas corporativas ou educacionais é desafiador. Ontem, fui almoçar com um major das forças armadas. Ele compartilhou comigo que recentemente havia sido solicitado a fazer uma sessão de treinamento sobre novas políticas para o preparo físico de soldados transgêneros. Aparentemente, eles seriam avaliados conforme fossem “pré-op” ou “pós-op”. Aquele que tem ouvidos ouça. (N. do Editor: “Pré-op” = antes de uma cirurgia de mudança de sexo; “pós-op” = depois de uma cirurgia de mudança de sexo).

Uma boa diretriz exerce duas funções. Primeiro, ela identifica um princípio bíblico com o apoio necessário. Segundo,  ela transforma esse princípio em uma aplicação. Em outras palavras, uma diretriz conecta como a Bíblia deve ser obedecida em um cenário específico do mundo real. 

Os membros da igreja, cada vez mais, serão moldados por políticas de seus domínios profissionais. Isso significa que eles terão um piloto automático diferente; pontos de passagem distintos influenciarão seus instintos. Boas diretrizes na igreja permitem que os pastores multipliquem o impacto de seu ensino, neutralizando políticas desordenadas no mundo.

O QUE VEM A SEGUIR?

Eu comecei meu manual de ministério com as seguintes palavras:

“O evangelho sempre foi a plataforma sobre a qual pessoas comuns viram o mundo de cabeça pra baixo. Nós temos a oportunidade preciosa de convocar nosso povo para uma revolução radical e contracultural que coloca os outros acima de “amigos”, falar a verdade em amor acima de “likes“, e seguir a Cristo acima de seus próprios “seguidores”.

Eu estou convencido de que esta é a época mais empolgante, urgente, recompensadora, desafiadora e frustrante para se estar no ministério. Estou contente por você se juntar a nós.” 

Normas não são tão glamourosas quanto a pregação. Mas, contanto que elas protejam e ensinem nosso povo, elas são importantes.

 

  1. “20 U.S. Code § 1681 – Sex”. LII / Legal Information Institute. Cornell Law School. Retrieved June 29, 2022.https://www.law.cornell.edu/uscode/text/20/1681. 
  2. U.S. Department of Justice and U.S. Department of Education, “Dear Colleague Letter on Transgender Students,” May 13, 2016, https://www2.ed.gov/about/offices/list/ocr/letters/colleague-201605-title-ix-transgender.pdf
  3. U.S. Department of Education, “U.S. Department of Education Confirms Title IX Protects Students from Discrimination Based on Sexual Orientation and Gender Identity,” Press Release, June 15, 2021, https://www.ed.gov/news/press-releases/us-department-education-confirms-title-ix-protects-students-discrimination-based-sexual-orientation-and-gender-identity.
  4. Moriah Balingit and Nick Anderson, “Sweeping Title IX changes would shield trans students, abuse survivors,” Washington Post, June 23, 2022, https://www.washingtonpost.com/education/2022/06/23/title-ix-biden-trans-sexual-assault-college/.
  5. Este link não está mais disponível, mas esta referência estava inclusa na primeira diretriz. 

Por: Zach Carter. © 9Marks. Website: 9marks.org. Traduzido com permissão. Fonte: Lgbtq+ Policies: What Do We Do About Youth Group? – Zach Carter. Tradução: Luise Massa Santos. Revisão e Edição por Vinicius Lima.