Trazendo ordem ao caos

Uma reflexão sobre a teoria do caos, o efeito borboleta e a visão teológica da criação

A “teoria do caos” está associada a um campo de estudo da matemática, com várias aplicações em outras áreas do conhecimento (biologia, economia, meteorologia, etc), e estuda o comportamento de sistemas dinâmicos muito sensíveis a condições iniciais. Essa sensibilidade às condições iniciais ficou popularmente conhecida como “efeito borboleta”.

Apesar de haver muitas versões diferentes para a explicação do nome deste efeito, ele recebeu originalmente esta denominação por causa de uma palestra do renomado matemático Edward N. Lorenz, intitulada “Previsibilidade: o bater das asas de uma borboleta no Brasil pode desencadear um tornado no Texas?“, na 139ª renião da “Associação Americana para o Avanço da Ciência”, em dezembro de 1972.

O argumento principal de Lorenz, professor de meteorologia do MIT e ganhador do prêmio Kyoto em 1991, no contexto da “teoria do caos” e do “efeito borboleta”, é que até mesmo pequenas diferenças nas condições iniciais de um sistema podem fornecer resultados muito divergentes para tais sistemas dinâmicos, tornando tipicamente impossível a previsão a longo prazo. Apesar do interesse nítido de Lorenz na previsão meteorológica, o conceito pode ser extrapolado para outras áreas da ciência e da vida. Segundo uma definição do próprio Lorenz, caos é “quando o presente determina o futuro, mas o presente aproximado não determina aproximadamente o futuro.

Seguindo esta linha de raciocínio, a falta do conhecimento exato e preciso das condições presentes de um sistema não permite que seja feita uma previsão exata do futuro deste mesmo sistema. Em outras palavras, mesmo quando um sistema parece caótico, isto frequentemente significa apenas que é a visão do observador humano sobre o sistema que é limitada, pois ele não compreende a totalidade dos fatos, não conhece o conjunto completo das variáveis que afetam o sistema, e nem sequer conhece as interações possíveis com outros sistemas.

Podemos imaginar cada “sistema” em questão como sendo cada minúsculo (e.g. átomos) ou gigantesco (e.g. galáxias) aspecto da Criação de Deus, englobando todos os elementos ou objetos inanimados do universo criado, além de cada uma das criaturas ou seres vivos – incluindo cada um de nós – que habitam no planeta terra. Apenas um Deus Criador que é soberano, onipotente, onisciente e onipresente, poderia ter o pleno conhecimento, compreensão e domínio do “sistema todo”, e de “todos os sistemas”, incluindo o conjunto completo das variáveis que controlam cada sistema, e da própria interação entre todos os sistemas [i].

Porque assim diz o SENHOR, que criou os céus, o Deus que formou a terra, que a fez e a estabeleceu; que não a criou para ser um caos, mas para ser habitada: Eu sou o SENHOR, e não há outro” (Is 45.18).

Neste texto de Isaías, a palavra traduzida por “caos”, a partir do original em hebraico [ii], é a mesma palavra usada no primeiro capítulo de Gênesis, “A terra, porém, estava sem forma e vazia” (Gn 1.2a) [iii], para descrever como era o aspecto inicial da terra, imediatamente depois de ter sido criada por Deus (Gn 1.1).

A análise exegética de teólogos de tradição reformada, sobre este aspecto de que a terra “estava sem forma e vazia”, pode ser muito útil para trazer luz sobre este assunto: “Esta descrição significa que a criação ainda não estava ordenada ou preenchida. Alguns sugerem que os versos 1 e 2 de Gn 1 referem-se a dois atos criativos separados por um período de tempo. Eles argumentam que a criação inicial caiu numa condição desolada (talvez por causa da queda de Satanás), e que a palavra hebraica aqui traduzida como “estava” deveria ser traduzida como “tornou-se”. Esta visão (popularmente conhecida como “teoria da lacuna”) é muito duvidosa, no entanto, porque a tradução proposta “tornou-se” é improvável neste contexto, e porque a descrição “sem forma e vazia” refere-se mais naturalmente a uma criação ainda a ser ordenada e preenchida, ao invés de uma [criação] que estava em mau estado[iv].

Alguns apologetas cristãos também combatem a “teoria da lacuna”, a partir da convicção de uma cosmovisão que considera a literalidade do relato histórico encontrado no livro de Gênesis, e isso normalmente nos insere no contexto do Criacionismo “terra jovem” (YEC – “Young Earth Creationism”).

Jason Lisle argumenta, por exemplo, a partir do uso frequente de construções do tipo “consecutivo vav” no primeiro capítulo de Gênesis, que isto é umas das claras evidências de que este texto é um relato histórico sequencial. Ele também mostra que há uma exceção no verso 2 deste capítulo (“A terra, porém, estava sem forma e vazia…”), tratando-se de um “disjustivo vav”, que é usado como um ponto de esclarecimento, ou seja, de forma parecida como quando nós usamos um comentário entre parênteses. Portanto, a leitura de Gênesis 1.1-2 seria melhor compreendida neste formato: “1 No princípio, criou Deus os céus e a terra (2 [e] a terra, porém, estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas)”. Os leitores que tiverem maior interesse em detalhes, podem encontrar em seus livros [v] a argumentação para combater não apenas a “teoria da lacuna”, mas também a “teoria do dia-era” [vi], por exemplo.

Portanto, temos a certeza de que não vivemos vidas “caóticas” em um universo de confusão, desolação e vazio de significado…

Pelo contrário, através do convencimento do Espírito e da Palavra, sabemos que vivemos debaixo da soberana, sábia, graciosa e misericordiosa providência de Deus, todos os dias da nossa vida, enquanto aguardamos o glorioso retorno do nosso Senhor e Salvador… e enquanto aguardamos, exclamamos maranata!

Graças a Deus, por sua magnífica criação e sábia providência!

 

*Notas:

[i] Para ver os aspectos da sabedoria e da soberania do poder de Deus na Criação, ver por exemplo: Sl 136:5-9; Pv 3:19; Jr 10:12; 32:17; 51:15

[ii] Tohuw (#Strong 08414) pode significar: caos, confusão, desolação, deserto, vazio, sem forma.

[iii] A mesma descrição da terra também aparece em Jeremias, “Olhei para a terra, e ei-la sem forma e vazia” (Jr 4:23a).

[iv] R.C. Sproul (ed.), The Reformation Study Bible: English Standard Version (2015 Edition) (Orlando, FL: Reformation Trust, 2015).

[v] Jason Lisle, Why Genesis Matters, Institute for Creation Research (2013 Edition); Jason Lisle, Understanding Genesis: How to Analyze, Interpret, and Defend Scripture, Master Books (2015 Edition).

[vi] Para mais referências sobre a literalidade dos dias (24h) de Criação, no relato histórico de Gênesis, seguem os links:

https://astse.blogspot.com/2020/03/genesis-uma-visao-reformada-dos-6-dias.html

https://astse.blogspot.com/2019/08/genesis.html